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"Homossexual vestido de mulher": mãe de aluno ofende professora trans em SC

Fachada da escola que tem votação até fim da tarde desta sexta (22) - Reprodução/Facebook
Fachada da escola que tem votação até fim da tarde desta sexta (22) Imagem: Reprodução/Facebook

Marcos Candido

De Univesa

22/11/2019 14h40

A professora Lodemar Schmitt, 45, dá aula de matemática há mais de 25 anos. A convite de colegas, ela apresentou aos pais um projeto para concorrer ao cargo de diretora de um colégio municipal em Gaspar, em Santa Catarina. Pais e professores votam nesta sexta (22) — ela foi eleita. O projeto de Lodemar é exigir mais rigor para aprovar alunos e tornar a escola em um ambiente mais agradável. "Afinal, é a segunda casa de estudantes e professores", diz.

Na quarta (20), porém, uma mensagem com teor transfóbico começou a circular em grupos de pais no WhatsApp. Marcia Eliane da Rocha, mãe de alunos, gravou áudios em que diz ser "muito triste a escola" dar apoio a um "homossexual que se veste de mulher". O áudio continua. "É muito triste toda a equipe [da escola] apoiando uma pessoa dessa para ficar ali, à frente, como espelho. [Muito triste apoiar] a cara da [escola] Dolores [Luzia dos Santos Krauss] ser a de um homossexual que se veste como mulher", diz. "Se ele fosse um homossexual, mas se vestisse como homem, beleza. Mas ele se veste como mulher, ele não tem compostura", diz. "Por isso o mundo está em declínio".

Segundo a mãe, a indicação da professora vai contra os valores familiares e pode influenciar estudantes a serem transgêneros. Nos áudios, Marcia convoca os pais a votarem contra a candidatura e mostrar à prefeitura que não querem a possível nova direção.

Repercussão

Quando percebeu a repercussão gerada na cidade com pouco cerca de 70 mil habitantes, Lodemar notou que o assunto não poderia ser mais resolvido com discrição. Segundo ela, alunos, ex-alunos e outros professores da região enviaram mensagens de apoio à candidatura e contra a mensagem. A professora acionou uma advogada, que pediu a Marcia uma retratação pelos comentários e a exposição de uma faixa contra o preconceito na fachada da escola.

O pedido de desculpas de Márcia foi publicado em uma rede social nesta quinta (21), mas a publicação foi apagada durante a produção da reportagem.

"Eu me expressei de forma errada e estou muito envergonhada e arrependida de falar tudo que falei. Quem me conhece sabe que não sou preconceituosa, até pq [sic] tenho vários amigos gays e não tenho problema nenhum com isso!", dizia a publicação de Marcia.

Como o cartaz não foi confeccionado, a professora pretende manter o processo alegando racismo, que desde junho também pune crimes a crimes de homofobia. "O processo vai mostrar que as pessoas podem ter opiniões, mas não podem estragar a imagem de uma pessoa que nem conhecem por qualquer condição. Vai servir como lição", diz.

Professor (a) alvo de comentários transfóbicos venceu eleição  - Reprodução/Facebook - Reprodução/Facebook
Professora alvo de comentários transfóbicos venceu eleição
Imagem: Reprodução/Facebook

Nascida em uma cidade e em uma época sem debate sobre identidade de gênero, a professora até hoje não sabe definir a qual gênero pertence. Na adolescência, diz que, por questões hormonais e espontaneamente, ganhou traços femininos. Por telefone em entrevista para Universa, a voz aguda parece feminina. Apesar disso, se reconhecia como homem homossexual até percebe que está mais próxima a uma pessoa transgênero. Ainda hoje é chamado como "professor Lode" na cidade.

Diferentemente do ditos nos áudios enviados nos grupos de pais, Lodemar afirma que nunca teve problemas de aceitação ou foi 'imitada' por alunos. O tema de gênero também não entra na disciplina, a não ser quando questionado. "Nos primeiros dias de aula, os alunos me perguntam se me chamam de professor ou professora. Eu só digo que, com educação, podem me chamar do que quiser", explica.

Obstáculos na carreira

A maior barreira enfrentada na carreira veio de pais e direções escolares, como ela conta. Lodemar fez o ensino fundamental, técnico e médio em Gaspar. Formada em matemática, bateu na porta da escola onde estudou para dar aulas e 'devolver' o que aprendeu. "O diretor da época, então, me disse: você não bota os pés aqui enquanto eu estiver na direção", relembra. A nomeação só foi assinada por uma diretora-adjunta enquanto o outro profissional estava de licença.

Há 26 anos, ela dá aulas em escolas estaduais e municipais de Gaspar. Atualmente, estava lecionando em outra escola no município até ser convidada a disputar a esse cargo de diretora na escola Dolores Luzia dos Santos Krauss, onde trabalhou no ano passado. O colégio atende a cerca de 140 alunos do 1º ao 8º ano.

Em sala de aula, se descreve como linha dura. "Se eu aprovasse todo mundo, seria uma excelente professora para os índices de aprovação da secretaria de educação", diz. O projeto apresentado aos pais era organizar grupos de discussões para alunos indisciplinados, aumentar o rigor nas aprovações e propor mudanças no espaço físico da escola.

"Quero que a escola pense no ambiente físico e psicológico para receber bem os alunos e professores. Estou há 26 anos em sala de aula, e já tive momentos em que acordava e achava uma maravilha ir à escola. Em outros dias, não. Já conheci muitos professores com depressão", diz.

Episódio gerou repercussão

O episódio foi repercutido por associações de professores, sindicatos estaduais e coletivos LGBTs. Em nota, a Aliança Nacional LGBTI+, repudia veementemente a atitude e qualquer manifestação LGBTIfóbica e se "solidariza com o/a professora violentamente agredido/a de forma verbal".

"Hoje, tenho mais pena de quem pensa assim e me preocupo: tenho medo das filhas dela sofrerem algum tipo de bullying. Mas se ela mantiver as filhas na escola, e eu for a diretora, elas serão tratadas como qualquer outro aluno", conclui.