Garoto trans de oito anos comemora novo RG com nome social: Queria ser Dudu
Mesmo envergonhado, como quase toda criança estaria em uma entrevista, Eduardo Lopes Freitas não vacila ao responder o que foi fazer no Poupatempo de Pindamonhangaba (SP): "Fui botar o nome social no meu RG".
Quando completou oito anos, no último dia 18 de julho, Eduardo ainda se chamava Maria Eduarda. No mês seguinte, conseguiu alterar seu RG e agora é identificado por um nome masculino, como pedia há anos para os pais. Disse ter escolhido Eduardo para ficar mais parecido com o nome antigo.
Ao lado da mãe, a funcionária pública Regina Helena Lopes, o garoto conversou com a reportagem de Universa por Skype. Indagado sobre o tempo em que era chamado pelo nome feminino, lembra que não gostava, por exemplo, de ir ao médico. Mas não pelo medo de injeção ou medicamentos. "Eu não gostava do nome que o médico me chamava."
De óculos e cabelo "cada vez mais curto, a pedido dele", como destaca a mãe, a criança se sentia incomodada quando ouvia Maria Eduarda na hora de entrar para a consulta. Queria escutar Dudu.
Há tempos, Regina já observava os gostos da criança que, por volta dos três anos, resistia a temas femininos nas festas de aniversário. "Eu queria fazer da Minnie, ele queria de super-herói, mas aceitou o Mickey. Com quatro anos, aceitou a Frozen, mas toda de azul. Aos cinco, já quis uma festa do Ben 10", diz Regina. "Passou a cortar o cabelo mais curto, não quis mais vestido, até chorava. Dali em diante, caiu a minha ficha e a do meu esposo, e a gente resolveu deixar como ele queria."
Os pais passaram a satisfazer os desejos da criança de usar roupas e acessórios masculinos e a colocaram para fazer consultas com uma psicóloga.
Há dois anos, a mudança de uma casa para um condomínio, em Pindamonhangaba, significou também uma mudança de comportamento em Eduardo. "Parece que ele se libertou. Não sei o que passou na cabeça dele. A gente passou a aceitar mais e ele foi se abrindo mais." As brincadeiras ao ar livre e um maior contato com pessoas transmitiram confiança para Eduardo demonstrar o que realmente queria, diz Regina.
"A gente costuma falar que ele é bem corajoso porque, com tão pouca idade, ele conseguiu falar o que sente e, de uma certa forma, até se impor."
Atenta e preocupada, a mãe conversou com a direção da escola para evitar resistência e possíveis atitudes preconceituosas, o que nunca aconteceu. Em parte, ela acredita, porque quase todos do colégio são moradores do mesmo condomínio onde a família vive.
Funcionários, professores e amiguinhos do colégio sempre lidaram bem com o fato de Maria Eduarda gostar de ser Dudu, usar o banheiro para pessoas com deficiência e ter mais amigos do que amigas por serem "mais legais", como ele diz.
"Ele sempre teve bons professores que não tiveram preconceito", diz a mãe.
Na antiga escola, o garoto chegou a ter problemas com a curiosidade das crianças querendo saber "se ele era menino ou menina", lembra Regina, entendendo ser algo natural para a idade.
No ano passado, Dudu não quis participar da festa junina. Até que a mãe viu um menino vestido de caipira na internet. Perguntou ao filho se gostaria de fazer igual. "O olho dele até brilhou." Foi, então, de barba, bigode e chapéu.
Agora, é oficialmente Eduardo
Eduardo estuda de manhã. De tarde, gosta de ficar na internet e brincar no playground. No futuro, sonha em ser jogador de futebol ou tatuador.
E foi depois da escola, no último dia 28 de julho, que ele e a mãe se dirigiram ao Poupatempo da cidade para solicitar a mudança do nome social no RG sem alterar o registro civil, conforme autorizado em lei uma semana antes.
Regina percebeu a ansiedade do filho. Depois de dar entrada na documentação, tirou uma foto de Eduardo, na frente da unidade, com o protocolo em mãos. Em texto no Facebook, escreveu: "A cara de felicidade de alguém que teve seus direitos respeitados, hoje Eduardo Dudu Lopes Freitas pode fazer seu novo rg com seu nome social, agora é oficialmente Eduardo [?]. Obrigada meu Deus".
Agora, o filho está "mais seguro, afirma a funcionária pública. "Postei [o texto na rede social] porque queria mostrar mesmo para as pessoas, para não ter que ficar dando satisfação."
A família sabe que, a partir de agora, algumas coisas vão mudar ainda mais. Pessoas trans já procuraram a mãe para saber se o filho gostaria de aplicar hormônios para evitar o crescimento dos seios, por exemplo. Os pais recusaram. "Eduardo está consciente de que os seios vão crescer, de que vai menstruar."
Com relação aos colegas do garoto, ela não fala mais com tanta preocupação, pois acredita que a nova geração tem menos preconceito. Os colegas da escola "acharam legal" seu novo nome, diz Eduardo.
Sobre um possível arrependimento do garoto, a mãe também se mostra tranquila. Até porque o novo documento oferece a opção de excluir o nome social. "A prioridade vai ser sempre o bem-estar dele. Se amanhã ou depois ele disser que quer ser Maria Eduarda, vai voltar a ser Maria Eduarda."
O caso de Eduardo está longe de ser o único. Desde o último dia 20, início da vigência da lei do novo RG no estado de São Paulo, foram feitos 255 pedidos de inclusão do nome social por questão de gênero. Considerando apenas dias úteis, quando abrem as agências do Poupatempo, são 19 pedidos ao dia. E o número de menores de idade que solicitaram a inclusão também chama a atenção. Foram quatro pedidos para crianças que têm entre 5 e 10 anos, sete para a faixa etária de 11 a 16 e 45 com idades entre 17 e 21 anos
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