"Educação sexual ajuda a reduzir violência sexual", diz secretária de Covas
Berenice Maria Giannella é secretária de Direitos Humanos e Cidadania da Prefeitura de São Paulo. Sob seu comando estão uma dezena de temas, que vão da política sobre drogas ao combate à violência contra a mulher e LGBTs na maior cidade do país.
Antes de ocupar uma sala no centro da capital, com vista para o Theatro Municipal, a paisagem que a rodeava era a do cerrado. Durante o governo do ex-presidente Michel Temer (PMB), Berenice foi secretária nacional do departamento de crianças e adolescentes do então Ministério dos Direitos Humanos.
Com a troca de faixas presidenciais, assistiu a seus projetos serem interrompidos no governo Bolsonaro, do qual foi exonerada para a criação da nova pasta de Damares Alves. "O debate sobre a violência do governo federal é policialesco", explica.
Por 12 anos, de 2005 a 2017, Berenice foi presidente da Fundação Casa, a antiga Febem, que abriga adolescentes infratores. No final de 2005, enfrentou uma rebelião que resultou na morte de um adolescente. À época, a gestão investiu em um plano individualizado para os adolescentes apreendidos, que receberam cursos técnicos e foram acompanhados de perto pelos funcionários. "Tive adolescentes que venceram Olimpíadas de Matemática", orgulha-se.
Com aval do atual prefeito Bruno Covas (PSDB), a secretária pretende aplicar a expertise daquele período na cidade. O município vai assinar um tratado internacional, juntamente com a Unicef, para se comprometer a diminuir os índices de violência contra crianças e adolescentes no município.
Diante da tensão na Cracolândia, com um tiro dado contra um guarda municipal e de prisões de usuários na região durante as últimas semanas, Berenice defende uma saída mista entre acolhimento e repressão para a questão. Uma ex-secretária da pasta pediu exoneração do cargo, em 2017, devido ao tratamento dado pelo então prefeito João Dória aos usuários de crack.
O enfrentamento se soma a uma leva de novas situações que envolvem a pasta de direitos humanos: na última semana, uma dupla de bolivianos e um bar de refugiados palestinos foram atacados por suspeita de intolerância. E a prefeitura deve fechar um centro de acolhimento para pessoas LGBTs na mesma semana em que um ator foi agredido após beijar o companheiro em um ônibus na capital. "Temos uma fama de acolhedores, mas tivemos 57 mil homicídios no ano passado."
No equilíbrio de pratos do jogo político, acredita que as crianças devem, sim, receber educação sexual e de gênero nas escolas. Na última semana, João Doria, governador e principal aliado de Covas, retirou conteúdo sobre identidade sexual de cartilhas da rede ensino médio do estado. O Tribunal de Justiça de São Paulo proibiu o recolhimento e mandou devolver o material.
Na gestão de Fernando Haddad na prefeitura (PT), a cidade tratou a Cracolândia a partir de um plano mais próximo a experiências de redução de danos. Gestões anteriores, como a de João Doria, apostaram em reprimir a situação. Afinal, qual a saída para o problema?
O crack é um problema mundial, mas, ao longo dos anos, vimos que as forças policiais, sozinhas, não são uma resposta. O programa Braços Abertos tinha pontos bacanas, que pensavam em uma política integrada para tratar o tema. Mas a questão de dar dinheiro ao usuário, logo no início, era ruim. Quem usa crack não tem condições de receber dinheiro e sustentar a vida. No fim, virou dinheiro usado para compra de drogas. A prefeitura, hoje, encaminha o usuário a tratamento psicológico, atendimento médico e direciona a vagas de emprego, mas só no último estágio.
Por que ainda há conflitos, como o que aconteceu na terça-feira (10)?
A gente tenta convencer as pessoas, que, por vezes, exigem mais convencimento para receber o tratamento, e também há uma reação do tráfico de drogas. Lá é um local que gera dinheiro. A gente sabe que é difícil ser encaminhado a unidades de acolhimento.
Você foi presidente da Fundação Casa por 12 anos e parece acreditar na ressocialização de presos. Houve alguma história de ressocialização que prova que esse método funciona?
Várias. Tivemos adolescentes que venceram as Olimpíadas de Matemática. Muitos saíam e nos ligavam para dizer que arrumaram emprego ou só para conversar. Desde que entravam, cada um deles tinha um plano de atendimento individualizado.
