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"Ódio é usado por famintos por poder", diz diretora de série sobre tema

Geeta Gandbhir, diretora de "Why We Hate", que estreia no Brasil no dia 19 de outubro - Michael Loccisano/Getty Images
Geeta Gandbhir, diretora de "Why We Hate", que estreia no Brasil no dia 19 de outubro Imagem: Michael Loccisano/Getty Images

Nathália Geraldo

De Universa

04/10/2019 04h00

Não é de hoje que discursos de ódio e mensagens cheias de rancor invadem as redes sociais e os comentários de notícias no Brasil e no mundo. De onde vem tanta fúria? É a partir dessa questão que a diretora Geeta Gandbhir, ao lado do também diretor Sam Pollard, lança a série "Why We Hate?" ("Por que odiamos?"), que estreia no Brasil no dia 19 de outubro, no Discovery Channel.

Produzida por Alex Gibney e Steven Spielberg, tem seis episódios e relaciona comportamentos atuais com nossas experiências ancestrais para investigar uma das relações mais curiosas da vida em sociedade: o vínculo entre o ódio e a natureza humana.

Geeta Gandbhir é vencedora de dois Emmy Awards e editora premiada de filmes e séries na indústria cinematográfica de Hollywood. Ela explicou que uma das coisas mais instigantes que aprendeu durante as filmagens foi como o sentimento de que o outro é uma "ameaça", que desenvolvemos na Idade da Pedra, para nos proteger enquanto grupos, ainda representa, cientificamente, uma resposta cerebral instintiva que vibra em nós.

Ao se identificar como uma mulher, "pessoa de cor" (referência mais comum no contexto estadunidense), e com ascendência sul-asiática (os pais saíram da Índia para os Estados Unidos na década de 60), Geeta aponta que sua carreira — e, portanto, a série "Por que odiamos?" — passa não só pelas questões sociais, mas pelas humanas.

Why we hate série Discovery - Divulgação/Discovery Channel/Naomi Ranz-Schleifer - Divulgação/Discovery Channel/Naomi Ranz-Schleifer
Série explora o poder coletivo do ódio, violências e outros comportamentos destrutivos
Imagem: Divulgação/Discovery Channel/Naomi Ranz-Schleifer

Na conversa, pontua que discutir como nos conectamos em uma sociedade global afeta a vida em coletividade e a existência de cada indivíduo e o que faremos com os sentimentos gerados por isso.

Confira trechos da entrevista:

Você fala sobre raça, vida das mulheres e problemas sociais em sua carreira. Em que nível esses tópicos são importantes para você?

Eles são importantes em um nível pessoal, pois, estou nos Estados Unidos, e sou uma mulher, uma pessoa de cor e tenho uma ascendência de imigrantes do Sul da Ásia. Eles afetam o modo com que eu me movo pela vida e como me movo pela sociedade.

E em um nível maior, porque eu penso que eles são muito importantes se quisermos viver em uma sociedade pacífica e avançada. E por avanços, eu quero dizer em direção a uma sociedade justa e pacífica, onde o status de uma mulher e o de uma pessoa de cor é igual ao de qualquer outra pessoa.

Nós vivemos em uma sociedade dominada pelo homem branco, sem igualdade. As sociedades sempre terão alguma turbulência.

É melhor para todo mundo se esses males como racismo, sexismo, homofobia, xenofobia, e a lista segue, fossem erradicados.

Por que você acha importante uma série sobre ódio ser lançada agora?

Acho que estamos vivendo um tempo cada vez mais polarizado, onde há muitos líderes que estão criando divisão. E mesmo tendo um acesso tremendo a muitas informações, às vezes, as ferramentas que nos permitem acessar um ao outro podem ser usadas negativamente para criar essa separação.

Precisamos estar mais vigilantes do que nunca e entender como o ódio pode se manifestar, as diferentes formas que ele assume e os danos que ele pode causar. Se entendermos a ciência social e, por trás dela, a história do mal que foi causado, acho que podemos tomar medidas para impedir que o ódio tenha o mesmo impacto que teve no passado.

Qual foi a mais surpreendente descoberta sobre o sentimento durante as entrevistas para a série?

Foi o conhecimento da Ciência sobre o tema. Como cineasta, eu trabalho com as questões de justiça social e tenho visto muito como o ódio realmente se manifesta na sociedade. Mas eu não sabia sobre "a ciência do porquê", de como nosso cérebro funciona. Uma das coisas mais interessantes que aprendi foi que nós, como seres humanos, evoluímos, mas sempre voltamos.

