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15% dos homens que matam a mulher se suicidam em seguida em SP

"É uma questão de saúde pública", diz especialista - Getty Images/iStockphoto
"É uma questão de saúde pública", diz especialista Imagem: Getty Images/iStockphoto

Camila Brandalise

De Universa

27/09/2019 04h00

"Matou a mulher e depois se matou". Dura, triste e trágica, essa manchete é cada vez mais recorrente em notícias sobre casos de feminicídio. E um novo levantamento, obtido com exclusividade por Universa a partir de dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2019, divulgado no dia 10 de setembro, mostra que, em São Paulo, a taxa de homens que se matam após matar a mulher é de 15%.

Foram 18 suicídios entre 120 feminicídios em 2017. Em 2018, 21 dos 136 assassinos da própria mulher também se mataram. Os números absolutos parecem baixos diante do total de mortes violentas registradas no Brasil anualmente, cerca de 60 mil. Mas são 2.400 vezes maior do que a média brasileira de suicídios. Segundo a OMS, a taxa no país é de 6,1 casos para cada 100 mil habitantes. "Ter esse índice por dois anos seguidos mostra que não são episódios isolados, mas sim um padrão de comportamento que se traduz em mais mortes."

Acesso à arma de fogo aumenta risco

A delegada Jamila Jorge Ferrari, coordenadora das delegacias de defesa da mulher do estado de São Paulo, afirma que o suicídio acontece, principalmente, com uso de arma de fogo. Em 2018, isso aconteceu com 14 dos 18 casos.

"Precisamos falar sobre esse padrão por causa dos que sobrevivem", diz a delegada. "Filhos, pais, irmãos... É um sofrimento que vai deixar cicatrizes profundas, tanto por conta da mulher que foi morta quanto do homem que se matou. É uma tristeza acompanhar esses processos. As famílias ficam completamente desestruturadas."

Segundo a delegada, quando o autor é preso, a situação emocional dos familiares é menos impactada. "Eles sabem que a filha, irmã, mãe, não vai voltar, mas, pelo menos, o homem pagou pelo que fez. Sem isso, é como se o ciclo não se fechasse. Sem falar nos filhos, que ficam sozinhos no mundo."

Questão de saúde pública

Pós-doutoranda em psicologia social pela USP (Universidade de São Paulo) com tese sobre feminicídio, a pesquisadora Jackeline Romio também ressalta a necessidade de se estudar essas situações. "Tanto feminicídio quanto suicídio são questões de saúde pública. O fato de o homem ser vítima da própria agressividade é um efeito secundário de todo o conjunto da violência doméstica."

Para Jackeline, outro ponto importante a se verificar a partir dos números é o fato de, em homicídios seguidos de suicídios, haver premeditação. "É um indício inclusive na parte criminalística: as mortes são planejadas, ritualizadas, e várias vezes o feminicida deixa uma carta dizendo por que fez o que fez. Por isso, dizemos que são mortes evitáveis", explica.

Culpa, posse e ciúme

As hipóteses levantadas por especialistas sobre o porquê de o homem se matar após o feminicídio tem uma ligação profunda com a morte incial, a da mulher. Jackeline diz que há uma inversão de responsabilidades por parte do homem. "É comum deixar cartas e bilhetes dizendo que a vítima foi culpada até por ele ter se suicidado."

Para a delegada Jamila Jorge Ferrari, o homem se mata porque a posse sobre a mulher era o que dava sentido à sua vida, fazia com que ele vivesse. "Ao matá-la, ele não tem mais o motivo da existência porque acabou essa obsessão", diz.

O psicólogo Gilsom Maia, integrante do programa Tempo de Despertar, projeto do MP-SP (Ministério Público de São Paulo) que visa a ressocialização de agressores de mulheres, faz uma análise pelo aspecto psíquico. "O homem não está querendo matar a esposa, a companheira, mas a dor com a qual não sabe lidar. A ideia de que está sendo traído, de que tem ciúme, de que por isso não é 'viril'. Tenta destruir aquilo que está o ameaçando", diz. Outras motivações são culpa culpa e desespero em relação ao que vai lhe acontecer na prisão.

"Quando falo isso, não quero tirar a culpa dele nem tentar relativizar o crime que cometeu, apenas explicar como funciona seu raciocínio. Ao reconhecer que ele não matou quem ele queria matar, que era seu sofrimento, se suicida."