Renata Poskus Vaz: "Quem quer se sentir superior faz o quê? Ataca a gorda"
Renata Poskus Vaz costuma dizer que seu blog foi o primeiro voltado diretamente ao público feminino acima do peso — milhares de mulheres lindas em busca da autoaceitação. "Mulherão", criado em 2008, foi pontapé para uma transformação radical na vida da jornalista.
No início, o espaço funcionava como uma espécie de diário, onde ela contava de maneira bem-humorada a sua luta para emagrecer. Ao longo do tempo, Renata passou por um processo de aceitação de seu corpo. O site então virou um dos principais espaços de promoção da autoestima do público plus size. Hoje com 95 kg, a loira de 1,72 m de altura é muito mais que um exemplo de superação.
O site deu tão certo que acabou gerando negócios lucrativos. A então jornalista se tornou empresária de sucesso em um nicho que não para de crescer. Além das redes sociais bem movimentadas e muitas parcerias, Renata está à frente do evento Fashion Weekend Plus Size, um dia de desfiles no final de semana já em sua 19ª edição, envolvendo 17 grifes e reunindo 1,5 mil pessoas na plateia.
A empreendedora também realiza o Dia de Modelo Plus Size, ensaio fotográfico com mulheres gordas, em várias cidades do Brasil. No relato de sua trajetória pessoal para Universa, Renata mostrou momentos de dor e muito entusiasmo ao falar dos frutos que colheu com seu trabalho.
Corpo de bailarina
"Tenho 37 anos e não sou gorda desde pequena. Fui uma criança e adolescente magra. Minha mãe e avó, sim, eram bem gordinhas. Eu me exercitava muito, sou bailarina clássica, praticava natação, vôlei, basquete. Sempre houve muita pressão. Era branquinha, cabelo loiro, olho claro, recebia elogios por onde passava. Só que eu via a minha mãe muito deprimida por conta da não aceitação do corpo dela. Ela queria ir ao casamento dos irmãos, às formaturas, e chorava, porque não encontrava roupa para o seu tamanho. Então, talvez, para não repetir a história dela e preocupada comigo, fez que eu controlasse minha alimentação desde muito cedo. Lembro como se fosse hoje, com 14 anos, tinha 1,69m, 55 quilos e passei por uma dieta rígida.
De acordo com a minha mãe e a professora do balé, eu estava ficando gorda, mas na verdade só estava ganhando seios, quadril, eram as mudanças do corpo de uma adolescente. Comecei só a beber shakes, almoçar saladas e ter muitas privações. Eu via minha família comer de tudo na minha frente. Nessa época desenvolvi uma compulsão alimentar e fui reprovada em uma prova de balé por estar gorda. Aos 17 anos, estar me formando na escola e ser reprovada na dança foi muito ruim. Parei de andar a pé até o colégio e parei de fazer balé. Explodiu tudo. Comecei a olhar meu corpo como indigno, achava que era indigna de arrumar um namorado.
Perda e dor
Na minha cabeça como gorda não conseguiria roupa, trabalho e nem namorar. Quando tinha vinte anos, minha mãe morreu de morte súbita, teve trombose e embolia pulmonar. Lembro de escutar de uma tia, no caminho do velório, que ela na verdade havia se matado, porque escolheu engordar, que gente assim morria cedo. Comecei a odiar a ideia de ser gorda e, quanto mais eu odiava, mais engordava. Tomei remédios horríveis, emagrecia e depois voltava tudo de novo. Fiz todas as dietas que alguém pode imaginar e sem acompanhamento médico. Só tinha namorado que me detonava. A minha autoestima era tão baixa que só arrumava homem bosta. Quando a gente não se ama, atrai alguém que não se ama. Esse tipo de gente que critica os outros só para se sentir superior.
