Cancelamento do desfile da Victoria's Secret marca o fim de uma era na moda
Após muita especulação, a Victoria's Secret confirmou nesta quinta (21) que o tradicional desfile da marca não será realizado neste ano. A informação foi anunciada pela L Brands, dona da grife de lingerie, e marca o fim de uma era na moda, que nos últimos anos estava sendo criticada pela falta de inclusão e diversidade em seus desfiles. Além de ver seus números de vendas caírem desde 2016, e a audiência do Victoria's Secret Fashion Show, com as famosas "angels", despencar.
"Faz tempo que o conceito pré estabelecido de beleza ideal caiu por terra. A Victoria's Secret não entendeu isso ainda e insiste em empurrar uma representação feminina que não atende mais ao desejo da grande maioria das mulheres", analisa Susana Barbosa, jornalista e ex-diretora da revista ELLE Brasil. "Se insistissem em fazê-lo como sempre foi, seria o seu sepultamento. Mas não basta apenas não fazer o desfile. A Victoria's Secret tem agora uma chance de ressurgir com um novo discurso e implementar essas mudanças em todas as camadas da marca - lojas, produto, campanhas, time de vendas, etc... nenhuma ponta pode ser esquecida."
Giuliana Mesquita, jornalista de moda e dona da marca feminista giucouture reforça que o fim do desfile da VS encerra toda uma cultura que não faz mais sentido dentro da moda atual. "É o fim de uma era para uma moda europeizada, elitista, gordofóbica, transfóbica e com padrões estéticos impossíveis", afirma Giuliana Mesquita, jornalista de moda e dona da marca feminista giucouture. "A era da moda como uma esfera inalcançável foi estilhaçada com as redes sociais. Por mais que tenha feito sentido naquela época, hoje não faz mais."
Para Marina Santa Helena, stylist e criadora do podcast "Estilo Possível", o cancelamento do desfile da Victoria's Secret faz parte de algo maior no mundo da moda, um momento de renovação e preocupação com as causas climáticas.
"Existem várias coisas morrendo para várias outras tomarem seus lugares. Por exemplo, aquela Barneys, de Nova York, que fechou recentemente, que representava toda uma era de marcas de luxo", explica. "Os valores, os desejos dos consumidores estão mudando. A forma como a gente consome está mudando, e a Victoria's Secret sentiu isso. Esse cancelamento é reflexo dessa queda nas vendas. Com certeza estamos passando por um momento em que nenhum terreno é seguro no mundo da moda."
Objetificação do corpo feminino
Uma das maiores críticas ao Victoria's Secret Fashion Show, ou até mesmo à grife, era o excesso de objetificação do corpo feminino. "Era diferente, de certa forma, de um desfile da Rihanna, em que a mulher usa lingerie como uma forma de validar seu poder. Na Victoria's Secret era diferente, na verdade a lingerie era o poder e não a mulher que era poderosa pela lingere. Era como se a lingerie engolisse a mulher", analisa Marina Santa Helena.
"A mulher da Victoria's Secret era vista como bibelô. Até a história da VS, que foi criada para os maridos que tinham vergonha de entrar em sex shops para comprar lingerie pras mulheres deles, não faz mais sentido hoje em dia, sabe?", completa Mesquita.
Marcas que apostam na diversidade
O surgimento de novas grifes de lingerie que apostam na diversidade, como a Savage X Fenty, de Rihanna, também ajudaram no declínio da Victoria's Secret. "O desfile da Fenty é o retrato puro do que as clientes querem ver de um desfile de lingerie hoje em dia. Mas isso foi construído por alguns anos, antes da Fenty surgir", conta Giuliana Mesquita. "Acho que a Rihanna, tanto na moda com a Savage Fenty, quanto na linha de make dela, conseguiu redefinir o que as pessoas esperam de um desfile desses (e de campanhas de beleza também. Conseguiu captar muito bem esse espírito."
O crescimento desse mercado e das discussões sobre a quebra de padrões na moda contribuíram com a derrocada da Victoria's Secret, principalmente pela mudança nos hábitos de consumo das pessoas, que estão cada vez mais conscientes.
"O novo desejo de consumir das pessoas, a nova mentalidade, influenciou o surgimento da Fenty. A Victoria's Secret não fazia peças de um determinado tamanho, de tamanhos maiores. Não fazia lingerie para as grávidas, tinha uma série de pessoas que não eram atendidas", diz Marina Santa Helena. "Essas pessoas também precisam consumir e hoje essas pessoas se veem mais atendidas, mais incluídas na moda."
Novo posicionamento
"Achamos que é importante evoluir o marketing da Victoria's Secret", disse Stuart B. Burgdoerfer, vice-presidente da L Brands, dona da marca de lingeries. "[O show] foi uma parte muito importante da construção desse negócio, foi um aspecto importante da Victoria's Secret e uma conquista notável de marketing. E com isso dito, estamos descobrindo como avançar no posicionamento da marca e melhor comunicá-la aos clientes".
O Victoria's Secret Fashion Show acontecia anualmente desde 1995 e já tinha extrapolado o desfile de lingeries, se tornando palco para apresentações de popstars como Taylor Swift, Rihanna, Ariana Grande e Justin Bieber.
"A mudança tem que ser profunda, não pode ser apenas discurso marqueteiro. É uma marca grande e conhecida, mas que tem um grande telhado de vidro. No entanto, tem o ouro nas mãos se souber fazer essa mudança direito. É a chance de ressurgir e refazer sua reputação. Espero que tenham aprendido com todas as crises pelas quais passaram nos últimos tempos. Se souberem ouvir as críticas e as usarem para construir um novo caminho, mais conectado com os valores de agora, podem ressurgir como um case de sucesso", prospecta Susana Barbosa.
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