Faz tudo pelo seu filho? Saiba por que você deveria deixá-lo falhar mais
É óbvio que os pais fazem de tudo e mais um pouco para oferecerem o melhor aos filhos, desde questões básicas — abrigo, alimentação, educação, higiene etc — até situações mais pontuais, como passeios e presentes.
Só que na ânsia de garantir que eles sejam felizes em tempo integral e não se frustrem com nada, os adultos interferem em vivências que, num primeiro momento, podem parecer negativas para os pequenos, mas são chances de aprendizados na evolução deles como pessoas. Ou seja, vez ou outra, eles precisam fracassar. Sozinhos.
"Falhas são muito importantes para crianças e adolescentes, já que a ação e a solução de problemas estão no centro da aprendizagem e do desenvolvimento", pontua Cecilia Melo Rosa Tavares, psicóloga da Cia. da Consulta.
Ela observa que, apesar do medo comum dos pais, permitir que o filho erre - e aprenda com isso -, o torna mais resiliente, pois o ensina a lidar com decepções, o que é extremamente importante para uma boa inserção do indivíduo no meio social.
"Ensinar desde cedo as pequenas frustrações da vida são um ensaio para outros limites que ele terá de enfrentar no futuro, como o 'fora' da pessoa amada ou o chefe que pede algo que não queremos, mas temos de fazer", exemplifica.
Não só isso: filhos resilientes são solucionadores de problemas, como aponta Mônica Pessanha, psicopedagoga e psicanalista de crianças e adolescentes. "Eles enfrentam situações desconhecidas ou difíceis e se esforçam para encontrar boas soluções", argumenta.
O resultado disso, segundo a psicóloga e coach infantil Thaís Ribas, se traduz em fortalecimento, segurança, calma e paciência à turma infantil e adolescente, ou seja, características fundamentais para a vida adulta.
Consequências no futuro
Criar filhos sem oferecer a possibilidade de eles errarem — e aprenderem com o episódio — é assumir o risco de as crianças se transformarem em adultos com graves problemas nas relações interpessoais e no trabalho, como afirma Erica Coelho, psicóloga na Telavita.
"É possível que se tornem pessoas com baixa tolerância à frustração, inseguras e com pouca autoconfiança", lista. Outras consequências incluem dificuldades de lidar com situações novas, relacionamentos e na tomada de decisões, além de isolamento, pois a criança deixa de desenvolver a capacidade de tomar iniciativa.
Ela pode até se tornar tirana, sabia? "Por ser superprotegida o tempo todo, acaba acreditando que não consegue fazer nada sozinha e, então, sobrecarrega os pais com suas grandes demandas diárias", aponta a educadora parental Telma Abrahão.
Pais superprotetores: quem são eles?
Quando os pais assumem que precisam intervir em todas as situações para "proteger" os filhos das dificuldades, tem-se uma criação nociva. "Precisamos entender que amar incondicionalmente os filhos significa possibilitar que eles aprendam e se desenvolvam com a compreensão de que não podem tudo", avalia Erica Coelho.
Tal comportamento é bastante comum entre pais superprotetores, que costumam ter medo que qualquer falha se converta em trauma ou frustração para o filho. "Imagina o que vai acontecer se desde pequeno você é acostumado a ouvir que faz tudo certo, nunca comete erro, que é perfeito
e, de repente, já adulto, ouve uma crítica. Certamente, isso será insuportável", ilustra Mônica Pessanha.
Cabe salientar que os pais não agem assim propositalmente. Há boas intenções nos atos - inclusive, em boa parte dos casos, o comportamento é reflexo de ansiedade. "Pais ansiosos têm muita dificuldade em ajudar seus filhos a tolerarem a incerteza, simplesmente porque têm dificuldade em tolerar isso. Dessa forma, tentam proteger seus filhos e protegê-los dos piores cenários", comenta.
