"Desse tamanho a agulha nem vai entrar": quando a gordofobia vem do médico
Recentemente o canal E! Entertainment promoveu um evento para anunciar as novidades para 2020. Entre elas está a segunda temporada do programa Beleza GG, previsto para estrear em agosto. A frente dele estão as modelos Fluvia Larcerda e Mayara Russi.
Durante a entrevista exclusiva, ambas falaram sobre a gordofobia. "Muita gente levanta a bandeira do empoderamento, do body positive para vender produto. Mas esta é a verdadeira raiz do problema: a inferiorização, o julgamento. A falta de respeito com os outros seres humanos", opinou Fluvia. A modelo ainda revelou que uma das situações em que mais recebeu interações nas suas redes sociais foi quando tocou no assunto "gordofobia médica". O termo é usado para designar situações em que pessoas gordas enfrentam preconceito por parte de profissionais da área da saúde durante consultas ou exames por causa do peso. "Recebi muitos relatos, eles dão vontade de chorar", contou.
Mayara Russi, sua companheira na televisão, passou por uma experiência do tipo. A seguir, ela e outras mulheres relatam suas experiências:
"Desse tamanho a agulha não vai entrar"
"Foi traumatizante. Engravidei da minha segunda filha com 23 anos e na época estava pesando 160 kg. Foi uma das fases em que fiquei maior. Meu parto seria uma cesariana, então o médico marcou a consulta com o anestesista dois dias antes. Quando fui até o consultório, ele olhou na minha cara e disse: 'Desse tamanho a agulha não vai entrar'. Foi horrível. A minha sorte é que o obstetra que estava me acompanhando sabia de toda a minha luta, da minha causa, e disse que não queria mais aquele anestesista na sua equipe".
Mayara Russi, 30 anos, modelo
"Tive que explicar que nunca pesei 60 kg e nem quero"
"Há alguns anos, passei com uma nutricionista para melhorar meus hábitos alimentares. Ela me pediu vários exames. Quando voltei, analisou e constatou que não havia com o que se preocupar: tudo estava em ordem. Mesmo assim, abriu o computador e começou a escrever. Depois, me entregou um papel com uma dieta bastante restritiva. Disse que, se eu fizesse um ano de dieta e academia, chegaria aos 60 kg. Precisei responder que esse nunca foi meu peso e nem eu quero que seja. Sempre fui gorda e me acho linda assim. Que não a procurei por questões estéticas, mas sim de saúde. Fiquei decepcionada porque esperava uma dieta personalizada, tanto em itens quanto em quantidades. Mas no papel estavam diversos itens que eu nem gosto, como se tivesse que fazer um sacrifício para emagrecer. Nunca mais voltei naquela mulher"
Mariana Marques, 33 anos, empreendedora
"Operar você seria como passar por uma ponte podre"
"Em 2003 tive pedra na vesícula e fui internada algumas vezes por causa da dor. Em uma das passagens por um hospital particular de João Pessoa (PB), passei por um gastroenterologista conhecido na cidade. Eu estava com 138 kg. Chegando lá, ele reclamou do meu excesso de peso diversas vezes. Ficou reforçando que eu precisaria realizar uma cirurgia bariátrica, porque era gorda e tinha sorte de não ser diabética e nem hipertensa. Minha mãe, que estava comigo, afirmou que naquele momento a prioridade seria resolver o meu problema de vesícula. Ele não concordou e disse: 'Fazer dois procedimentos cirúrgicos na sua filha seria como passar por cima de uma ponte podre a ponto de cair duas vezes'. Tive uma crise de ansiedade, comecei a chorar. Saindo de lá, operei com outro profissional e em uma semana estava em casa, feliz e sem dores"
Cybelle Gesteira, 42 anos, analista administrativo
Preconceito na própria área
"Para você, só se for o avental masculino"
Nicolle Queiroz é médica e tem 35 anos. Por questões de saúde, optou por fazer uma cirurgia bariátrica. Antes disso, se especializou em cardiologia do esporte, quando ainda pesava 86 kg. A profissional relata que sofreu preconceito diversas vezes por causa do peso. Hoje, usa as experiências do passado para tratar suas pacientes de forma respeitosa:
"No passado, fui vítima de assédio sexual por parte de um chefe. Ele tentou me machucar. Fiquei triste, descrente dos homens e do amor em geral. Anos depois, nos reencontramos profissionalmente. Eu estava mais velha e tinha engordado. Ele não perdeu a oportunidade de fazer todo tipo de comentário ofensivo. Vivia dizendo que não poderia atuar naquela área se continuasse com aquele corpo. Mas este homem não foi o único a me desrespeitar: trabalhei em diversos hospitais e em todos eles, ouvi 'alfinetadas'. As pessoas diziam que os aventais não caberiam em mim, que teria que usar a versão masculina. Também se achavam no direito de fiscalizar minha alimentação, perguntando se eu tinha certeza de que iria comer um doce, por exemplo".
"Só tomei a decisão de fazer uma cirurgia bariátrica quando as coisas pioraram. Estava com problemas na tireoide e de pressão. Comecei a tomar medicação para emagrecer e, dois anos depois, tive uma convulsão em função destes remédios. Preenchia todos os critérios para a operação, então optei por fazer. Hoje atendo mulheres que já escutaram muitos absurdos em consultórios médicos em razão do peso. Algumas chegam a perder a vontade de cuidar do corpo por causa disso. Entendo que é nossa função alertar sobre os riscos da obesidade e orientar sobre como cuidar da melhor forma da própria saúde. Mas é preciso enxergar o ser humano como um todo, ter empatia e não criminalizar. Só assim conseguimos alcançar resultados realmente satisfatórios, pois nossas palavras causam impacto".
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