Nos apps de paquera, "é moda ser homem escroto": eles exigem tipo de mulher
A vida da mulher heterossexual nos aplicativos de paquera, às vezes, ganha ares de uma batalha emocional a se vencer. Entre vantagens e desvantagens de procurar um parceiro deslizando a tela do celular, há alguns obstáculos para o match perfeito — e, um deles, está no "tipo de mulher" que eles pedem nas descrições do perfil.
O print de um homem procurando "mulher independente, que tenha carro, more só, sem filhos" viralizou no Twitter justamente por conta do nível de exigência do rapaz.
Não se sabe se a descrição é verdadeira. Mas a reportagem encontrou prints de perfis — expostos nas redes sociais — com descrições como "Não curto vadia que fica de risadinha com qualquer um", "Não ligo em pagar nossas saídas, jantares, academia e despesas, desde que você não se importe em, pelo menos, fazer meu café" e "Pra ter meu número vai ter que cumprir algumas missões, eu vou ajudar vocês a serem boas bastante para mim, hahaha". Eles demonstram um comportamento em comum do homem que exige padrões de mulheres para se envolver no campo amoroso ou sexual.
A escritora feminista Maria Gabriela Saldanha e o terapeuta junguiano Fabio Sousa, que discute o papel do homem na sociedade, acreditam que por trás do texto há elementos de um pensamento machista e de conceitos de masculinidade que atingem diretamente a vida amorosa de mulheres heterossexuais.
No Tinder, homem quer "tal" tipo de mulher
"Procuro mulher para relacionamento sério! Que seja independente, tenha carro e more só (bairro nobre). Mulher sem filhos, máximo 26 anos de idade, de até 60 kl (sic), loira, pele branca.
Obs: que seu quarto tenha ar-condicionado. Adoro jantar fora, bb (sic) um de vez em quando
Sou muito carinhoso.
Se for bom! Posso pensar em algo sério! Não gosto de cobranças. Fui bem criado. Falo dois idiomas. Bem dotado. Másculo. Uso barba Não ando de Uber. me pegue em cs [casa]".
A descrição no perfil de Tinder, e outros aplicativos, é onde geralmente as pessoas "vendem seu peixe" para conseguir um encontro. Há usuários que preferem investir em falas mais engraçadinhas, outros, são bem sinceros na forma de se descrever.
Fato é que, vez ou outra, mulheres dão de cara com essas descrições cheias de critérios — o que, afirma o terapeuta Fabio, está ligado, sim, à masculinidade tóxica.
"Isso se vê quando ele reforça que é 'másculo, bem dotado, usa barba'. Mas isso não diz nada a respeito de ser homem. A barba, por exemplo, é só uma coisa que faz parte de uma performance do que é ser homem", pontua.
Por outro lado, procurar alguém com as medidas do corpo, cor da pele, idade e estilo de vida que "o contemplem" também reforça estereótipos machistas, não só restritos à hora da paquera, explica Maria Gabriela.
"Tá na moda ser homem escroto"
"O homem tem a visão clássica, por conta do patriarcado. Ele acha que a mulher está lá para servi-lo. No app, se sentem autorizados a expor isso, a fazer esse tipo de pedido. Só que isso é o fortalecimento de um projeto de masculinidade violento, que inclusive chegou ao poder. Parece que está na moda ser escroto".
Maria Gabriela, que escreve sobre relacionamentos, entre outros assuntos, explica que essa tentativa de definir a "mulher de verdade" faz parte de um contra-ataque à liberdade feminina que temos conquistado aos pouquinhos.
"Os homens são socializados com referências de dominação e, com os apps de relacionamento, a oferta se ampliou muito, além de vivências como as de trocar nudes, assistir a pornôs, ver uma camgirl. Aí, eles desenvolvem esse sentimento de que as mulheres vão servi-lo sexual e emocionalmente".
Fabio comenta que expectativas desse tipo que os homens colocam, de maneira geral, no perfil da mulher que está nos apps, também entram na conta da sociedade patriarcal em que vivemos e que faz com que a masculinidade se afirme por meio da opressão de outras formas de existir.
"Ele coloca a mulher nesse lugar, em que tem que seguir padrões de beleza, não falar palavrão...E isso é uma forma de definir como ele quer que ela se comporte para que, assim, as relações de poder (na qual o homem sempre está dominando) se perpetuam".
Exigências como "só gosto de mulher depilada" — que, para homens estrangeiros, é diferente — dando a desculpa de que é um "homem com valores tradicionais" também esconde questões mais profundas na forma com que ele se relaciona com as mulheres, diz Fabio. "Há muita gente que se camufla, dizendo ser conservador, mas que reproduz preconceito, discurso de ódio, misoginia, homofobia".
Homem, que tal rever conceitos?
Se você é um homem 'hétero' que convive com pessoas que reproduzem esses tipos de exigência, ou se você mesmo é um deles, é necessário ter uma tomada de consciência sobre os impactos desse comportamento, tanto nos relacionamentos quanto na relação fora da cama entre homens e mulheres, afirma Fabio.
"Ir para terapia ajuda em muitos casos. E é uma questão de tomada de consciência, porque isso é normatizado e não conseguimos ver problemas, às vezes. Mas, as pessoas estão sofrendo com isso, especialmente mulheres e pessoas LGBTQIA+. Na verdade, eles morrem por conta dessa masculinidade, não dá mais pra prosseguir com esse comportamento".
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