Marcelo Freixo: "Garanto ao Moro que é ótimo ser casado com uma feminista"
Enquanto a Amazônia queima, o deputado federal pelo PSOL do Rio de Janeiro Marcelo Freixo, 52, foi posto em meio a um fogo cruzado: ele, um socialista, recém-casado com a escritora e roteirista Antonia Pellegrino, foi criticado por passar a noite de núpcias no histórico hotel Copacabana Palace, símbolo do luxo carioca, com diárias que vão de R$ 1.000 a quase R$ 3.000. Em defesa do casal, ela, uma feminista, respondeu que poderia ter sido ela a pagar a conta, inflamando ainda mais o Fla x Flu político. O pré-candidato à prefeitura do Rio tachou os ataques de machistas.
Mas o incêndio se alastrou. Dias depois, a advogada Rosangela Moro compartilhou, na internet, uma foto de uma mesa elegantemente posta, avisando que estava aguardando o marido, o ministro da Justiça, Sergio Moro, para jantar. "Sorry, feministas" foi o recado dela, enfatizando que, além de trabalhar, pagar boletos e empregar, ama cuidar. Antonia, mãe de duas crianças, de 6 e 5 anos, parodiou o post e explicou que dá para fazer tudo isso ao mesmo tempo.
"Você vai fazer muito bem ao seu marido se entender melhor o que é feminismo." Freixo curtiu e, em entrevista para Universa, no seu escritório, no centro do Rio, mandou um direct para o ministro: "Queria dizer ao Moro que é ótimo ser casado com uma feminista". O post de Rosangela foi apagado.
Após assumir que faz um exercício diário para não reproduzir o machismo, o pai de João, de 28 anos, e Isadora, de 20 (com duas ex-mulheres), nascido e criado em Niterói, também falou das milícias que dominam a cidade —ele vai disputar a prefeitura com o ex-deputado Jerominho, preso por ter chefiado um desses grupos—, e do presidente Jair Bolsonaro: "A parte boa do governo dele é que já se passaram sete meses".
Ouça a íntegra da conversa no podcast UOL Entrevista. A entrevista completa em vídeo está no canal do YouTube do UOL.
Universa: No primeiro mandato como deputado federal, o senhor concorre ao Prêmio Congresso em Foco 2019, na categoria melhores deputados, junto com três parlamentares conservadores do PSL, entre eles Carla Zambelli e Joyce Hasselmann. Como analisa esse cenário polarizado?
Marcelo Freixo: Acho que esse cenário polarizado vem de algum tempo para cá, e não reduziu. A própria eleição do Bolsonaro se dá por essa radicalização. Ele ganha por um espírito muito antipetista no segundo turno e também por conseguir criar uma imagem de antissistêmico, coisa que nunca foi. Ele foi deputado durante tantos anos e nunca foi fora do sistema. Muito pelo contrário, representou o que havia de pior no sistema, no meu entendimento. E isso gerou uma polarização muito grande, que dificulta o diálogo. Na sociedade, quem pensa diferente está deixando de falar ou tratando [o outro] como inimigo. Isso não é bom para a democracia. É uma surpresa boa estar participando do prêmio. São só seis meses como deputado, mas a gente tem conseguido fazer um mandato com muita visibilidade, mas também com muito trabalho.
Como foi seu contato com o feminismo?
Minha mãe criou uma família absolutamente masculina, com três meninos e um marido, e conseguiu se impor numa lógica de um afeto muito marcado por um olhar feminista. Tive uma grande lição feminista na figura materna, mas isso nunca foi um conceito para mim. Foi um processo permanente de escuta. Costumo dizer que tem dois tipos de homem, que é o homem em desconstrução, que eu procuro ser, e o homem em decomposição, que não aceita a desconstrução e ainda quer viver num mundo absurdamente violento do machismo.
O machismo ainda é estrutural e é preciso que a gente entenda que todos os homens, em algumas esferas, reproduzem machismo, querendo ou não, conscientes ou não.
Já se percebeu machista?
Isso é um debate permanente na minha casa, tanto com minha mulher quanto com minha filha. É um policiamento e não precisa ser chato, porque, se não, você vai, daqui a pouco, concluir, de forma machista, que toda mulher feminista é de difícil trato, o que não é verdadeiro. Eu acho que esse processo de aprendizagem, de enfrentamento do machismo pode e deve ser prazeroso. Eu ligo toda hora para a minha filha, ainda mais pela minha situação de segurança [devido a ameaças, Freixo anda com seguranças]. Faço isso com meu filho também, mas ela compara e diz: "Você faz igual com o João?" E é verdade. Às vezes, eu tenho sobre ela um controle e um cuidado maiores do que eu tenho sobre o meu filho. Não há dúvida de que isso passa por um lado machista, então tenho que controlar isso. Devo ser um pai menos amoroso? Não, apenas um pai que é capaz de olhar e falar: "Você está certa, e tenho que rever tal ponto".
O senhor já foi acusado de ser machista, na linguagem da sua oposição, e "esquerdomacho". Inclusive, já escreveram que o senhor também foi agressivo. Como recebe esse tipo de acusação?
Agressivo nunca fui. Isso é uma inverdade. Agora, relações ruins existem e nem toda relação ruim é uma relação abusiva. Tenho muito respeito pelas opiniões das pessoas sobre o que eu faço e o que eu deixo de fazer. Minha relação é sempre de afeto, onde o amor é um instrumento muito importante, fundamental na minha conduta. E machista é uma coisa que todos nós somos, e a gente tem que desconstruir, sim.
