Como fica a sexualidade da mãe (e da criança) no aleitamento prolongado
A Organização Mundial de Saúde, a Sociedade Brasileira de Pediatria e o Ministério da Saúde são unânimes na recomendação da amamentação prolongada -- durante os dois primeiros anos de vida do bebê. A ciência já demonstrou que os benefícios da prática não são apenas de ordem nutricional, mas também imunológica, metabólica, ortodôntica, fonoaudiológica, afetiva, econômica e social.
Diante de tantos argumentos convincentes sobre o aleitamento prolongado, a consciência das mães que não conseguem amamentar seus bebês durante todo esse tempo pode pesar. A das mães que nunca conseguiram amamentar, nem se fala! A das mães que amamentaram bastante mas encaram o momento de cortar esse vínculo também pesa. Ser mãe é, muitas vezes, uma questão de gerenciamento de culpas.
Para além das necessidades de saúde do bebê, muitos outros fatores na vida de uma mãe podem interferir nas decisões sobre o aleitamento. Uma questão pouco explorada por médicos e pelos conteúdos sobre maternagem é o conflito entre amamentação e a sexualidade de mães e crianças. Para desanuviar um pouco essa porção de tabus, conversamos com Gabriela Malzyner, que é psicóloga e psicanalista, mestre em Psicologia clínica pela PUC- SP e coordenadora do Núcleo de Crianças do Centro de Estudos Psicanalíticos de São Paulo.
Aqui, ela responde a cinco perguntas frequentes de mães que querem o melhor para os seus filhos — mas também para si mesmas.
UNIVERSA - O aleitamento prolongado é altamente recomendado pelos médicos e os benefícios, felizmente, são bem conhecidos do público de hoje em dia. Ainda assim, mães que não querem ou não podem continuar amamentando podem se sentir péssimas. Como esse corte pode ser feito de forma tranquila para mãe e bebê?
Malzyner - Muito se fala sobre o "mame" mas pouco se fala sobre o desmame. O desmame é uma etapa importantíssima na construção da subjetividade de cada um de nós. Ele é peça fundamental, quer seja no aleitamento materno, quer seja no leite complementar. Há uma etapa importantíssima na possibilidade da criança poder transpor essa primeira forma de vínculo. Auxiliar a criança a um bom desmame é tarefa importante para todos os envolvidos na cena.
Ao desmamar, a criança ganha novas formas de estar na relação com os outros — principalmente com a mãe. Ganha novas formas de se acalmar, ganha novos sabores e ganha a descoberta do crescimento e de uma relativa independência. A chave está aí: tratar o processo também como ganho, não só como perda.
Os seios têm muitos significados e eles são profundamente transformados durante o aleitamento. Acontece que eles também têm uma simbologia erótica. Como a mulher pode lidar com essa ambiguidade de significados durante o aleitamento prolongado?
De fato, o seio materno é um objeto não apenas de aleitamento, mas também parte do corpo de um outro, que é adulto. Não sei se dá para separar, na cabeça da mãe, a sexualidade e o aleitamento. Os seios estão nos dois contextos e é por isso que a visão da psicanálise sobre o aleitamento prolongado é mais crítica do que a visão médica, por exemplo.
Sabemos que crianças têm sexualidade desde cedo. Uma leitora relatou que o bebê dela, de dois anos, depois de deixar de mamar, pediu o peito da mãe durante o banho e depois disse que era brincadeira. Ele estava com uma ereção. Como reagir de forma tranquila a essas situações?
A sexualidade está presente em todos nós, desde o início da vida. Mas não estamos falando de uma sexualidade genital (adulta), mas sim formas de ter prazer com o próprio corpo, ainda infantis. Quando a exploração do corpo do outro já contém um interesse para além do aleitamento do bebê, talvez tenha chegado a hora de desmamar. Não é interessante que a criança se excite mamando: isso não traz benefícios psíquicos.
Não costumamos estimular o aleitamento que esteja confundindo demais a sexualidade de ambos os seres presentes na cena. No caso da criança existe, sim, um corpo sexuado desde sempre. A ideia de sexualidade é diferente para um adulto e para uma criança, mas as vivências corporais são importantes. É um assunto delicado, mas a gente não deveria fazer votos de que a amamentação se prolongue para além dos primeiros sinais de que há um conflito. A psicanálise indica que há um limite e que esse limite é importante e saudável. É um limite em que você ajuda a criança a enfrentar esse desmame — tão importante e significativo na vida mental dela — sem produzir um desmame abrupto. O importante é marcar um limite.
Outra leitora conta que foi babá de uma criança de 3 anos. O menino pedia para ver os peitos dela por ver, não para mamar. Ela dizia que não estava com vontade de mostrar peito e sugeria atividades adequadas para distraí-lo. Como lidar com essa curiosidade das crianças?
Frente à sexualidade infantil, a gente deve responder àquilo sobre o que a criança tem curiosidade. Dá para fazer isso sem apresentar novos incentivos excitatórios. Por exemplo: a criança quer saber o que é seu órgão genital? Você responde, mas sem oferecer mais aditivos que a excitem. Essa exploração e essa curiosidade sobre o próprio corpo e sobre outros corpos é fundamental e estruturante para os pequenos. Assim, o adulto só precisa ter a cautela de não ser um agente excitatório.
A postura neutra e tranquila da babá foi muito adequada. De fato, um recurso ótimo nessas circunstâncias é desviar o assunto e, de alguma maneira, conduzi-lo para outros interesses da criança, até porque não se deve mesmo mostrar os seios nesse contexto. A curiosidade do garoto é sadia, normal, natural e esperada, mas não precisa ser excitada por adultos.
Quando é uma boa hora de parar de amamentar uma criança? Quais indicativos devem ou deveriam nortear essa decisão?
O aleitamento materno se excessivamente prolongado não traz somente benefícios, ele traz também um traço que impossibilita a criança reconhecer-se em uma outra posição, reconhecer a mãe como fonte de outras formas de vínculo.
Poder conversar com o bebê sobre o processo, poder observar em si se ainda há o desejo de amamentar e fazer-se perguntas é muito importante. "Por que o vínculo deve permanecer sempre ligado ao meu seio?" "Por que não encontrar novas formas de estar com o meu filho?"
"Será que essa forma de relação ainda é saudável para nós dois?" e por aí vai.
Ajudar a criança no processo e nas etapas das provas da vida é tarefa dos pais. Novamente, ensinar o que ela ganha com o desmame para além de lamentar aquilo o que ambos perdem, é um caminho natural, mesmo que não seja sempre fácil. Faz parte da história de todos nós.
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