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"Friends": 7 situações do seriado que não seriam toleradas nos dias de hoje

Série "Friends" completa 25 anos e ainda faz sucesso no Brasil e no mundo - Reprodução/Divulgação
Série "Friends" completa 25 anos e ainda faz sucesso no Brasil e no mundo Imagem: Reprodução/Divulgação

Heloísa Noronha

Colaboração para Universa

21/09/2019 04h00

Uma das séries mais assistidas de todos os tempos (e, atualmente, da Netflix), "Friends" completou o 25º aniversário da exibição de seu primeiro episódio no domingo (22) em meio a muita comemoração nos quatro cantos do planeta. De exposições temáticas a coleções de roupas inspiradas no seriado exibido pela Warner, a cultura pop vem homenageando com saudade a sitcom que marcou os anos 1990 e acompanhou por dez anos as vidas de seis amigos de Nova York: Rachel (Jennifer Aniston), Ross (David Schwimmer), Monica (Courteney Cox), Phoebe (Lisa Kudrow), Joey (Matt LeBlanc) e Chandler (Matthew Perry).

Nos encontros no fictício Central Perk, café onde Rachel trabalhava, ou no apartamento elegante de Monica, os seis compartilhavam neuroses, faziam confissões, brigavam e se reconciliavam. Embora a dinâmica da amizade e seus desdobramentos seja um recurso atemporal da ficção, e é justamente um dos segredos do sucesso da atração, "Friends" tratou alguns assuntos de modo pejorativo e até mesmo preconceituoso.

OK, o contexto era outro, mas até mesmo o preconceito contra gays já era algo combatido na década de 1990. Hoje, com a voz expandida das redes sociais, dificilmente determinados temas e piadas seriam levados ao ar sem que houvesse gritaria e rejeição -- não só virtual, como real também. Eis alguns exemplos de que "Friends", se lançada hoje, seria alvo de muita crítica:

Formato ultrapassado

Se fosse um produto de 2019, "Friends" seria bem diferente na forma e no conteúdo. Situações engraçadinhas por episódio com risadas ao fundo, por exemplo, deram o suspiro final com o último episódio de "The Big Bang Theory", em maio desse ano. Hoje as séries mais voltadas para a comédia como "Glow" (Netflix) e "Barry" (HBO) dificilmente apelam para situações e personagens estereotipados em prol da audiência, muito pelo contrário: a linguagem é mais apurada, têm suas pitadas de drama e roteiros complexos.

Machismo e misoginia

Joey objetificava as mulheres o tempo todo. O hábito de seduzir qualquer uma que passasse à sua frente para descartar no dia seguinte, gabando-se da conquista, era de conhecimento de todos do grupo, mas poucas vezes Rachel, Monica e Phoebe demonstraram algum tipo de repúdio. Durante a série as três até tentaram ter uma voz feminista, mas ela não passou de um sussurro -- apesar de a icônica frase de Rachel, "No uterus, no opinion" estampar camisetas até hoje.

Já Chandler, tido como o afeminado da turma, é alvo constante dos acessos de masculinidade frágil de Joey e Ross por causa de sua preocupação com a aparência, sua e de outros caros. Em vez de usar o personagem como um porta-voz contra o machismo, os roteiristas optavam por colocá-lo também fazendo piada com a situação e extremamente preconceituoso em relação ao pai, um cross-dresser. E, finalmente, temos Ross, o verdadeiro boy lixo da série e sua misoginia constante -- um bom exemplo era a mania frequente de diminuir a irmã, Monica, para fazer sobressair as próprias realizações.

Homofobia

"Friends" inovou ao mostrar um casal gay formado por Carol (Anita Barone/Jane Sibbet), ex-mulher de Ross, e Susan (Jessica Hecht). Uma pena, porém, que o par tenha sido tratado como mais um elemento de humor todas as vezes em que Joey fazia comentários sobre como considerava sexy ver duas mulheres transando. Ross também não via com bons olhos o envolvimento das duas e, mais de uma vez, foi preconceituoso em relação à criação do filho com Carol, como na ocasião em que quase surtou ao ver o menino brincando com uma boneca e quando criticou a escolha de um cuidador do sexo masculino para ser babá da criança -- é "trabalho de mulher", justificou.

Gordofobia

Piadinhas sobre questões de peso envolvendo o passado de Monica também foram constantes na sitcom -- algo que, hoje em dia, em tempos de combate à pressão social por um corpo perfeito e de valorização da autoaceitação, dificilmente seriam bem vistas. Além da silhueta de Monica, a série também usou o recurso fácil da gordofobia para arrancar risadas em várias situações.

Falta de diversidade

O elenco principal composto apenas por artistas brancos certamente criaria ruído no mundo de hoje, assim como a orientação sexual dos personagens principais: todos héteros. Os poucos negros vistos na série fizeram apenas figuração: vizinhos, garçons, passantes, pares amorosos com arcos dramáticos nada lisonjeiros.

Homem como objetivo de vida

A série teve alguns momentos feministas, como a vez em que Phoebe avisou Monica que era uma bobagem colocar um homem à frente de uma amizade e todas as ocasiões em que as garotas ressaltaram a importância de se ter uma carreira e ser independente. Porém, em linhas gerais, "Friends" bebeu na mesma fonte de centenas de comédias românticas que colocam o encontro de um grande amor — com direito a aliança na mão esquerda, de preferência — como a meta principal de uma mulher.

Romantização de relação abusiva

Controlador, ciumento, possessivo, desqualificador, egoísta... É vasto o vocabulário para definir Ross, tido superficialmente na época como um cara chato, grudento e excessivamente romântico. Suas idas e vindas com Rachel tiveram várias demonstrações de que, em vez de um romance embalado por encontros e desencontros, a relação era pontuada por abuso.

O exemplo mais emblemático é a forma como Ross se incomodava com o crescimento profissional da moça, chegando ao ponto de, para marcar território, enviou para o trabalho recente dela uma cesta gigante e constrangedora repleta de mimos.

Ross ainda adorava menosprezar Rachel, chamando-a de mimada e de "apenas uma garçonete", fazia com que ela se sentisse culpada por questões que eram somente dele e, à certa altura, chegou a stalkeá-la com medo de ser traído. Em um momento histórico de tanta luta por empoderamento feminino e contra a violência doméstica, um tipo como Ross dificilmente angariaria a simpatia e os risos que obteve naquele período.

FONTES:
Erisson Rosati, jornalista de entretenimento e docente do curso de Marketing Digital do Centro Universitário Belas Artes de São Paulo; Marina Simas, psicóloga e sócia-diretora do Instituto do Casal, em São Paulo (SP);vRicardo Desidério da Silva, sexólogo e docente do mestrado em Educação Sexual da Unesp/Araraquara e Vinicius Noronha, redator publicitário e mestre em Ciências da Comunicação pela Universidade de Nice Sophia Antipolis, na França.