"Aprendi quebrando parede": como ela montou a própria empresa de construção
Na casa de Geisa Garibaldi nunca teve esse papo de "isso é coisa de homem". Sua mãe sempre colocou a mão na massa (não metaforicamente, mas na massa corrida mesmo) quando o assunto era reforma ou pequenos reparos. Já adulta, ela foi morar sozinha e nunca teve medo de cimento, tinta ou ferramentas. Esse caminho a levou a abrir a própria empresa, a Concreto Rosa, que presta serviços da área de construção civil no Rio de Janeiro desde 2015.
Geisa tem 35 anos e é bombeira hidráulica. "Estava cansada de ouvir relatos de como era ruim trabalhar naquele ambiente masculino da construção civil e resolvi dar espaço e oportunidade às mulheres", explica a empresária, nascida na baixada fluminense.
A história de Geisa como empreendedora começou logo após um curso do Senai, quando ela se viu cheia de conhecimento na cabeça e com uma maleta de ferramentas na mão, que ganhou de presente após concluir o aprendizado. Hoje, ela comanda uma rede de mulheres pintoras, pedreiras, encanadoras que prestam serviço para mulheres preferencialmente. Neste ano, um marco na carreira: foi chamada para participar da Bienal de Arquitetura de São Paulo, cuja décima segunda edição foi inaugurada em setembro e vai até dezembro. A empresa para mulheres ganha espaço justamente por ser esse um ramo prioritariamente masculino. Veja seu depoimento:
Início do sonho
"Eu sempre me virei sozinha para fazer coisas de casa, como pequenos consertos e pintura. Aprendi com minha mãe, que foi passadeira a vida toda. Ela sempre fez de tudo em casa, sempre arrumou o que estava quebrado e eu acabava ajudando. Éramos seis irmãos, meu pai faleceu quando era muito novinha. Quando saí da casa dos meus pais, na Baixada Fluminense, para morar sozinha no centro do Rio de Janeiro, fiquei em algumas kitinets e apartamentos velhos. Aí, perguntava ao proprietário se podia pintar e arrumar o banheiro e a cozinha para não ter que pagar o depósito de adiantamento. Sempre negociava e eles toparam. As casas geralmente tinham uns tons escuros, muito marrom, eu usava branco, bege, colocava um marfim na parede e o ambiente se abria.
Em 2015, eu trabalhava em uma empresa que vendia planos de saúde para servidores públicos. Comecei a achar chato pois fazia as vendas por telefone e eu sempre gostei de lidar com o público e queria empreender com alguma coisa que fizesse sentido na minha vida. Comecei a trabalhar aos 15 anos como atendente em um bar, mas quando meu filho, Caetano, completou 6 meses (eu tinha 25), resolvi fazer algo por conta para poder cuidar dele. Já vendi roupa, esfirra... Bem, naquele ano eu fiquei sabendo por um grupo de WhatsApp sobre um curso de formação em construção civil para mulheres, gratuito, no Senai.
Decisão acertada
Quase não consegui fazer o curso que iria mudar minha vida. Liguei para fazer inscrição no primeiro dia, havia 70 vagas e a lista de espera tinha mais de 400 pessoas. Passei a ligar todos os dias para saber minha posição, a atendente já reconhecia minha voz. Não sei o que foi, se foi sorte, se foi minha fé, mas no último momento me chamaram para começar no dia seguinte. Durante seis meses, tive aulas de tudo que envolve reformas e construção, desde fazer conexões hidráulicas até instalação de chuveiro. Não sabia quebrar parede, por exemplo, aprendi lá, e também toda parte de elétrica. Também havia conteúdo de segurança no trabalho, matemática, cidadania e filosofia.
Tinta nada fresca
Com o fim do curso, vi que era minha chance de montar algo na área que gostava. Era também uma chance de fazer o que tinha em mente, que era dar espaço para mulheres que queriam trabalhar com reformas e tinham que enfrentar um ambiente machista da construção civil. Faço parte de coletivos de feminismo, de visibilidade lésbica, desde 2012, e nos grupos de conversa fui divulgando o curso, postava fotos minhas das oficinas no Facebook.
No fim das aulas, já tinha uma reforma de um banheiro fechada. Precisava trocar os canos, que eram de ferro, refazer o revestimento. Chamei duas mulheres para me ajudar. Ali, a Concreto Rosa começava a nascer, mas foi assim, sem site, sem capital, tudo a partir de uma bolsa de ferramenta. Larguei meu emprego e comecei com essa reforma no banheiro e outros serviços foram pintando. De primeira, chamei para trabalhar comigo uma colega de curso. Com o aumento da demanda, precisei trazer mais gente, na área de pintura, hidráulica.
Nossas clientes são mulheres que já estão saturadas de dialogar com homens que fazem obras, enfrentar o machismo e o medo pela insegurança. Mulher não pensa somente no umbigo, pensa no coletivo.
A gente explica passo a passo da obra e dos gastos, sem enganação e com muita conversa. Se der algum problema, o que pode acontecer, serei sincera: 'mana, estamos juntas até o final se der algo errado vamos solucionar'.
Nova realidade
Eu acho que, na verdade, eu tento não reproduzir tudo o que ouvi, tudo o que já aconteceu comigo, as mulheres não querem mais serem desrespeitadas nem cobradas a mais por um serviço. Somos transparentes e lidamos com as clientes na base da igualdade. Compro o material, mostro tudo, até como se faz o serviço. Uma vez fiz uma obra em um apartamento e quando fui virar uma peça do vaso, ele rachou, pois estava muito apertada. Não ia colocar uma massa e fingir que não aconteceu nada. Contei para a cliente, saí atrás do mesmo vaso, rodei o Meyer inteiro para encontrar um igual e banquei o custo. Trabalhamos assim.
A empresa cresceu ao longo destes quatro anos no boca a boca, nunca fiz propaganda nem panfletagem. Quando começaram a falar sobre a Concreto aqui no Rio de Janeiro, passei a ser convidada a fazer palestras e a participar de eventos sobre empreendedorismo e feminismo. Isso é muito importante para mim, pois o que me fez fazer parte da luta contra o racismo, o machismo e pela diversidade ver a realidade do país em que vivemos. Por isso, tento conciliar o trabalho na minha empresa com o ativismo. Meu corpo também está na luta durante a obra, colocando mão de obra feminina e dando às mulheres o direito de escolher com quem querem dialogar."
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.