Recentemente, o senhor foi criticado porque comemorou o aniversário da sua companheira num hotel de luxo, e ela teria pago a conta. O que é preciso fazer, diante de tanta discussão sobre feminismo, para que esse tipo de crítica não seja o foco?
Recentemente nos casamos, só eu e ela. A gente não teve nenhum convidado. Foi um casamento um para o outro. E não conseguimos comemorar por conta das agendas. Ela fez 40 anos, no Dia dos Pais, e falou: "Olha, de domingo para segunda, vamos dormir no hotel tal. A gente vai lá tomar um vinho, namora e toma um café da manhã. Depois, você vai para Brasília. Essa conta eu pago. Eu que estou chamando, né?!" E ela pode fazer isso. Num momento em que você tem a Amazônia em chamas, um problema gravíssimo de educação, evidentemente que [essa polêmica] é um projeto político de tentar fazer com que seja pauta o que não deve ser. Mostra o quanto [a sociedade] é machista. Nos comentários das redes sociais sobre ela, era um negócio de muita violência. Eu poderia pagar com meu salário de deputado, mas não é o caso, e eu achei ótimo. Foi muito agradável, inclusive.
Após esse episódio, veio o deboche na internet da Rosangela Moro. Na sua casa, as tarefas são divididas?
Não a conheço, mas ela fez uma postagem de dois pratos, numa mesa de jantar, onde fala: "Espero meu marido chegar do trabalho com amor, com afeto". Até aí, ok. Eu acho muito bom. A gente precisa de mais manifestações de amor nas redes sociais ou onde quiser. Mas, no final, ela sai desse mundo privado e vai para um lado público, como se as feministas não pudessem ter uma relação de amor, de cuidado. A ideia de que uma boa mulher não pode ser feminista é muito prejudicial para o universo das mulheres, num lugar onde elas já ganham menos, onde o número de feminicídios aumenta. Em casa, a gente cuida um do outro. Por exemplo, toda a louça sou eu que lavo. A Antonia tem dois filhos do casamento anterior, e brinco com o menino mais novo dela: "Você é meu ajudante", e ele sai correndo, desesperado. Mas a brincadeira é essa. Todas as tarefas são divididas. É um processo de educação também para as crianças. Adoro quando consigo tempo para fazer a comida.
Faz muito bem aos homens um debate sobre os direitos das mulheres. Posso garantir ao Sergio Moro que é ótimo ser casado com uma feminista.
O Tribunal de Justiça do Rio registrou, durante os dois primeiros meses deste ano, mais de 22 mil novos processos de violência contra a mulher. São 15 novas denúncias a cada hora. Colocar arma na mão de uma mulher pode dar a ela mais segurança?
Mundialmente, todas as estatísticas, estudos, pesquisas acadêmicas mostram que quanto mais armas circulam na sociedade, independente de ser na mão de homem, de mulher, de criança, de idosos, maior o número de homicídios. O último Atlas da Violência mostrou um crescimento de 25% de mulheres assassinadas por armas de fogo dentro de casa. O número de mulheres assassinadas por arma de fogo fora de casa cresceu 6%. Eu tenho uma situação muito delicada porque presidi a CPI das Milícias, em 2008, e depois a CPI do Tráfico de Armas e Munições, e isso colocou a minha vida em risco. Há 11 anos ando com escolta. O que não é um privilégio, mas uma situação de muita negação de liberdade. Mas a solução não pode ser eu andar armado. Eles são policiais treinados. A gente não vive num faroeste.
Sobre a CPI das Milícias, foram presas mais de 200 pessoas, mas até hoje esses grupos ainda dominam boa parte do Rio de Janeiro. O que deu errado?
Ali, a gente fez um documento com o diagnóstico sobre as milícias, como elas são, onde elas estão, quais são seus braços políticos e econômicos. E provamos o quanto esses grupos tinham relações políticas com o governo. O relatório trazia propostas concretas que cabiam à prefeitura, à câmara federal, ao governo do Estado. Não era só prender, mas tirar da milícia o controle do transporte alternativo, da distribuição do gás. Nunca tiraram. Ou seja, prefeitura e governo nunca quiseram contrariar os interesses econômicos da milícia.
O governador Wilson Witzel (PSC) acredita que, para combater a criminalidade, precisa colocar atiradores de elite pelo Estado. Como o senhor, que é pré-candidato à prefeitura do Rio, vai dialogar com ele?
O cargo de prefeito nos leva a dialogar com todo mundo, mas não a ser amigo e ir junto ao jogo do Maracanã. Nós vamos conversar com todo mundo e colocar o Rio de Janeiro à frente de qualquer diferença. Não é lugar para você ter pinimba ou problemas pessoais. Quanto à concepção do governador Witzel sobre segurança, claro que nós temos diferenças, mas temos que colocar a cidade a serviço do enfrentamento também da violência. A cidade não tem poder de controle de polícia, mas pode fazer um mapa para saber como é a violência em cada bairro, onde as mulheres estão sendo mais vítimas. Ter um centro de diagnóstico nos permite agir com mais inteligência, de forma preventiva.
Estamos perto de descobrir quem matou [a vereadora do PSOL assassinada no Rio] Marielle Franco e [o motorista] Anderson Gomes?
Pegaram o assassino. Não tenho a menor dúvida de que foi ele a pessoa que atirou. É muito importante para a democracia que a gente descubra quem mandou matar. Significa responder que grupo político é capaz de matar alguém. Não que ela seja mais importante do que outros que morreram. A vida da Marielle vale a mesma coisa que a vida de qualquer pessoa que foi assassinada.
Eu tive o meu irmão assassinado e até hoje não sei quem matou, e não fui atrás disso como forma de vingança. Não me mexo por vingança. Sou movido por justiça.
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