Educação de crianças com TDA, TDAH, TOC e autismo: especialista dá dicas
A psicoterapeuta americana Anne Maxwell trabalha há 25 anos com crianças, famílias e adultos com transtorno de déficit de atenção (TDA), transtorno de déficit de atenção com hiperatividade (TDAH), transtorno obsessivo compulsivo (TOC) e transtorno do espectro autista (TEA).
Assistente social clínica licenciada e supervisora de terapias lúdicas, Anne incorporou ao seu trabalho, há dez anos, as técnicas do Access Consciousness, uma terapia alternativa que tem se tornado popular nos Estados Unidos e incentiva as pessoas a acreditar na consciência para mudar qualquer coisa que não está funcionando na vida. Por exemplo, a maneira como muitos pais de crianças com transtornos veem os seus filhos e lidam com eles.
"As pessoas tendem a funcionar do ponto de vista de que há algo de errado com essas crianças, porque elas não aprendem como nos aprendemos", afirma a psicoterapeuta. Ela diz que, na verdade, são crianças diferentes que apenas requerem uma maneira diferente de lidar com elas.
Fazer perguntas, sem tirar conclusões precipitadas, para saber o que de fato está acontecendo (ainda que possa soar estranho) é uma das principais ferramentas do Access, que Anne adota em sua clínica em Denver, no Colorado (EUA). O objetivo é ensinar as famílias a reconhecer as habilidades e os conhecimentos que essas crianças possuem para criar um ambiente de relacionamento mais rico e produtivo.
Ela também fala sobre o assunto no livro de sua coautoria Would You Teach a Fish To Climb a Tree (Você ensinaria um peixe a escalar uma árvore?, em tradução livre), de 2014, ainda sem versão em português. A obra traz relatos e perguntas práticas que podem ser usadas por todos que convivem com crianças com TDA, TDAH, TOC e autismo. No início de agosto, Anne esteve no Brasil para dar um curso sobre o assunto em Santa Maria, no Rio Grande do Sul. A seguir ela explica melhor o que são essas perguntas e fala mais sobre o seu trabalho.
Como você trabalha com crianças autistas, com TDA, TDHA e TOC?
As crianças, especialmente com TDA, TDAH, TOC e autismo são as mais difíceis de lidar, para os professores, terapeutas, pais, médicos, comunidades, dentistas, para todo mundo. Elas são diferentes - se comunicam, pensam e, normalmente, têm uma aparência diferente - e por causa dessas diferenças crescem achando que têm algo errado com elas e que precisa ser consertado. Mas, na verdade, elas apenas requerem uma abordagem diferente de lidar com elas.
É como um bebê, que não usa palavras e se expressa por meio do choro para dizer quando está cansado ou com fome. Essas crianças se comunicam de forma parecida, energeticamente, e isso pode parecer meio esquisito mas não é mais esquisito do que o choro de um bebê. Então, se os pais pensam que tem alguma coisa errada com a criança, ou os professores acham isso, é nisso que eles vão acreditar, mas quando mudam a maneira como pensam, isso pode mudar as crianças.
E como colocar isso em prática?
Por exemplo, atendi uma família de autistas, em que os pais tinham um grau pequeno do transtorno, e os filhos, um casal de gêmeos, de seis anos, também eram autistas. Na escola, a menina ia relativamente bem, mas o menino, segundo o professor, não socializava, ficava sozinho no recreio, e precisava aprender a brincar com os amigos. Uma das perguntas que eu faço nessas situações é: "Se isso (se isolar) não fosse errado, o que seria? O que de fato está acontecendo ali?
Recordei à mãe que ela conhecia seu filho melhor do que ninguém e sabia que o comportamento da criança não era errado. O menino estava bem consigo mesmo e fazendo o necessário para aguentar um dia inteiro de aula.
Encorajei a mãe a sugerir que criassem na escola um plano de tratamento, entre aspas, em que todas as críticas, julgamentos e deficiências fossem vistos de outra forma. Em vez de dizerem à criança o que ela tinha que fazer, o plano previa que o menino deveria achar um jeito de se acomodar e ficar confortável, que o professor deveria deixá-lo sozinho um tempo, e que a socialização com outras crianças precisava ser em seus termos - e não como os pediatras e outros profissionais achavam que deveria ser.
No Brasil, muitas escolas sequer aceitam crianças com transtornos ou deficiências e as que aceitam nem sempre sabem como lidar com esses alunos. O que os pais dessas crianças podem fazer?
Há várias coisas que podemos dizer. Façam perguntas. Não tirem conclusões precipitadas - se você conclui que algo não é possível, é nisso que você vai acreditar. É importante se perguntar se é possível mudar algo ou o que de fato ocorreu, e ignorar os rótulos, que são comuns a essas crianças. O propósito das perguntas não é encontrar a resposta certa, mas sim ter a consciência do que realmente esta acontecendo - e não o que os outros dizem ser.
