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Moça de família, alcoviteiras... como era sexo na época de "Éramos Seis"

Gloria Pires e Antônio Calloni em Éramos Seis - Raquel Cunha/Globo
Gloria Pires e Antônio Calloni em Éramos Seis Imagem: Raquel Cunha/Globo

Heloísa Noronha

Colaboração para Universa

04/11/2019 04h00

Em sua quinta adaptação para a teledramaturgia, "Éramos Seis" tem um enredo dramático e romântico na medida certa e que não cansa nunca. A inspiração vem do livro homônimo de Maria José Dupré (1898-1984), lançado em 1943, que conta a história de Dona Lola (Glória Pires), seu marido Júlio (Antonio Calloni), os quatro filhos: Carlos (Danilo Mesquita), Alfredo (Nicolas Prattes), Isabel (Giullia Buscacio) e Julinho (André Luiz Frambach). Entre doenças, decepções e dívidas, ela luta para manter a família unida.

Com adaptação de Ângela Chaves e direção artística de Carlos Araújo, "Éramos Seis" se passa em três fases - as décadas de 1920, 1930 e 1940 - e, como geralmente acontece com as produções de época da Rede Globo, as pessoas sentem interesse em saber mais sobre como eram os relacionamentos amorosos de então. Confira, então, alguns fatos sobre os períodos abordados e mate a curiosidade:

Anos 1920

Já ouviu falar em "alcoviteira"? A palavra, que vem da palavra "quarto" e remete à intimidade, diz respeito à uma figura feminina — tia, prima ou madrinha, geralmente da moça — que ajudava a intermediar o namoro dos jovens. Essa mulher entregava bilhetinhos ou cartas de amor, levava e trazia recados e, principalmente, ajudava a marcar encontros - sempre na sorveteria ou na sessão matinê do cinema. A alcoviteira tinha o papel de driblar o controle da família, principalmente o do pai da garota. Os namoros eram pudicos, sem grandes arroubos.

O cinema e suas estrelas começavam a direcionar (e a chocar) o comportamento da sociedade. Com seus vestidos curtos e decotados, penteados exóticos, maquiagem carregada e hábitos "modernos" como fumar, as atrizes mexiam com as fantasias do público. Enquanto os homens fantasiavam em transar com elas, as mulheres, intimamente, sonhavam ter tamanha liberdade. Da boca pra fora, porém, as chamavam de vulgares e prostitutas. E por falar em sexo pago, o Rio de Janeiro, na época, era a capital das cocottes, as belas cortesãs de luxo vindas da Europa, especialmente da França, que viravam a cabeça de coronéis e estudantes endinheirados com seus biquinhos e manias extravagantes.

Embora muitas mulheres de mente mais aberta se inspirassem nas atitudes ousadas das "melindrosas" e das jovens emancipadas (pense em Tarsila do Amaral e Pagu), havia um antagonismo forte com as "rainhas do lar". A educação dos filhos cabia quase que exclusivamente às mães - e qualquer travessura ou "desvio" era sua "culpa". O sexo se dividia entre os objetivos de procriar e o de ter prazer, mas nem sempre eram compartilhados com a mesma mulher.

Na surdina, porém, como acontece em qualquer fase histórica, muita gente seguia os instintos - desde que, é bom reforçar, ninguém descobrisse. Em um diário mantido na época, por exemplo, a atriz Wanda Marchetti (1892-1985) registrou "que não devia ser preciso esperar o casamento para descobrir o sexo".

Anos 1930

A figura da moça "de família" seguia muito valorizada. O rapaz tinha que ir à casa da garota e pedir o consentimento dos pais dela para namorar. A permissão dependia de vários fatores: se o moço estudava e/ou trabalhava, ser pertencia à uma família de classe (leia-se de posses e/ou de princípios religiosos), se gozava de boa fama, etc. Se o relacionamento fosse aprovado, os dois podiam sair juntos. Sozinhos? Nem pensar!

O passeio tinha sempre que contar com a companhia de algum membro da família — um irmão mais novo, por exemplo - que deveria vigiar os dois para que "liberdades" não ocorressem. A dificuldade tornava dava ainda mais sabor às ousadias, então o caçulinha podia ficar entretido com outra coisa ou fingir que não via mãos dadas e beijos na boca em troca de doces e sorvetes. O encontro tinha que acabar às 21 horas, horário em que ambos precisavam estar em seus respectivos lares. Bom, elas precisavam, né? Porque muitos dos rapazes corriam direto para os braços de prostitutas ou amantes.

A virgindade feminina devia ser exaltada a todo custo até o casamento. O sexo era um tabu, inclusive para casais casados há muito tempo, da mesma maneira que a anatomia e o funcionamento dos corpos femininos. Porém, pelo menos para um desconforto típico as meninas obtiveram alívio nesse década tão pudica: com a invenção dos absorventes descartáveis, em 1930, finalmente abandonaram as faixas de tecido atoalhado grossas e largas que ficavam ásperas e incômodas depois das lavagens e que não podiam ser colocadas para secar à vista dos homens.

Anos 1940

Fase áurea do namorinho de portão. Da janela, os pais da garota observavam tudo atentamente. Qualquer tentativa de beijo ou de abraço era repreendida no ato, pois somente beijinhos na mão e troca de juras apaixonadas tinham permissão para acontecer. Felizmente - ou infelizmente, dependendo do contexto -, era de praxe que os namoros migrasses rapidamente para noivado e, em seguida, casamento. Namoros muito longos podiam indicar más intenções do rapaz - como só "usar" a moça - e comprometer a reputação não só da donzela, mas de toda a sua família. Um rompimento tinha um efeito tão ou pior do que a morte.

Na época, o casamento era considerado indissolúvel. Havia o desquite, que apenas dissolvia a sociedade conjugal, mas mantinha o matrimônio. Em outras palavras, o desquite mantinha o vínculo conjugal, porém permitia a partilha dos bens comuns do casal, a guarda dos filhos e os alimentos, sendo vedada a constituição de novas núpcias. Isso justifica o desgosto enorme de Lola ao ver a filha Isabel (Giullia Buscacio) se envolver com Felício (Paulo Rocha), um homem bem mais velho e desquitado. Mulheres "desquitadas", inclusive, eram mal faladas, tidas como fracassadas e excluídas sutilmente da sociedade - vale lembrar a influência da Igreja Católica nesse bullying. Somente com a aprovação da Lei do Divórcio em 1977 é que homens e mulheres podiam romper de verdade a união e se casarem com outras pessoas.

A infidelidade masculina era um impulso "biológico", segundo os padrões da época, e, portanto, digna de compreensão. Cabia à mulher se esforçar para manter a casa, o casamento e a criação dos filhos em ordem, de preferência com um sorriso no rosto. A infidelidade feminina era severamente punida com o ostracismo social. Com o auge a chegada dos Anos Dourados, na década de 1950, essas características ficaram ainda mais exacerbadas, como a divisão entre as mulheres "para casar" e "para farrear".

Livros consultados:
"Histórias e Conversas de Mulher" (Ed. Planeta), de Mary del Priore
"História do Amor no Brasil" (Ed. Contexto), de Mary del Priore
"Histórias Íntimas - Sexualidade e Erotismo na história do Brasil" (Ed. Planeta), de Mary del Priore
"Uma Breve História do Sexo" (Ed. Gaia), de Claudio Blanc