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Mulheres protagonizam um mundo em evolução


Jovem cria startup focada no público com mais de 60 e fatura R$ 1,5 milhão

Layla Vallias criou startup focada no público com mais de 60 anos - Lucas Shirai/Divulgação
Layla Vallias criou startup focada no público com mais de 60 anos Imagem: Lucas Shirai/Divulgação

Cláudia de Castro Lima

Colaboração para Universa

01/11/2019 04h00

O país está envelhecendo. E a passos largos. Para se ter ideia, hoje as pessoas com mais de 60 anos somam 30,2 milhões de indivíduos, mais do que a população do Chile e a do Uruguai juntas. Em 2050, serão mais de 68,1 milhões, segundo uma previsão da Secretaria Nacional de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos -enquanto isso, as crianças e adolescentes de até 14 anos devem somar apenas 18,8 milhões.

Embora esteja bem debaixo de nossos narizes, o fenômeno de envelhecimento da população, apelidado de tsunami prateado, está passando despercebido por uma fatia enorme das grandes empresas, que não fazem produtos e serviços voltados para o público de 60 anos ou mais.

Mas a tendência não escapou aos olhos atentos de uma jovem mineira de 28 anos, a especialista em marketing digital Layla Vallias. Foi observando a dor do próprio pai, que, na casa dos 65 anos, sentiu-se inútil e invisível, que Layla resolveu empreender. E criou, há exatos três anos, a startup Hype60+, uma consultoria de marketing especializada no consumidor sênior.

Ao lado da sócia Bete Marin, ela ajuda empresas, marcas e organizações a criar produtos, serviços e experiências focadas nesse público. Afinal, enquanto todo mundo está olhando para os millennials, é com os 60+ que está o dinheiro.

O exército prateado representa 15% dos brasileiros, mas é responsável por 20% do consumo no país —o equivalente a R$ 1,6 trilhão por ano. No ano passado, com seus serviços de consultoria, curadoria e estudo de mercado, a Hype60+ faturou R$ 1,5 milhão —e a expectativa é encerrar 2019 com um crescimento de 15%.

"Meu pai tinha uma empresa de comércio exterior e, aos 62, decidiu se aposentar. Achou que ia morrer aos 70 e que precisava aproveitar a vida", diz Layla. Quatro anos depois, no entanto, percebeu que viveria muito mais. "Ele então começou a entrar quase numa depressão porque não estava mais trabalhando e achava que não servia mais para nada. Foi superdoído ver meu pai nesse momento."

Layla começou a reparar que o sentimento de seus sogros e dos pais de amigos não era diferente. "Pensei: uai, todo mundo parece estar passando por isso dentro de casa. Acho que tem uma oportunidade aí." Ela fazia curso de especialização em marketing digital nos Estados Unidos. E falou sobre a ideia com uma especialista em estratégia de Singapura. "Ela me disse que aquele era um mercado na Ásia, que todo mundo estudava isso."

Fralda geriátrica?

Quando voltou para o país, começou a analisar o mercado 60+ e viu que não havia praticamente nada. "Para se ter uma ideia, tinha marca de fralda geriátrica fazendo pesquisa de mercado com pessoas de até 45 anos." Layla foi trabalhar na Endeavor, ONG de fomento de negócios de impacto. "Queria criar algo para ajudar o público maduro, mas que fosse sustentável financeiramente." Foi lá que conheceu a sócia e assim que o Hype60+ nasceu, em 2016.

A princípio, era uma agência de marketing especializada no consumidor maduro. Só que Layla e sua sócia perceberam, ao longo do tempo, que o buraco era mais embaixo. "Parecia que estávamos falando grego com as empresas quando dizíamos para elas olharem o público mais velho. Vi que faltavam dados sobre o mercado." Não havia nenhuma boa e completa pesquisa a respeito do tema. Elas resolveram fazer uma.

O Tsunami Prateado foi um estudo qualitativo e quantitativo, feito com 2.242 pessoas, que mapeou hábitos comportamentais e de consumo, além de levantar tendências desse mercado. O estudo foi conduzido em São Paulo em parceria com a plataforma de negócios de impacto Pipe.Social. Ele mostra, por exemplo, que só 10% desse público gostam que a palavra "idoso" seja usada para defini-los —a maioria prefere "maduro".

A pesquisa mostra também que essa geração é composta por 58% de pessoas casadas, 22% divorciadas, 10% viúvas e 10% solteiras. Entre os entrevistados com mais de 55 anos, 54% concordam que já cumpriram seus deveres e agora é hora de curtir a vida. Um em cada quatro disse que pretende empreender no futuro —o desejo é compartilhado por 33% dos homens, mesmo percentual de pessoas que afirmaram querer voltar a estudar.

Além disso, 62% dos com mais de 55 anos acreditam que sua saúde mental e física está boa e só 27% não fazem atividade física. Quando o assunto é sexo, a maioria se declara ativa. Entre as pessoas acima de 55 anos, 40% dizem que fazem sexo pelo menos uma vez por semana. Já em relação aos entrevistados com mais de 75 anos, 85,5% estão felizes com a vida afetiva atual.

Concorrência com o preconceito

"O nosso concorrente no mercado é o preconceito que está na cabeça das pessoas. Por isso, precisamos nos munir de dados e trabalhar bastante esse tema, dar palestras, workshops", diz Layla. O estudo virou um livro de tendências que traz entrevistas com 16 especialistas. Com a obra em mãos, Layla passou a ter o que apresentar às empresas dispostas a ouvi-la.

O banco Santander, por exemplo, contratou Layla para criar novos produtos voltados para os maduros. No Shopping RioMar, de Recife, depois de um workshop da startup, várias iniciativas surgiram, como um programa de emprego para pessoas com mais de 50 anos. Em São Paulo, a empresa prestou consultoria para a Feira da Longevidade, que aconteceu em setembro, com curadoria de conteúdo, expositores e palestras.

Os próximos passos do Hype60+ são promover estudos com temas específicos: para novembro, está programado um sobre beleza e bem-estar. "Também estamos investindo nos influenciadores digitais dessa faixa etária", conta Layla.

Ah, e o pai de Layla? "Está empreendendo de novo, feliz, começou a namorar. Abriu um Instagram nesta semana e agora está produzindo vídeos", diz, rindo.