Atitudes que pais deveriam evitar
Há algumas situações em que, provavelmente, os filhos vão falhar nas primeiras vezes, mas que são importantes oportunidades de aprendizado. Por isso, os adultos não deveriam intervir:
- Dar o copo de água quando a criança aponta para o filtro ou garrafa, em vez de estimular que ela verbalize o que quer;
- Escolher a roupa para o filho vestir (quando já tem maturidade), atrapalhando a tomada de decisões;
- Amarrar o cadarço do tênis para agilizar o processo, ao invés de deixá-lo treinar;
- Não deixar que filho brinque no parquinho para evitar que se machuque, impedindo novas experiências;
- Dar comida na boca em vez de permitir que a criança tente comer sozinha e melhore a coordenação;
- Resolver ou dar as respostas dos exercícios do filho que não entende a lição, no lugar de deixá-lo raciocinar;
- Interferir nas brigas cotidianas entre irmãos e pequenos conflitos infantis com coleguinhas, impedindo que cheguem a um acordo sozinhos;
- Tratar o filho como "coitadinho" (e dizer isso perto dele) diante de alguma tarefa ou mesmo bronca que levou na escola.
Mas, afinal, qual a melhor forma de agir?
Pense no bebê que está aprendendo a andar: primeiro, ele se apoia nos móveis da casa para se levantar; depois, movimenta-se um pouco,segurando em algo ou alguém, enquanto treina seu equilíbrio. Quando ganha confiança, começa a se soltar e trocar os primeiros passos até se sentir seguro o suficiente para andar sem apoios e, dentro de algum tempo, começar a correr.
Isso não o impediu de cair várias vezes, se levantar e insistir no caminho certo. Os pais, também, não andaram no lugar do filho. Ao contrário, mantiveram-se ao lado, vibrando com cada passo e evolução e incentivando-o a percorrer sempre um pedacinho maior de terreno.
Pois é isso mesmo que os adultos devem fazer: deixar que as crianças e adolescentes ajam por conta própria, mantendo-se por perto, supervisionando e incentivando, em vez de fazerem as coisas por eles ou, muito menos, tomarem as dores dos filhos.
Algumas táticas bem-vindas são
● Não atenda a todas as necessidades. "Sempre que tentamos fornecer segurança e conforto, atrapalhamos a criança a desenvolver sua própria resolução de problemas e domínio", afirma Mônica Pessanha. Por isso, na próxima vez que seu filho de 7 anos pedir para dormir no colchão no seu quarto, explique que tem um espaço só dele, superconfortável, e que já está preparado para passar a noite sozinho.
● Não busque eliminar todos os riscos. Por mais que os pais queiram garantir segurança em tempo integral, acabar com todos os riscos tira as crianças do aprendizado que a resiliência produz. "A mãe pode querer desfiar a carne ao invés de cortá-la em pedaços pequenos porque tem medo de que a criança, mesmo mais velha, engasgue. É preciso dar a ela a liberdade apropriada para a idade, pois isso a ajuda a aprender sobre seus próprios limites", exemplifica Mônica.
● Delegue pequenas tarefas à criança. "Não deixar o filho assumir a atividades rotineiras (organizar os brinquedos, arrumar a cama, trocar de roupa sozinho) impede que ele entenda a importância da responsabilidade, do autocuidado, da autonomia e da convivência em grupo", frisa Luciana Brites, psicopedagoga e fundadora do Instituto NeuroSaber. Por isso, não hesite em dar tarefas condizentes à faixa etária das crianças.
● Não se envolva em brigas entre irmãos. De acordo com Luciana, pai e mãe só devem se meter nas discussões em casa se um estiver machucando o outro. "Caso contrário, é importante as crianças se entenderem, conversarem. Isso vai fazer com que haja o exercício do diálogo, da frustração, o exercício de fazer se entender, da comunicação", ilustra. O mesmo vale para briguinhas na escola.
● Ensine-o a resolver problemas. O papel do pai e da mãe não é dar um jeito em toda situação difícil que surgir na vida do filho. Melhor que isso, é mostrar a ele como agir. Por exemplo, se a criança está nervosa com algo novo, como viajar com o grupo do colégio, é papel dos adultos a ajudarem a controlar o nervosismo, auxiliando-o a descobrir estratégias que pode utilizar durante o passeio. "Essa antecipação do que ela poderá fazer a ajudará a enfrentar o problema que a aflige", finaliza Mônica Pessanha.
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