Burgay: hamburgueria LGBT traz divas pop, pão rosa e muito, muito glitter
É numa portinha que mais parece toldo de cantina de colégio que o roteirista Rafael Lundgren faz e vende seus hambúrgueres. Faz só dois meses que ele alugou o espaço, que não tem mais que 8m² e é a sede provisória do Burgay, hamburgueria com temática LGBT criada por ele em São Paulo.
Cada hambúrguer feito por Rafael é acoplado a pães cor-de-rosa, feitos de beterraba, que são finalizados com uma generosa pitada de glitter, também rosa. O espacinho pequeno, localizado em Pinheiros, na zona oeste da capital paulista, foi dividido em balcão de atendimento e cozinha. À chapa e ao chapeiro, não são destinados mais que 4m².
Não era a ideia de Rafael abrir um espaço físico para fazer o que, segundo ele, são as únicas coisas que sabe fazer: "cozinhar e ser viado". "Cozinho desde pequeno, coisa de família portuguesa. Meu avô sempre cozinhou e, acredite, foi ele quem ensinou à minha avó como fazer comida. Era meu hobby com minha mãe durante a infância", conta.
Só que, apesar do prazer pela comida, Rafael não pensava em ter a culinária como fonte de renda. Ele saiu do Rio de Janeiro há dois anos com contrato assinado para ser assistente de direção de uma grande produtora cinematográfica. No entanto, o período de vacas gordas acabou este ano com as mudanças nas leis de incentivo à cultura e as alterações na Ancine.
"Eu precisava me sustentar porque voltar para o Rio não era uma opção, você sabe como estão as coisas por lá: um terror. Uma amiga sugeriu que eu vendesse hambúrgueres por aplicativos de entrega. No começo, fiquei reticente, achei que só me daria dor de cabeça; só que cheguei num ponto em que precisei arriscar", diz.
Os hambúrgueres baphônicos começaram a ser feitos no apartamento em que Rafael mora, também na zona oeste de São Paulo, numa frigideira tão velha que perdeu a alça na primeira rodada de lanches. E foi nela que os primeiros hambúrgueres de temática LGBT foram distribuídos pela cidade. Rafael tinha uma empresa e, para se inscrever no aplicativo de entrega de comida, trocou a atuação da companhia para o ramo alimentício.
"Não pensava em sair dos aplicativos, mas minha síndica começou a ficar bastante incomodada com o cheiro de carne que tomava conta do prédio o dia inteiro --o Burgay entrega cerca de 50 lanches por dia. Ela também não gostava nem um pouco dos sete motoboys que, ao mesmo tempo, paravam na porta do edifício. Ela, claro, disse que eu deveria procurar um lugar para trabalhar", diz. "Eu não tinha dinheiro nem estrutura para isso, mas se ela não tivesse me pressionado, não teria pensado em expandir".
Abrir um espaço com salão, funcionários, mesas e banquetas é o próximo plano do empresário. "Comprei umas cadeirinhas de praia para deixar no restaurante. As pessoas compram o hambúrguer, sentam na cadeira e comem na calçada. Elas, antes disso, pediam e comiam em pé mesmo. Gente, não dá para deixar o cliente comendo em pé. Aproveitei que agora é moda hipster e comprei as cadeiras de praia, não por estética, mas porque não tinha dinheiro para mais que isso", ri.
Universa esteve no Burgay na noite de uma quinta-feira. Thiago, suchefe e responsável por comandar a chapa naquele dia, explicou como funcionava tudo. Ele é um dos três funcionários que, atualmente, trabalham com Rafael. "Todos são LGBT. Tenho um homem cis gay, um não-binário e uma mulher cis lésbica. Temos que ocupar esses espaços", conta.
O lanche escolhido pela reportagem foi o Cher.ddar que, junto aos outros itens do cardápio, homenageia uma diva pop: Cher. Gaga, Beyoncé, Gwen Stefani e Madonna completam a lista, toda idealizada pelo carioca. Nele, tinha cheddar, cebola caramelizada, maionese verde e glitter que até agora está grudado no corpo da repórter. O pão cor-de-rosa, Rafael explica, é feito de beterraba e dá à massa uma consistência fofinha e adocicada. Para acompanhar, uma singela porção de batatas fritas.
Na noite quente, as cadeirinhas na calçada pareceram mais atraentes do que sentar num salão. "Não esperava que fosse dar tão certo e que, em dois meses, eu já precisasse de um lugar maior. Não tinha nenhum dinheiro guardado quando decidi começar a cozinhar, mas o banco tinha, então arrisquei. É claro que tenho medo dessa exposição, mas investi num sistema de segurança bastante tecnológico. É tipo um botão do pânico que aciona diretamente a polícia. Não podemos nos esconder por sermos gays, mas temos que nos proteger".
O medo ainda é presente na vida do empresário, mas já não é mais paralisante. Em 2017, ele foi agredido por um motorista da Uber depois de ter sido xingado de 'viadinho'. "O cara era lutador de muay thai. Desfigurou meu rosto e quebrou o cotovelo da amiga que estava comigo. Depois desse caso, tive depressão, síndrome do pânico e fiquei meses sem sair de casa. Imagina o medo de me expor de novo. Só que a gente não pode desaparecer. Precisamos estar em evidência até o amor LGBT ser normal perante a sociedade."
Cada hambúrguer vendido por Rafael custa, em média, R$ 25. Com batata, o valor chega a R$ 34. A visita vale não só pela qualidade da comida, mas por ser mais um espaço de aconchego a quem ainda não se sente livre para amar em ambientes públicos. E é isso que Rafael quer, junto com ganhar dinheiro, é claro.
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