Mulher trans morta em SP estudava para ser médica; B.O. ignora nome social
Resumo da notícia
- A estudante Lorena Vicente, de 23 anos, foi espancada e morta no bairro Jardim São Luís, na zona sul de São Paulo
- A Universa, seu professor do EJA contou que ela sonhava em ser médica: Ela sabia que seria difícil, mas ia atrás, queria viver o sonho dela"
- A reportagem teve acesso ao boletim de ocorrência, que não respeita o direito ao nome social da vítima e não menciona transfobia
- A morte de Lorena acontece quase dois anos depois que seu irmão mais velho foi assassinado em uma briga de rua tentando defendê-la da transfobia
A estudante Lorena Vicente, de 23 anos, foi vítima de transfobia, no bairro Jardim São Luís, na zona sul de São Paulo. Na tarde de segunda-feira (14), ela foi espancada, sofreu ferimentos na cabeça, chegou a ser socorrida ao Hospital do Campo Limpo, mas não resistiu e morreu na manhã de anteontem (15). Lorena Vicente foi enterrada hoje, às 10h.
A Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo informou que o caso é investigado pelo 92º DP, mas não deu detalhes sobre a identidade do principal suspeito, que está foragido. Moradores do bairro, no entanto, alegam que Lorena teria sido espancada pelo tio de uma amiga, identificado como Paulo.
Apesar de o STF ter criminalizado a LGBTfobia há quatro meses, nem a delegacia responsável nem a SSP souberam informar para Universa se o caso está sendo investigado como transfobia.
Além disso, no boletim de ocorrência, Lorena não foi identificada pelo nome social — desde 2018, uma lei municipal garante às pessoas transexuais que tenham seu nome social respeitado por órgãos públicos, como hospitais e delegacias. Na escola, esse direito era respeitado na matrícula e na lista de chamada, em sala de aula. Perguntada, a assessoria de imprensa da SSP não soube informar por que a lei não foi cumprida. A reportagem tentou contato diretamente com o 92º DP dp, mas não foi atendida.
A morte da estudante acontece quase dois anos depois do assassinato do irmão dela, Petherson Roberto dos Santos — ele morreu no mesmo bairro, onde moravam, durante uma briga corporal para defender Lorena de assédio e transfobia.
Bullying, educação e sonho
Lorena cursava o Ensino Médio no EJA (Educação de Jovens e Adultos) na Escola Estadual Reverendo Jacques, no Jardim São Luís. Segundo o professor de História Severino Honorato, que dava aulas para a jovem havia dois anos, Lorena era alvo de bullying dos colegas por ser transexual, mas insistia na educação para realizar o sonho de cursar Medicina.
"Ela queria ser médica, mas sabia que era difícil. As pessoas transexuais não têm oportunidade, você não vê médico transexual, advogado transexual... A sociedade as vê como pestes, mas ela ia atrás, queria viver o sonho dela", lembra o docente.
Severino conta que, apesar do desejo de seguir carreira nas áreas biológicas, Lorena se interessava muito por poesia e história. Em setembro, participou de um sarau promovido pelos professores, cantando "Não Deixe o Samba Morrer", de Alcione.
"Ela comemorou o último aniversário dela aqui, dentro da sala de aula. Intimou os colegas mais próximos, mandou um levar bolo, outro refrigerante, e cantou parabéns aqui na escola", conta Severino.
"Estou nessa escola há 22 anos e não aguento mais ver aluno meu enterrado", desabafa o professor. "Nós, professores, quando perdemos um aluno sentimos que um pedaço nosso morre. O caso da Lorena é especial, ela era uma pessoa invisível para a sociedade, viveu momentos muito difíceis. A gente quer salvar esses alunos com educação e com o nosso carinho, mas não conseguimos salvar a Lorena".
Na tarde de ontem, a escola organizou um ato em homenagem à estudante, com a presença da deputada estadual Érica Malunguinho, primeira transexual a ocupar uma cadeira na Alesp (Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo).
Tragédia Familiar
Há dois anos, a família de Lorena viveu uma tragédia quando o irmão mais velho dela, Petherson Roberto dos Santos, morreu em briga para defendê-la da transfobia.
Segundo reportagem exibida em novembro de 2017 pelo "Bom Dia SP", da TV Globo, Lorena e Petherson estavam em uma praça do bairro, usando o sinal público de internet, quando ela foi assediada por um ciclista de 18 anos.
"Ele ameaçou jogar a bicicleta em cima de mim e o meu irmão foi cobrar, falar para ele me respeitar, mas os dois começaram a discutir e entraram em luta corporal", disse Lorena, na entrevista à televisão. Petherson, à época com 24 anos, recebeu golpes na cabeça e morreu no local.
Segundo o professor Severino Honorato, que começou a dar aulas para Lorena dois meses depois do ocorrido, a estudante nunca se recuperou da tragédia e ainda se sentia culpada pela morte do irmão.
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