Ela se jogou do 15º andar, sobreviveu e diz: "Sou exemplo do que não fazer"
Há nove anos, Yohanna Gerotti, 24, não suportou ver o pai flagrando as mensagens íntimas que trocava com o então namorado secreto. "Entrei em pânico, saí correndo e fiz essa 'besteirinha'", conta ela, com voz baixa, em uma mistura de riso e tristeza. A "besteirinha" foi se jogar do 15º andar do apartamento em que morava com a família, em São Paulo.
Ela tinha 15 anos e teve a queda amortecida por uma árvore. Ao sobreviver, Yohanna enfrentou sequelas e vive, há quase dez anos, em uma cadeira de rodas. Uma lesão na coluna cervical a deixou sem movimentos do pescoço para baixo. Em 2017, porém, conseguiu, com fisioterapia e tratamento, retomar o movimento dos braços, o que permitiu que ela criasse uma conta nas redes sociais para contar sua história. "Faço tudo pelo Xbox. A única coisa que não consigo é jogar mesmo", diz a jovem.
A motivação para narrar sua trajetória foi a possibilidade de lidar com a angústia resultante de um ato impulsivo na adolescência. "Decidi que tinha que fazer alguma coisa para me curar e para ajudar outros adolescentes." Agora, ela se prepara para publicar um livro relatando o que viveu. "Quero ser o exemplo que não deve ser seguido."
A OMS (Organização Mundial da Saúde) aponta o suicídio como a segunda principal causa de morte de pessoas entre 15 e 29 anos. No Brasil, entre 2000 e 2015, os casos aumentaram 65% entre pessoas de 10 a 14 anos e 45% na faixa de 15 a 19 anos. A informação, com base em dados do Ministério da Saúde, é da última edição do Mapa da Violência, publicado em 2017.
A seguir, Yohanna conta sua história:
"A minha relação com o meu pai sempre foi muito tranquila, ele era tudo para mim. Eu o amo demais e a última coisa que queria na minha vida era decepcioná-lo. Quando tinha 15 anos, estava trocando mensagens com o meu namorado, mensagens íntimas, e minha mãe me ligou, querendo falar com o meu pai. Levei meu celular para ele. Ele viu as mensagens íntimas e se preocupou em saber quem era, porque ele não sabia que eu estava namorando. Eu fiquei em pânico de vergonha, porque não queria contar para ele. Achava que ia magoá-lo dizendo que aquelas mensagens eram minhas. Por isso, fiquei calada, não respondi nada. Simplesmente saí correndo. Sabe quando o pânico te faz querer fugir, sumir? Eu não consegui me conter e saí, e fui. E fiz essa besteirinha. Fiz sem pensar.
Eu me joguei do 15º andar. Percebi que tinha sido muito impulsiva quando estava no ar. Eu me arrependi no ato. Pensei por que eu tinha feito isso com a minha vida. Enquanto estava em queda, eu fiquei até com vergonha de gritar. Pensava na dor que sentiria no impacto com o chão. Eu me encolhi toda, fechei os olhos. Quando eu os abri novamente, eu já estava no chão. Não sabia se eu estava viva ou se era o meu espírito que estava vendo aquilo.
Cai em cima de uma árvore, o que amorteceu a queda. Fiquei o tempo inteiro consciente. Não sabia que tinha tido uma lesão. Para mim, eu estava normal. Antes de me jogar, pensei que havia magoado o meu pai com as mensagens, mas, no hospital -quando vi o meu pai chorando de soluçar por algo que eu fiz-, a sensação foi bem pior. Foi terrível a sensação.
Logo descobri que havia ficado tetraplégica, imóvel do pescoço para baixo. A minha vida mudou completamente, tive que me reabilitar, conviver com o que causou isso e a lesão toda, os transtornos que causaram em minha família. A nossa vida mudou completamente, não só a minha. Não posso ficar sozinha em casa, dependo deles para tudo, comer, tomar banho. Absolutamente tudo. Eles precisaram contratar um cuidador, o dano financeiro, mudar as coisas em casa para adaptar tudo para mim.
Após sofrer a lesão, o meu comportamento foi terrível. Estava muito revoltada e descontava nos meus cuidadores. Eu só queria a minha família por perto, os amigos. Fui vendo os meus amigos se afastarem, se perdendo de mim. Eu ficava só na TV e no centro de reabilitação. Passei uns três anos nessa situação. Mas, mesmo brava, eu tentava rir para descontrair os meus pais. A minha tristeza os abalava também. Por isso, sempre mantive um sorriso no rosto.
Eu me sufoquei muito com essa angústia de ter ficado viva. Até que decidi parar de chorar e transformar o que passei em um serviço de aprendizado para as outras pessoas. Eu tive que errar para aprender a lidar com as coisas, para me refazer. Eu não quero ser um exemplo a ser seguido.
Em 2017, voltei a ter um pouco dos movimentos dos braços, o que permite que eu possa escrever e entrar na internet pelo videogame. Foi quando comecei a ter redes sociais e a falar da minha história nelas. O fato de eu ver pessoas que eu gostava, como o Chorão e o Champignon do Charlie Brown Jr., perdendo suas vidas me motivou a contar o que passei. Sempre amei escrever, então comecei a registrar a minha jornada. Ainda estou aprendendo a lidar mais com a raiva, com os meus fantasmas. Os leitores, então, estão superando eles comigo. Todo mundo compartilha comigo esse processo.
Eu já estou bem, graças a Deus, e à medida que fui recebendo pedidos de ajuda isso me deu mais motivação, um propósito. Agora, estou escrevendo um livro. Espero publicá-lo até o ano que vem. Antes eu mantinha um sorriso forçado, uma máscara. Agora ele é verdadeiro."
Onde procurar apoio
O CVV - Centro de Valorização da Vida tem um canal para receber ligações gratuitas de telefone fixo e celular: 188. O canal de apoio emocional e prevenção ao suicídio é para pessoas que querem e precisam conversar, sob total sigilo, 24 horas todos os dias. É possível entrar em contato pelo site do CVV, e falar por chat, Skype e e-mail.
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