O perigo está aí, mas como falar de assédio e abuso sexual com crianças?
O assunto incomoda. Para muitas mães e pais, às vezes há a impressão de que a simples menção ao tema fará com que a violência entre em suas casas porta adentro enquanto seus filhos dormem inocentemente. Porém, a melhor maneira de lidar com a crueldade do abuso sexual infantil é conversando com os pequenos sobre esse perigo, o mais cedo possível.
"É a família que tem que preparar a criança para a realidade do mundo. Infelizmente, é necessário ensinar que, assim como nas histórias, há muitos lobos maus disfarçados de cordeirinhos por aí", comenta Deborah Moss, neuropsicóloga especialista em comportamento infantil e mestre em Psicologia do Desenvolvimento pela USP (Universidade de São Paulo). As estatísticas provam que mais de 70% da violência sexual cometida contra menores de idade é feita por pessoas conhecidas.
Embora falar de sexo ainda seja um grande tabu em muitos lares, é preciso abrir mão de vergonha, pudor e crenças limitantes e abordar esse conteúdo da maneira mais natural possível com os filhos, sempre adequando a linguagem empregada à faixa etária e à capacidade de compreensão.
É válido ressaltar que o conhecimento não evita, infelizmente, que uma criança seja abusada, mas abre espaço para que a vítima não sinta medo e possa contar aos pais o que aconteceu. "A falta de informação sobre esse assunto é o que torna as crianças mais vulneráveis. Elas precisam ser capazes de fazer perguntas e sentir confiança em compartilhar tópicos muitas vezes sensíveis para os pais", observa Monica Pessanha de Azeredo, psicopedagoga e psicanalista infantil e de adolescentes, de São Paulo (SP).
O nome certo de cada parte
Meninos e meninas de 3 ou 4 anos de idade já podem ter acesso aos nomes apropriados das partes íntimas em vez de apelidos. "Isso empodera a criança, ajudando-a a se comunicar mais claramente sobre ela mesma e seu corpo", conta Monica. Outro cuidado fundamental é orientar que apenas os pais ou cuidadores podem dar banho e limpar as áreas genitais. "Também é essencial avisar que não se deve sentar no colo de pessoas desconhecidas e que se houver um pedido do tipo a criança pode e deve dizer 'não'. Limites precisam ser ensinados desde cedo", explica Deborah.
À medida que a criança for crescendo, os pais devem instruir de forma claro e cuidadosa sobre o que é e o que não é um contato físico adequado vindo de adultos ou crianças mais velhas. "Com uns 11 ou 12 anos elas já têm noção do que é uma agressão sexual, ainda mais partindo de um adulto. As menores, por falta de malícia, nem sempre entendem que alguns toques e manifestações não são de caráter afetivo, ainda mais se a pessoa que os faz é próxima. Assim, quando não há dor, a atitude pode confundir", pontua Deborah, que ressalta a relevância das informações dadas pelos pais sobre que tipo de contato é afeto e o que passa do limite. Orientações sobre sempre ir acompanhado por alguém de confiança a banheiros públicos e tomar cuidado em viagens, acampamentos e passeios na casa de amigos também são imprescindíveis.
Essas conversas fazem com que a criança se perceba amada, acolhida, cuidada. E, caso note algum comportamento estranho vindo de alguém, ela se sentirá confiante para contar aos pais o que houve, pois sabe que não será julgada nem punida. A culpa e o medo da reação da família, em algumas situações, levam a criança a manter o silêncio, o que pode permitir a continuidade do abuso.
Segundo Deborah, os pais precisam manter atenção redobrada quando recorrem a cuidadores - babás, creches -, perguntar sempre à criança se ela é bem tratada e como isso transcorre e, principalmente, observar seu comportamento. "Em vez de contar com palavras, alguns pequenos revelam o ocorrido através das mudanças de atitudes, que podem se tornar mais agressivas, retraídas e assustadas", diz.
Histórias que ajudam
De acordo com a psicopedagoga Luciana Brites, cofundadora do Instituto NeuroSaber, em Londrina (PR), as chamadas "histórias sociais" ajudam a criança não só a identificar um assédio como também a nomeá-lo. "História social é aquela em que você inventa um personagem, que não seja a criança, é claro, e aborda a situação. Você pode começar, por exemplo, falando de uma menina que estava na casa de uma amiguinha, foi tomar banho com ela e um adulto quis enxugá-la e ela se incomodou com um toque. É uma forma de contextualizar e dar concretude para a compreensão da criança", explica.
Os livros infantis que abordam o tema através de narrativas lúdicas e animais humanizados também são uma boa alternativa. Nesse sentido o pioneiro é "O Segredo da Tarnanina - Um Livro a Serviço da Proteção e Prevenção Contra o Abuso Sexual Infantojuvenil" (Ed. Universidade da Família), publicado em 2011 pelas psicólogas Alessandra Rocha Santos Silva, Sheila Maria Prado Soma e Cristina Fukumori Watarai. O enredo trata de uma tartaruguinha que é convencida por um polvo a tirar a tirar fotos sem o casco e, ao se sentir culpada pelo que aconteceu, compartilha o incômodo com a professora, Baléa. O recém-lançado "Leila" (Ed. Abacatte), do escritor Tino Freitas, tem uma temática semelhante. Já "Não Me Toca, Seu Boboca!" (Ed. Aletria, 2017), da argentina radicada no Brasil Andrea Viviana Taubman, conta com uma abordagem mais explícita ao ensinar a criança a se defender.
Aliás, a partir dos 9 anos de idade, quando se inicia a pré-adolescência, a criança já se torna capaz, com a ajuda dos pais, de identificar situações em que adultos ou crianças mais velhas podem envolvê-las e que seriam inadequadas ou abusivas. Essas situações, conforme Monica, vão desde meios de expor o pré-adolescente à pornografia até usar palavras ou frases de natureza sexual para incomodar ou assediar e tentar manter contato físico direto ou indireto - carícias, beijos, estimulação, penetração sexual, sexo oral ou outros atos. "É comum que o abusador ameace machucar e matar não só a vítima, mas as pessoas que a criança ama, caso o que aconteceu seja revelado a alguém. É uma tática que volta e meia dá certo, porque as crianças acreditam em tais ameaças. Por isso, além de conversar muito em casa, não deixe de incentive seu filho ou sua filha a procurar também um adulto de confiança, como um professor, se alguém fizer tais ameaças", pontua Monica.
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