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"Perdi o tesão no meu marido após doença grave dele. Ele virou meu filho"

Falta de libido após cuidados é natural e pode ser revertida, segundo especialistas - iStock
Falta de libido após cuidados é natural e pode ser revertida, segundo especialistas Imagem: iStock

Talyta Vespa

De Universa

06/09/2019 04h00

A secretária Joana*, de 25 anos, se sentia satisfeita no sexo com o marido quando ele descobriu um câncer no testículo. O primeiro tratamento foi a cirurgia de retirada do órgão. Nesse momento, Joana começou a perceber uma mudança repentina no comportamento dele. Segundo ela, passou a ficar agressivo, triste e a chorar pelos cantos. Então, teve um surto psicótico. "Minha vida virou um pesadelo", diz.

"Depois, a gente descobriu, com alguns exames, que a doença tinha se espalhado por todo o corpo e, então, começamos as sessões de quimioterapia. Desde então, em seis meses, a gente só transou uma vez. Durante o tratamento, eu o via como um homem frágil, tinha medo de machucá-lo. Os cabelos tinham caído, ele estava magro, abatido. E eu cuidava dele como um filho. Com amor, afeto, beijos, mas nada sexual", conta.

Segundo Joana, o desejo que ela sentia pelo marido começou a se transformar em compaixão. "Eu passei a olhá-lo com dó, com pena. Ainda sinto isso. Me coloquei no lugar da mãe dele. Há pouco tempo, as sessões acabaram e, fisicamente, ele melhorou. Os cabelos voltaram a nascer, ele recuperou a cor. Ainda assim, tenho medo de tocá-lo. Comecei até a sentir desejo por outros homens e me culpo muito disso. Me sinto uma traidora, e não quero conversar com ele sobre isso agora porque sei que ele vai se sentir ainda pior. Eu o amo e não quero deixá-lo. Vou me esforçar para que tudo volte ao normal, mas é muito difícil", diz.

Segundo a psicóloga e terapeuta cognitiva pela Universidade de Toronto Milene Rosenthal, a reação de perda do tesão é muito comum quando a mulher abandona a função de companheira sexual e assume a realidade de cuidadora.

"Começa uma nova imagem desse marido, de alguém que precisa ser alimentado, cuidado. Ela sente que precisa prover e o marido se torna um filho. No inconsciente, surge um conceito que a sociedade sempre colocou na cabeça das pessoas: de que homem frágil não é másculo, e a perda da masculinidade faz com que ele não seja interessante", explica.

Foi o que aconteceu, também, com a jornalista Helena S., de 28 anos. Durante uma crise de depressão, o ex-marido dela, com quem ela tem uma filha, tentou suicídio. No entanto, ele sobreviveu e teve, por meses, que lidar com sequelas graves do acidente.

"Ele se jogou na frente de uma moto em uma rodovia em São Paulo. Fraturou o fêmur, quebrou a bacia, teve fratura exposta e quebrou a perna em quarto partes. Ficou quase um mês internado, foi muito grave. Minha filha era bebê, ela ficou com minha família e eu me dividia entre trabalho e cuidados com ele no hospital. Meu marido precisava de cuidados para fazer tudo, não fazia nada sozinho, nem ir ao banheiro. Eu que tinha que limpá-lo quando ele ia ao banheiro, dava comida, remédios, tudo", relembra.

"Foi assim por três meses. Quando ele começou a se recuperar, já quis tentar transar, mas, para mim, foi impossível. Eu não sentia a menor vontade de ficar com ele, sentia muito carinho e preocupação. No começo, tinha medo de machucá-lo. Depois, comecei a perceber que eu já não o via mais como meu marido, mas como alguém que dependia de mim. Como desculpa para não transar, eu dizia que tinha medo de que ele se machucasse, que precisávamos ser responsáveis porque ele ainda estava muito frágil", continua. "Eu o via como meu filho. Ele, inclusive, me deu mais trabalho que o bebê".

Helena nunca mais fez sexo com o marido. O relacionamento, apesar de o amor ainda existir, acabou depois de um ano do acidente. As desculpas, ela conta, chegaram ao fim e ele percebeu que o tesão dela já não mais existia. "Ele ficou muito chateado, disse que eu menti para ele porque nunca havia dito o que realmente estava acontecendo. Eu não sabia o que fazer, por isso não disse a verdade. Até hoje, mesmo divorciada, marco consultas para ele e cuido das rotinas médicas, mas nunca mais tive vontade de fazer sexo com ele. É muito triste, mas eu não pude controlar".

Para o psiquiatra, doutor em Ciências pela USP e professor de psiquiatria da infância e da adolescência, Bruno Coêlho, a libido é uma questão complexa. Ele explica que há várias causas que envolvem a perda do tesão em situações como as descritas acima. No entanto, ele ressalta que o fim do desejo erótico tem ver, também, com a burocracia que o relacionamento se tornou. "Durante o processo de cuidado, a rotina com o seu parceiro se torna uma obrigação. Remédios, cuidados, consultas. E por ser uma burocracia, pode deixar de dar prazer", explica.

"Inconscientemente, a mulher acaba percebendo que a pessoa por quem ela se apaixonou não é tão forte como ela imaginava que fosse. É muito trabalhoso cuidar de alguém. É natural que a pessoa fique reativa, raivosa, e esse comportamento, apesar de compreensível, vai tornando o dia a dia pesado. Isso também contribui para a falta de libido".

Bruno explica, ainda, que o descontentamento pode partir do cuidador, que não sabe lidar com os transtornos. "A relação pode ficar ríspida, a pessoa doente se sente limitada e pode ficar agressiva. Tudo isso muda o patamar do casamento. Por isso, quando a doença é combatida, o casal precisa encontrar meios de resolver a ausência do tesão. Uma boa forma de fazer isso é, junto, tentar lembrar o que excitava os dois antes de tudo acontecer", explica.

Jeitos de resolver a questão

"Se o casal se masturba, pode começar a fazer isso junto. Ir a um sex shop, estimular fantasias, por exemplo. Há casais que, durante viagens, transavam mais. Nesses casos, de repente, é possível pensar em viagens curtas que tirem os dois da rotina. Libido é uma plantinha que se rega, é possível voltar ao que era antes, desde que os dois se esforcem para isso e que os dois queiram continuar juntos. Sexo é uma coisa que se retroalimenta. Tem que estimular para sentir vontade", diz.

Para Bruno, há, ainda, uma culpa muito grande que envolve as mulheres quando a vontade de transar vai embora. Ele sugere que cada uma respeite seu próprio tempo e entenda o que está sentindo. "É possível reverter e ninguém é culpado. São questões do cotidiano que atrapalham, mas que podem, sim, ser resolvidas com muito diálogo e estímulos."