É normal dar selinho nos filhos? Psicóloga comenta reflexos dessa escolha
Em muitas famílias de todas as partes do mundo e em todas as épocas, a dinâmica de troca de selinho entre pais e filhos é comum — e remete a uma relação terna de confiança entre a criança e seu tutor.
Por um lado, a tradição de beijar os filhos na boca nunca foi relacionada à hipersexualização; por outro, a geração atual tem acesso às informações sobre as melhores práticas educacionais como nenhuma outra. O selinho em crianças, naturalmente, pode ser problematizado: até que ponto beijar nossos filhos na boca pode ser uma boa ideia? Existe hora certa de parar e, se sim, qual é?
Para Gabriela Malzyner, psicóloga e psicanalista, mestre em Psicologia clínica pela PUC-SP e coordenadora do Núcleo de Crianças do Centro de Estudos Psicanalíticos de São Paulo, a melhor escolha é não usar o selinho como manifestação de afeto entre tutores e crianças. "Não é que o gesto esteja errado, mas o selinho é uma forma de contato íntimo e crianças ainda não estão preparadas para fazer essa escolha com autonomia e consciência como os adultos estão", explica.
A especialista lembra que o beijo na boca é uma forma de contato íntimo com quem escolhemos manter afeto. Assim, idealmente, os pais não precisam eleger a boca como um espaço de troca com os filhos quando existem outras opções igualmente ternas e simbólicas de amor, como o beijo no rosto, na testa, o abraço, o cafuné ou o gesto de dar as mãos. Para Malzyner, ensinar que eles têm autonomia sobre o próprio corpo é fundamental se queremos que eles se tornem indivíduos mais seguros e felizes. "Precisamos lembrar que o corpo é da criança, portanto é ela quem precisa aprender a arbitrar a forma como ela é tocada ou deixa de ser. Um dos elementos fundamentais da educação é autorizar que a criança possa arbitrar sobre o corpo dela, ou seja: poder dizer como ela quer ser tocada", completa.
Dou selinho na criança. E agora?
Mantenha a serenidade e lembre-se que essa escolha de manifestação de amor aconteceu com a melhor das intenções. Algumas famílias trocam selinhos para demonstrar afeto, mas os adultos sempre podem dar um passo atrás e se perguntar a que serve esse comportamento — ou para que serve.
Conversar com as crianças sobre como elas se sentem nessa dinâmica é uma alternativa razoável, porque muitas vezes o selinho passa a ser um constrangimento para filhos já crescidinhos. "Se deixa de ser adequado para pais ou filhos, o selinho pode e deve deixar de acontecer", ensina Malzyner.
Um dos argumentos mais razoáveis para romper com esse tipo de contato íntimo é que muitas vezes a criança pode estar incomodada, mas não se sente confortável para frustrar o acordo da família. "As relações entre pais e filhos que trocam selinhos podem obviamente ser saudáveis a ponto de a criança poder manifestar que não deseja mais esse tipo de dinâmica afetiva, mas nem todos os filhos se sentem confortáveis para frustrar as expectativas dos pais, principalmente em uma idade precoce", destaca a especialista.
Para evitar pressões psicológicas, é importante abrir um canal de conversa com os filhos para que eles possam negar o acesso ao próprio corpo quando se sentem desconfortáveis em uma interação. Isso também protege os pequenos de contatos físicos incômodos em qualquer ambiente fora de casa. "A questão fundamental é produzir autonomia no sujeito para que ele possa dizer 'não'. Precisamos autorizar nossos filhos a dizerem quais espaços do próprio corpo podem ser acessado pelos pais ou por outras pessoas", completa Malzyner.
Na visão da especialista, o melhor jeito de ensinar autonomia é escutar a criança com carinho e mostrar que o consentimento dela é fundamental em qualquer circunstância — e que ela sempre pode e deve dizer como gosta e como não gosta de ser acessada (e acariciada) pelas pessoas. Atuando com amor e atenção, ninguém sai traumatizado da conversa.
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