Hora da virada
Em 2008, criei o blog Mulherão. Nessa época não tinha nenhum espaço para alguém como eu desabafar. Fiz uma espécie de diário para contar as minhas tentativas fracassadas de emagrecimento. Escrevia quando fazia dieta ou tomava um remédio. Só que ficava engraçado, porque contava de forma debochada. Era bizarro, mas ao mesmo tempo preocupante. Nessa ocasião, levei um baita fora de um namorado, que vivia me comparando com a ex dele que era magra. Ele pediu para apagar todas as nossas fotos da internet e eu não queria, porque tinha esperança de voltar com esse demônio. Quando fui apagar no antigo Orkut, percebi que não tinha foto sozinha. Estava sempre com ele ou me escondendo atrás de alguém. Eu tinha vergonha de mostrar o meu corpo. Na época pesava 70 quilos com 1,72m.
Resolvi fazer fotos minhas para reconquistá-lo. Queria que ele enxergasse que eu era linda igual à ex dele. Olha que cabeça de mulher doente (risos). Fui a agências. Naquele tempo não existiam muitos fotógrafos que faziam esse tipo de ensaio, caso você não fosse modelo querendo fazer um book ou coisa do gênero. Embora, eles não se negassem a fazer o trabalho, até porque era dinheiro para eles, me sentia constrangida. Todo mundo no estúdio era magro. Foi então que tive uma ideia. Reuni minhas leitoras do blog e as levei para uma sessão. Cada uma pagava um pouquinho e eu não pagaria o meu ensaio. Era muito dura, não estava em um emprego que me pagava bem. Criei um dia de modelo plus size.
Espalhei esse evento na imprensa, porque era algo inédito. Não existia uma moda plus size no Brasil, em 2009. As lojas vendiam modelos para tamanhos especiais. Fui pesquisar e descobri que "tamanho especial" era para pessoas que possuíam algum tipo de deficiência física. Eu vi que no exterior estavam usando o termo "plus size". Pensei então em usar, porque se eu chamasse o encontro de 'dia da modelo gordinha', ninguém iria. O evento foi um sucesso. Saiu em vários veículos, só no dia foram dois canais de TV e três portais. Meninas do Brasil inteiro começaram a me procurar. Então, me veio à cabeça, isso pode se transformar em negócio. E foi isso que fiz.
Já produzi mais de 3.000 books de mulheres gordas e algumas se tornaram modelos profissionais. Mas a maior transformação na minha vida não foi na área profissional. Usava o manequim 44 e vi mulheres vestindo 56, com mais dificuldades de encontrar roupas que eu, com limitações físicas e muito bem resolvidas. Algumas casadas e outras com o namorado lá, e olhando para elas e chamando de gostosa. Me dei conta de que não era inadequada, talvez estivesse convivendo com pessoas que queriam que eu me sentisse inadequada. O mundo magro em que vivo não estava pronto para mim. Decidi criar um mundo gordo que me aceitasse.
Depois disso, bombei com o blog e com o dia de modelo, viajei para várias cidades. Após seis meses, criei o Fashion Weekend Plus Size, que é um fim de semana de moda GG. Foi em 2010, logo depois do São Paulo Fashion Week. Agora em agosto, eu fiz a 19ª edição. Foi assim que me tornei uma empresária do setor. Antes eu ganhava R$ 2 mil por mês para dirigir uma empresa de comunicação e, esse mesmo valor, acabei tirando no primeiro evento do dia de modelo. Passei a me ver como uma empreendedora, uma mulher de negócios que teria muito a contribuir. Não há problema nenhum em ganhar dinheiro com uma coisa em que acredito e amo. Tem tanta gente que ganha dinheiro com nossos medos e dramas.
Hoje não me atacam mais. Se algum homem entrar nas minhas redes sociais e fizer referência negativa ao meu peso, vou expô-lo. Sou uma referência, não posso ficar quieta. No início, me atacavam falando que estava fazendo apologia à gordura. O que vejo agora é que quem me atacava fingia que estava preocupado com a minha saúde física, mas ignorava minha saúde psicológica. Quer saber de uma coisa? É mentira que se preocupavam com nossa saúde física. Eles só querem mesmo é uma abertura para fazer valer a gordofobia. São aqueles que se acham um bosta e querem se sentir superiores. O que fazem? Vão lá atacar a gorda. Quando tentava emagrecer, eu vivia doente. Hoje sou uma mulher absolutamente saudável."
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