"Seu filho será o estranho": mãe de Gabriel, autista, fala de preconceito
"Eu tenho uma vida de roda gigante. Às vezes, estou lá apreciando a vista, a calmaria, às vezes, estou no meio de uma crise do Gab". Com a voz suave e pouco oscilante, a secretária Sandra Regina da Rocha Ambrosio conta para Universa como é criar uma pessoa dentro do Transtorno do Espectro Autista nos últimos 24 anos.
Seu filho, Gabriel da Rocha Ambrosio, ou o Gab, como ela chama, tem autismo severo e comunicação não-verbal. "De repente", tem alguns dias difíceis, como classifica Sandra. Ela e o marido Carlos Francisco dividem a rotina para estar com ele em casa. Ele frequenta a escola apenas de manhã. A família mora no Brooklin, em São Paulo.
A história do trio é a última contada por Universa por conta do lançamento do documentário "Longe da Árvore", baseado no livro de mesmo nome de Andrew Solomon. O filme tem sessões gratuitas até este domingo (22) em São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre nos Cinemas Itaú (horários sob consulta).
A sinopse do filme aponta que a proposta é mostrar "um olhar corajoso na jornada de acolhimento e afeto das relações humanas". Uma das histórias é de Jack, um menino que tem autismo e passa por alguns tratamentos propostos pelos pais.
Diagnóstico de Gabriel
Quando Sandra e Carlos buscavam definir o diagnóstico de Gabriel, então com 3 anos, ouviram de um médico que ele seria "o estranho". "Levamos ele ao consultório, o médico jogou uma bola e ele não se interessou. O médico disse: 'Esse seu filho vai ser aquele estranho na sociedade, sabe? Que ninguém quer chegar perto. Ele não vai falar, não vai frequentar a escola", contou Sandra, chorando ao lembrar do episódio.
A fala do médico, há pouco mais de 20 anos, mostra como ainda é necessário combater o preconceito contra pessoas com autismo -- tramita na Câmara dos Deputados, aliás, um projeto de lei que pretende criar disque-denúncia para casos assim.
O diagnóstico de autismo de uma criança que "não brincava com as outras crianças e não conseguia montar um quebra-cabeça de quatro peças" só foi fechado pelos especialistas quando Gab tinha 14 anos. Um ano antes, o jovem começou a ter crises com agressividade.
"São surtos, descontroles emocionais. E, agora, não consigo mais segurá-lo, porque ele tem quase 100 kg. As pessoas falam que vêm 'do nada', mas eu sei que na cabeça dele, ele lembrou alguma coisa".
Sandra conta que mais difícil do que lidar com as situações do filho autista é encarar o preconceito que ainda percebe em 2019. "Ele faz alguns barulhos e já vi muita gente o encarando em restaurante. Na praia, ele rola na areia e todo mundo fica parado olhando. Dou graças a Deus que ele não perceba, mas eu percebo e fico muito magoada".
"O roxo do machucado sai, fica a dor na alma"
Por conta das crises, Gabriel por vezes se machuca dentro de casa. A situação, segundo Sandra, é bem complicada e faz com que ela sinta uma carga emocional muito grande em suas costas.
"Ele não se agride, mas pode dar um soco em algum lugar e machucar a mão, por exemplo...E eu fico pensando: 'o roxo no corpo dele sai, a casquinha se forma. Mas fica uma dor na alma da gente, sabe?'. Quando saio de casa, é pior. A gente ouve essas coisas de inclusão, mas não tem um dia que eu não saia com meu filho que as pessoas não olhem para mim. Já é tão difícil dentro de casa, e a gente ainda recebe esse olhar de julgamento".
Como é o dia a dia de Gabriel
"Ele nunca deixou de fazer sessões de fonoaudiologia, hoje faz na escola, terapia ocupacional e psicóloga. Ouvi muito, quando ele era pequeno, que era besteira, porque ele não fala e não desenvolveu o lado cognitivo. Ele não consegue desenhar, por exemplo. Mas, sempre achei importante que ele fizesse essas atividades", diz Sandra.
Quando criança, ele entrou em escolinhas não direcionadas para crianças com autismo, mas, com 8 anos, os pais foram chamados para avisar que ele precisa se retirar. "Nos avisaram que ele não interagia com ninguém e que a gente precisava colocar numa escola especial".
Atualmente, Gabriel está em uma escola "especial", como explica a secretária. Sandra se emociona ao contar que lá ele tem aulas de educação física, artesanato, musicoterapia.
"Quando eu vejo um vídeo de ele cortando morango, batendo uma massa na batedeira...Ah, eu choro. E Gabriel tem amigos na escola, gosta dos professores, abraça. Ele sempre foi aberto [ao contato físico]. Não pode apertar muito, mas ele dá abraços na gente. Tem que ser rápido. Se eu abraço por mais um tempinho, ele vem com a mão e dá um empurrãozinho de leve".
"A família também fica um pouco autista"
Além de Gabriel, Sandra e Carlos têm mais uma filha, de 31 anos, que mora nos Estados Unidos. O casal, então, se divide no dia a dia de Gab. "A família fica um pouco autista também, sabe? A gente não sai mais de casa, as pessoas não vêm nos visitar, só no aniversário. A vida como casal não existe também...Antes, eu deixava ele com meus pais, mas agora, eles já estão mais velhos".
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