As histórias de amor do 3º Casamento Coletivo Igualitário de São Paulo
A preparação começou bem antes da cerimônia. Idas e vindas ao cabeleireiro, cuidados com a maquiagem, a escolha da roupa especial, lembrar-se de avisar os amigos e não esquecer a aliança. Enquanto os minutos correm morosamente, as técnicas de enfermagem Perla Cavalcante e Fernanda Cunha aguardam de mãos dadas, com o suor frio deslizando no rosto, as pupilas molhadas e o riso frouxo. Sobe gradualmente o som da marcha nupcial.
Juntas, as duas entram na sala onde ocorrerá a solenidade. Cumprimentam os amigos com olhares e sentam-se nos bancos da primeira fileira, perto dos músicos e do microfone ornamentado com as cores da bandeira arco-íris. Em fila indiana, outros 17 casais seguem o mesmo procedimento e, logo, todas as cadeiras do Auditório Franco Montoro, na Secretaria de Justiça do Estado de São Paulo, estão ocupadas por familiares e amigos dos noivos.
Após a fala de algumas autoridades da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania e da Secretaria de Justiça, inicia-se a solenidade. Todos os casais sobem juntos no palco para cumprir os ritos de matrimônio. Declaram o amor, ouvem os sinos e, enfim, a hora da aliança. Neste instante, Eduardo, um menino de oito anos, se levanta e caminha em direção ao palco para entregar a aliança às emocionadas Perla e Fernanda.
Elas se conheceram há pouco menos de dois anos, quando faziam estágio para completar o curso de técnico de enfermagem. Perla faltou a uma aula e Fernanda lhe disse que o professor tinha passado um trabalho, que deveriam fazer em dupla. "Inventei esse projeto, criei uma demanda falsa e aproveitei para colocar o primeiro episódio de Grey's Anatomy na TV. Pouco depois, estávamos nos beijando", se diverte Fernanda.
Não demorou para que começassem a morar juntas com Eduardo, filho concebido em um relacionamento anterior de Perla. Foi o próprio menino quem pediu para entregar as alianças ao casal. Fernanda fez o pedido de casamento de joelhos. "É realmente possível amar de um jeito que eu achava improvável. É um momento que eu sonhei por muito tempo", comenta. Orgulhosas, contam que agora desejam ter mais dois filhos.
"Ela foi a minha primeira e agora única mulher. Eu nem sabia direito que podíamos casar", confessa Perla. O casamento homoafetivo no Brasil teve início em 2013, quando o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) emitiu resolução determinando que todos os cartórios do país realizassem a união civil de pessoas do mesmo sexo. Antes disso só eram formalizadas uniões estáveis —quando duas pessoas vivem juntas, mas continuam legalmente solteiras.
"É a forma que os casais têm para afirmarem a identidade e documentar suas vidas. Para efeitos legais tem uma importância muito grande, pois, entre outros benefícios, eles passam a ter direitos hereditários, como herança e pensão", explica Ricardo Dias, Coordenador de Políticas LGBTI da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania de São Paulo. "Com todas as legislações e políticas públicas em vigor, precisamos reafirmar isso diariamente. Mostrar que os LGBTs existem", aponta.
Cerimônia coletiva
A cerimônia realizada na noite do dia 14 de novembro foi o 3º Casamento Coletivo Igualitário consecutivo promovido pelo estado. Realizado pela Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania, por meio da Coordenação de Políticas para LGBTI, o evento tem o objetivo de dar visibilidade ao direito ao casamento e democratizar o acesso da população a esse direito.
Quem possui renda de até dois salários mínimos não precisa pagar nada para participar da cerimônia. Segundo Ricardo, dos 18 casais presentes no dia, apenas um teve de arcar com os custos. Além da solenidade em si, os noivos tiveram direito ao coquetel, uma diária de hotel, voucher para aplicativo de carona, fotografias e filmagem e um cartão-presente. A maioria dos benefícios foi concedida por causa de parcerias com empresas privadas mediante edital.
As inscrições para o casamento foram realizadas nos Centros de Cidadania LGBTI da SMDHC, onde houve também orientação jurídica e acompanhamento no processo de obtenção da documentação necessária. Ricardo conta que mais de 80 casais passaram por lá durante o período. Ele próprio, inclusive, se casou na 2ª edição do Casamento Coletivo Igualitário, no ano passado.
"Morávamos juntos há oito anos. Decidimos legalizar o matrimônio por conta, entre outros motivos, do nosso imóvel e também por medo da conjuntura política que estava se desenhando", justifica. "Esse ano está bem mais tranquilo. Ainda há uma certa insegurança, mas temos um prefeito que apoia as políticas públicas da nossa coordenação", pontua. O marido de Ricardo morreu poucos meses após o casamento.
"O Renato vivia repetindo 'Não é até que a morte nos separe porque a morte não irá nos separar'. Sei que ainda estamos juntos", comenta. Ele reconhece que o documento comprovando a união civil foi importante perante o INSS, a partilha do imóvel e as burocracias relacionadas a isso. "Passa um filme pela nossa cabeça. Não era o que eu imaginava, mas é uma consequência da vida", diz.
"Os declaro maridos e esposas"
Enquanto o DJ alternava as músicas que preenchiam o opulento e imponente prédio da Secretaria de Justiça do Estado de São Paulo, ouvia-se murmurinhos de conversas eufóricas e pessoas disputavam para tirar fotos na frente do bolo cinematográfico que decorava o espaço. Participando da celebração, Vinícius Paza e Verônica Freitas comemoravam o título de recém-casados após 13 anos morando juntos.
"Éramos vizinhos. Eu sempre passava perto do salão em que ela trabalhava e ficava trocando olhares", relembra Vinícius, motorista de aplicativos de carona e estudante de logística. "No começo era muito difícil, bastante preconceito, mas está bem melhor agora", comenta. "Se eu sou um homem melhor, devo isso a ela. Eu era muito infantil, ela me ensinou a ser uma pessoa de caráter a andar no caminho certo", aponta.
Vinícius havia sido pai um ano antes de conhecer a cabeleireira. Orgulha-se do filho não ser intolerante com a companheira e do seu pai ter ido assistir à cerimônia. "Nossa união é de muito amor e carinho. Foi uma das melhores coisas que aconteceram na minha vida. Era meu sonho ter uma pessoa que me respeita e me ama", comenta Verônica. O amor, não por acaso, era um sentimento constante no coquetel.
Entre coxinhas, brigadeiros, salgados e carinhos, o dono de casa Gerbeth Barbosa e o estilista Antônio Braz festejavam a história de amor que começou no dia 1º de março de 2015, em Santa Inês, no Maranhão. Foi lá que os dois se encontraram pela primeira vez. "Nós ficamos e ele já me chamou para vir morar com ele. Mantivemos contato por telefone e depois de alguns meses eu estava aqui", conta Gerberth.
Morando juntos desde então, Antônio jura que já sabia que o cônjuge era o homem da sua vida. "Quando nos conhecemos eu pensei 'é ele'. Hoje é um amigo, um companheiro", justifica. Noivos há um ano, eles comentam que estavam ansiosos há dias. "Não era nervosismo, mas a gente se preparou bastante e agora veio a felicidade. É uma sensação tão gostosa que eu queria casar várias vezes", diz Gerbeth.
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