Basicamente, nosso cérebro não mudou muito desde a Idade da Pedra. Ele foi essencialmente desenvolvido para quando vivíamos em grupos pequenos, de 150 a 200 pessoas e, para nossa própria proteção, ele [induz que vejamos] alguém fora do nosso grupo como uma ameaça.

Naquele período, qualquer pessoa de fora poderia roubar nossos recursos, causar-nos grandes danos, nos comer. E nosso cérebro ainda funciona dessa maneira, mas agora vivemos nessa gigantesca sociedade global.

Portanto, nossos instintos são perceber os outros como ameaças e isso é algo contra o que constantemente devemos lutar. Eu achei isso realmente interessante. Eu não sabia que isso era uma parte essencial que nos torna do jeito que somos.

Você acha que o ódio é um sentimento coletivo, assim como o amor?

Há ciência por trás disso — o amor é mais uma definição romântica da extrema capacidade de cooperação do ser humano. E cooperamos, é claro, coletivamente.

Temos essa enorme capacidade de trabalhar juntos, compartilhar recursos, construir comunidades, sociedades, cuidar e proteger uns aos outros. E seria isso que nós, como seres humanos, interpretamos como amor. Mas, na verdade, está tudo a serviço de manter as espécies. Fazemos todas essas coisas para manter nossa espécie viva por gerações.

Por outro lado, temos essa terrível capacidade de temer um ao outro, causar um grande dano ao outro, ver o outro como uma ameaça. Essas coisas são instintivas dentro de nós. Elas eram originalmente concebidas como mecanismo de defesa. E, de alguma maneira, perderam sua utilidade, quando se trata da sociedade em que vivemos agora.

A indústria do entretenimento reproduz padrões de machismo, sexismo e racismo em seus filmes e documentários. Como é possível lutar contra isso?

No início da carreira, uma das principais vias que encontrei foi a de perseverança e recusar o "não" como resposta.

Mesmo que as pessoas lhe digam que sua voz não importa, as histórias que você deseja contar não importam, você as faz assim mesmo. Você se recusa a aceitar o "não" como resposta e acredita em sua visão.

E nós, como pessoas de cor e mulheres, somos marginalizados e, com frequência, informados de que nossas histórias não importam. Nós temos que ter um nível muito mais elevado se estivermos disputando empregos com outras pessoas, principalmente se os concorrentes forem homens brancos.

Esses são desafios que você precisa, de certa forma, persistir no início da carreira. E resistência é fundamental. Quando entrar em uma posição de poder, se chegar à posição de diretor no set ou produtor, exija que sua equipe reflita a sociedade que queremos.

Que ela tenha pessoas que são representativas na história que você está contando, na comunidade com a qual você está trabalhando. Que haja mulheres, negros e LGBTQI+. Exija isso. Porque se não fizermos, nunca mudará. É nossa responsabilidade.

Estamos vivendo em um tempo em que políticos e o próprio sistema acabam propagando discursos de ódio entre as pessoas. Como mudar esse pensamento?

Se você olhar para o padrão da história, todos os ditadores acabam caindo. Pode ser um processo longo e doloroso, mas eles caem. E a vontade do povo é fundamental para isso. Parte de produzirmos essa série é na esperança de educar as pessoas sobre o ódio estar sendo usado como ferramenta pelos líderes em um caminho para o fascismo.

Penso que as pessoas precisam ser informadas, ser educadas e estar vigilantes porque a história continua se repetindo. Sem intervenção, sem que a gente exponha como o ódio é usado, ele será usado repetidamente. Porque há pessoas que estão famintas por poder. Eles sempre vão existir; é como nós respondemos a eles o que importa.

Temos que prestar atenção nessa repetição da história?

Sim. Temos que olhar para as lições do passado. E as pessoas tendem a esquecer — e isso também é uma ferramenta de sobrevivência. Mas não devemos. Se você esquecer, isso acontece novamente.

Alguma mensagem para o Brasil e para as pessoas que assistirão à série?

Eu tenho visto o que está acontecendo politicamente no Brasil, o que parece ser uma reação em todo o mundo, um tipo de retórica odiosa, onde a liderança não está necessariamente dando o melhor exemplo para criar uma sociedade justa, equitativa.

Também há a preocupação com a "justiça climática" e muitos, muitos tipos diferentes de justiça no Brasil. Então, eu diria [para os brasileiros] apenas para serem corajosos e vigilantes. E que estamos aqui deste lado também lutando por um mundo melhor. E nós somos uma sociedade global, então o que acontece com vocês, acontece conosco. E nós estamos com vocês.