Há muitos mitos sobre crianças com TDA, TDAH, TOC e autismo, e os pais devem perguntar se eles são realmente verdade. Alguns dos mitos dizem, por exemplo, que essas crianças não conseguem focar e se concentrar, mas será que isso é verdade ou será que elas conseguem focar e se concentrar em muitas coisas ao mesmo tempo? Será que essas crianças, como pessoas que executam múltiplas tarefas, precisam de mais coisas para fazer e não de menos? Pode soar meio esquisito mas faz sentido para você?
Sim, pode ser. E nessa técnica de fazer perguntas, há uma lista que sirva de norte aos pais?
As perguntas servem para dar a consciência do que é possível, sem concluir ou ter um resultado em mente. Se você souber a resposta antes de fazer a pergunta, não é uma pergunta. É uma declaração com um ponto de interrogação no final. Quanto mais perguntas você faz, mais fácil é ter clareza sobre o que está acontecendo e estar presente em qualquer situação que surja.
Qual a sua opinião sobre o uso de medicamentos para essas crianças?
Tenho um ponto de vista diferente sobre crianças e corpos. Às vezes, o corpo requer algum medicamento, mas usualmente não é com tanta frequência nem por tanto tempo quanto os médicos gostam de prescrever. Se as crianças são tratadas de maneira que é desonrosa para elas, elas podem ter crises, ficar agressivas ou deprimidas, mas se tratadas de modo adequado, apresentarão melhoras. Vejo os medicamentos como algo secundário, que deve ser usado depois de outras tentativas. Recebo muitas crianças que usam medicação, que, às vezes, fica forte demais. Se conseguimos mudanças nas crianças, a dose pode ser diminuída. Mas eu nunca falo com os pais sobre remédios, se eles perguntam algo, recomendo conversar com o médico. O que eu faço é empoderar pais e crianças.
Daria uma última sugestão aos pais?
A maioria dos pais com crianças com TDA, TDAH, TOC e autismo, de alguma forma, se culpa por ter esses filhos. Minha sugestão é que eles, os pais, comecem a se tratar com a bondade e a gentileza que deveriam ter recebido, mas não receberam. Que eles se permitam receber agora o tratamento que deveriam ter tido.
Isso pode não ser algo simples de por em prática para um pai, não?
Muitos pais têm mais bondade com outras pessoas do que consigo mesmos e uma das coisas que eles podem fazer, que é o maior gesto de bondade com eles mesmos, é parar de se julgar e reparar nas coisas que eles são gratos por tê-las. Dain Heer (um dos criadores do Access Consciousness) costuma dizer que o ponto de vista que você tem, cria a sua realidade — a realidade não cria o seu ponto de vista. Então, se você passa a vida achando que tem algo terrivelmente errado com você e seu filho, o que você verá? Se ter um transtorno não fosse visto como algo errado, o que seria? O pai deve se perguntar qual é o dom do seu filho, qual é o dom que ele (o pai) tem. É difícil, e as pessoas às vezes não tiram tempo para olhar para isso.
5 dicas para pais de crianças com TDA, TDAH, TOC e autismo
1. Confie no que você sabe sobre o seu filho
Se alguém lhe diz algo sobre o seu filho que não é verdade, não ignore o seu conhecimento. Se algo que alguém diz ou algo que você lê ou ouve parece não se encaixar na situação do seu filho, você pode perguntar: "Isso se aplica ao meu filho?, Isso se aplica a mim?". Você saberá. Confie no que você sabe. Não duvide de si mesmo.
2. Pare de julgar
Um julgamento é um ponto de vista fixo sobre algo, certo ou errado, bom ou ruim, e que não permite outras análises. E se, em vez de julgar você e seu filho, você pudesse reconhecer que nenhum de vocês teve ferramentas adequadas para lidar com isso? Em outras palavras, pare de julgar seu filho e pare de julgar você!
3. Esteja ciente
Estar ciente é estar presente com o que é, não, o que poderia ser. Se alguém reluta ou recusa-se a reconhecer o que realmente está acontecendo, isso é um julgamento. A diferença entre um julgamento e uma consciência é que há sempre uma carga energética - ou emocional - em um julgamento.
4. Seja grato
Seja grato por seu filho e por você. Sim, às vezes seu filho pode ser difícil. E se o seu filho for simplesmente diferente - nem certo nem errado - apenas diferente?
5. Faça perguntas
Quanto mais você confia em si mesmo, menos você julga e quanto mais perguntas você faz, mais fácil é ser claro sobre o que está acontecendo e estar presente em qualquer situação que surja. Algumas das minhas perguntas favoritas são: Que pergunta posso fazer para mudar isso?
- O que é isso? O que posso fazer com isso? Posso mudar isso? Se sim, como?
- O que é certo sobre isso e eu não estou percebendo?
- O que estou fazendo que está criando isso? O que meu filho está fazendo para criar isso?
- O que eu posso fazer hoje para começar a mudar isso imediatamente?
- O que a elas (as crianças) estão dizendo além de suas palavras? (quando são 'desrespeitosas com o professor, se mostram entediadas ou não conseguem se concentrar, por exemplo)
- O que posso fazer para contornar isso?
- O que mais é possível?
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