Duplamente discriminados, idosos LGBTs recebem apoio de ONG
Se os desafios da população LGBT são grandes, com a chegada da terceira idade eles só tendem a aumentar. Além de enfrentar preconceitos e lutar por direitos, eles precisam aprender a lidar com limitações, uma vez que sua saúde e vitalidade não são as mesmas. A situação se agrava ainda mais para aqueles que não têm a quem recorrer e vivem sozinhos porque foram banidos do convívio familiar, por opção ou porque os entes mais próximos morreram.
Em São Paulo, a ONG EternamenteSOU tem tentado mudar essa realidade. Fundada por um grupo de voluntários (assistentes sociais, pesquisadores, educadores, psicólogos, advogados), que hoje chega a 23 pessoas, desenvolve projetos voltados a idosos LGBT. "A velhice, de maneira geral, é discriminada pela sociedade. Como será então para idosos homossexuais? Nossa luta é contra a invisibilidade e já conseguimos impactar a vida de, pelo menos, 300 dessas pessoas", diz Rogério Pedro, presidente da ONG.
Duplamente marginalizados
Não há dados específicos sobre a violência contra LGBTs da terceira idade, mas, de acordo com dados do Disque 100 (serviço especializado em denúncias sobre violações dos direitos humanos), em 2018, houve um aumento de 13% no número de denúncias de violência contra idosos no Brasil em relação ao ano anterior. Soma-se a isso o fato de que o Brasil registra uma morte por homofobia a cada 16 horas.
Para Diego Miguel, padrinho da ONG e especialista em gerontologia pela SBGG (Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia), o idoso LGBT é duplamente marginalizado, tanto pelo preconceito de origem homofóbica quanto pela velhice: "Há artigos que apontam para uma questão muito delicada, a de que idosos LGBT acabam descontruindo sua identidade de gênero, ou voltam para o armário, para serem aceitos e sentirem-se integrados à sociedade", diz.
Esses idosos geralmente fazem isso quando precisam ter acesso a serviços públicos ou ao recorrer a instituições religiosas, como casas de repouso e hospitais. "Sei o que é isso. Até perto de completar 60 anos vivi um personagem só para não sofrer discriminação. Me vi obrigada a fazer tratamento reverso com hormônio masculino e abandonar o que mais me deixava feliz: meus seios e cabelos longos", diz a transexual William Braz, que hoje é acolhida pela EternamenteSOU e faz acompanhamento com psicólogos na ONG.
Iniciativa pioneira
Para combater situações como a que William passou e que podem levar a problemas piores, como depressão e suicídio, o movimento LGBT têm se mobilizado no mundo inteiro. Rogério explica que, antes de iniciar o projeto de sua ONG, buscou juntamente com lideranças referências de iniciativas parecidas com a que ele propunha e fez um levantamento pelo Brasil inteiro.
"Para nossa surpresa, descobrimos que não havia nada parecido em nenhum estado brasileiro e que no mundo só existem quatro organizações voltadas à visibilidade, à capacitação e ao atendimento às velhices LGBT. Portanto, temos orgulho em dizer que somos pioneiros no país e queremos expandir esse trabalho para outros estados", afirma, acrescentando que ações similares já estão em andamento em Minas Gerais e no Rio, motivadas com apoio de parceiros.
A EternamenteSOU iniciou seu trabalho em 2017, com a realização do seminário Velhices LGBT. "Foi um projeto ousado que no início enfrentou, além de preconceito e críticas, dificuldades para ser realizado. Foi preciso viabilizar parcerias para captar recursos e até para encontrar idosos LGBT foi complicado, pois essas pessoas viveram na exclusão a vida toda, sofreram violência de todos os tipos, então é natural o receio", afirma Diego.
Luz no fim do túnel
Com a ajuda de voluntários e doações, a ONG tem conseguido realizar diversos projetos, como aulas de dança e coral, terapia, atendimento psicológico e jurídico. Também entrega cestas básicas para idosos necessitados ou de rua e discute temas relacionados a luta por direitos, preconceitos e violência. Quem atua direta e indiretamente com esse público também pode fazer cursos de formação e qualificação a fim de identificar e encaminhar casos para a ONG.
"Para nós, população trans LGBT na terceira idade, poder contar com um local como esse, que resgata a nossa dignidade, é um privilégio. Só temos a agradecer", diz Mirian Queiroz, 60 anos. Outra frequentadora da ONG, Angela Fontes, lésbica, 67 anos, complementa: "O projeto é uma luz no fim do túnel. Fiz vários amigos nele e hoje passeamos, saímos e socializamos mais. Aprendi, junto com a minha companheira, Willman, de 72 anos, a desfrutar de momentos e direitos merecidos".
Até o início desse semestre, a EternamenteSOU funcionava na região central de São Paulo, no Centro de Cidadania LGBT Luiz Carlos Ruas, que será desativado pela prefeitura em novembro. Com isso, a ONG, que está aberta a novos membros, doações e voluntários, opera provisoriamente na sede da Associação da Parada do Orgulho LGBT de São Paulo, também no centro da cidade. "Somos nós por nós mesmos. Mas esperamos crescer para ajudar a construir instituições para idosos LGBT por todo o país", diz Rogério.
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