Existe diálogo entre a secretaria e o governo Bolsonaro e a pasta da ministra Damares Alves, de Direitos Humanos?
Temos diálogo em alguns assuntos, como a construção da Casa da Mulher Brasileira, que vai ser inaugurada em novembro. Conversamos sobre a imigração venezuelana vindo para São Paulo e sobre a Casa da Mulher. Fora isso, não tivemos nenhuma conversa. Sou contra várias coisas que estão sendo feitas. O governo federal parou um plano de combate à violência contra crianças e adolescentes que havíamos iniciado no governo Temer. O debate sobre violência deles é policialesco. A gota d'água, o estopim, foi o decreto que praticamente acabou com o Conanda (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente). Os conselhos mereciam ser reavaliados, pois foram politizados. Mas extinguir a participação social é muito ruim.
Que mensagem o governo Bolsonaro passa à sociedade sobre direitos humanos? A quem servem os direitos humanos?
Há um equívoco em dizer que direitos humanos são apenas para uma parcela da população.
Os direitos humanos são, inclusive, para as vítimas de crimes. Há uma leitura de que nunca se prestou atenção aos direitos das vítimas, só aos das minorias. Os direitos humanos são de todos.
Em São Paulo, o medo das mulheres de passar por uma situação de abuso começa no ponto de ônibus. O que a prefeitura tem feito para reduzir esses casos?
Há um machismo na cultura latino-americana que causa esse tipo de situação. Fazemos campanhas e temos uma rede de atendimento às mulheres, mas isso também passa por uma questão de educação escolar. Como sociedade, ainda temos que avançar muito em relação ao respeito. Dependendo do caso, entramos com medida cautelares e, em último caso, afastamos a mulher do agressor e a levamos a centros sigilosos de acolhimento. É uma situação bem dramática.
O governo do Estado retirou uma cartilha sobre diversidade sexual das escolas [a decisão foi posteriormente anulada pela Justiça]. E o prefeito do Rio de Janeiro mandou recolher uma HQ com uma cena de beijo entre dois homens. Como as questões de gênero e sexualidade devem ser apresentadas às crianças?
Não sou especialista na área, mas o assunto deve ser discutido. Não vi a apostila, mas li no noticiário de que está sendo discutida na Secretaria da Educação do Estado. A educação sexual é superimportante. Claro, deve haver critérios para acompanhar o nível de entendimento, mas uma boa educação nessa área também ajuda a diminuir a questão de violência sexual. Crianças acessam a sites com relações sexuais violentas. É importante que o primeiro contato de uma criança com a questão sexual não seja feito de maneira violenta.
A senhora acha que o governador João Doria errou ao querer retirar a cartilha das escolas?
Eu desconheço o teor da cartilha. Sei que há uma discussão na secretaria de educação. Sou contra qualquer tipo de censura, mas as ações do prefeito do Rio, Marcelo Crivella, foram diferentes das do governador João Doria. A primeira tirou um livro das pessoas e, na outra, houve uma precaução para se rediscutir o tema.
O Brasil é um país homofóbico?
Acredito que não. Temos uma geração mais antiga com resistência a uma nova realidade, mas a juventude tem mais liberdade com essa situação. Os casos de intolerância são pontuais. Creio que há uma violência ainda mais escondida contra crianças e adolescentes. A violência familiar e a do uso de crianças para tráfico de entorpecentes são violências muito maiores que essas violências contra a população LGBT, que também precisam ser combatidas. Mas é fato: temos uma fama de país acolhedor e agradável, mas registramos 57 mil assassinatos no ano passado.
Eventualmente, ressurgem discussões sobre a redução da maioridade penal para 16 anos. A senhora é contra ou a favor?
Sou totalmente contra. Juridicamente falando, o Brasil assinou tratados internacionais para manter a idade penal e há vários países que adotam a maioridade penal aos 18 anos. Não há estudos que comprovem que a diminuição da idade penal diminua a criminalidade. O índice de crimes hediondos praticados por menores de idade não é grande: são 3% de todas as apreensões. O adolescente não tem desenvolvimento cerebral completo. Se fazem bobagem, é porque não têm limites e não podemos tratá-los em igualdade com um preso adulto. Se a ciência em 20 anos provar que são iguais, tudo bem. Mas, por enquanto, sou contra a redução.
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