Thais Carla: "Sei que dizem que sou obesa e doente. Mas nem leio os haters"
De biquíni, nua, de lingerie. A dançarina Thais Carla, 28 anos, publica muitas fotos de si mesma no Instagram em uma luta pela naturalização do corpo gordo — e, diversas vezes, faz textos de militância contra a gordofobia na sociedade para debater sobre o tema com seus quase 800 mil seguidores.
Em recente publicação, em que aparece pelada dentro de uma banheira, Thais exemplifica o quanto ocupar lugares que são associados a mulheres magras é importante para quebrar tabus.
"Ao fazer essa foto me dei conta que as únicas referências em fotos como esta (na banheira) eram mulheres consideradas padrão na sociedade. Eu não sou padrão, logo, não me via ali. Por este motivo, decidi ser a minha própria referência. Tem algo mais bonito do que amor-próprio?", escreveu na publicação.
Grávida, à espera de Eva, sua segunda filha, Thais deu entrevista para Universa durante gravação de comercial da Salon Line, em Salvador, na Bahia. Ela diz não ler o que os haters escrevem nos comentários das redes sociais — mas sabe que a maioria das críticas gordofóbicas relacionam "obesidade com doença".
Para ela, que estourou nas redes sociais depois de ter entrado para o time de bailarinas da Anitta e se tornado uma representante gorda na mídia, vale mais continuar rompendo estereótipos, na dança e na internet. Com o corpo gordo, de maiô, barriga de fora, ou pelada mesmo, ela segue questionando o padrão. E, aos poucos, ajuda a derrubá-lo.
Que comentário você mais lê ou ouve na internet e que resposta daria a eles?
Dizem sempre que, por eu ser obesa, eu sou doente. Mas eu nem leio esses comentários de internet. Trabalho com isso, mas não consumo. Para mim, a melhor forma de responder é não responder. Eu não fico incomodada. E a vida vai mostrando que não é assim. Tenho a ideia de que não gosto de semear ódio e, quando se responde a um hater, é isso que acontece. Então eu finjo que não existe.
Na vida real, você já ouviu comentários gordofóbicos diretamente?
Sempre. Família, pessoas que falam em um "tom de brincadeira". O tempo inteiro me diziam que eu nunca iria dançar profissionalmente, que eu não seria bem-sucedida, que não iria casar, ter filhos...E a vida mostrou para eles que eu consegui realizar tudo.
Como foi sua criação em relação à imagem e à alimentação?
Minha criação em relação à alimentação sempre foi muito restrita. Tanto que não tinha o hábito de comer doce, pizza...Fui adquirindo na minha vida. Até meus 12 anos, eu fiz dieta, minha mãe era muito rigorosa. Então, eu não comia biscoito recheado, não sabia o que era pão de sal, queijo e presunto.
Acontece que sempre fui uma criança gorda; entendi isso quando tinha uns 6, 7 anos. Por outro lado, minha irmã comia de tudo. O que eu vivia era diferente do que ela vivia. As pessoas me olhavam com aquele ar de que tudo era culpa minha, porque eu era gorda. Como se nada fosse culpa da sociedade de não ter a roupa certa para mim, por exemplo.
Como foi o processo de ter mudado sua relação com o corpo?
Tem a ver com minha história com a dança. Com 4 anos, comecei a fazer jazz e balé, retomei aos 7 e era a única atividade que eu fazia para me divertir, não com aquela ideia de ter que emagrecer. Só que eu era muito oprimida nesse meio. Depois dos 12 anos, comecei a fazer dança do ventre, sapateado, street dance...Fui fazendo várias modalidades. E eu era a única gorda em todos os lugares. Só que eu sempre gostei de usar roupa curta, por exemplo. Eu pensava que era a Thais e não estava nem aí: não ficava me depreciando, não ligava se as pessoas ficassem criticando ou não.
Você desenvolveu algum sentimento de culpa em relação à comida?
Sim, eu não comia porque tinha medo de comer e engordar, passar mal, de tanta coisa que falavam. E era minha mãe que falava mais sobre eu ser gorda. Hoje, eu a entendo, mas cresci com uma revolta muito grande. Como ser uma criança pequena e entender que não pode comer algo?
E quando ser gorda virou motivo de militância?
Acho que eu sempre fui militante, só não entendia que era. As pessoas falavam que queriam ser como eu, se inspiravam. Adolescente, me viam dançar e diziam que tinham uma filha gordinha, por exemplo, que queria dançar também...Então, eu fazia tudo isso sem entender que existiam essas palavras: representatividade, militância.
Você sente a responsabilidade que é ser esse símbolo?
Hoje eu sei que tenho uma responsabilidade grande como porta-voz disso, representar um tipo de beleza com marcas , por exemplo, é um marco. Percebo que mais pessoas gordas têm sido inseridas. E espero que tenha cada vez mais.
Além da questão estética, como você lida com a realidade gordofóbica de falta de acesso a lugares públicos?
Nas redes sociais, eu sempre mostro para meus seguidores como é ir no cinema sendo uma pessoa gorda, por exemplo, onde tem as poltronas pequenas.
Na vida real, às vezes, acontece de alguém sair para um bar com um cara e não conseguir sentar e não falar nada, inventar algo para mudar de bar. Hoje, eu não faria isso, mas falar a verdade também é um processo.
Então, eu digo para meu público que, para mudar, a gente tem que falar sobre essa falta de acesso. Especialmente quando é um espaço público.
No verão, muitas mulheres têm vergonha de mostrar o corpo. Como você acha que elas podem se sentir mais preparadas para se libertarem disso?
No verão, as pessoas "querem se cuidar", mas o cuidado deve ser no ano todo. Por isso, não tem sentindo existir isso de "meta do verão". Para se libertar disso, é bom buscar referências. Um dos passos é seguir e interagir com gente certa nas redes sociais, por exemplo. Tem milhares de pessoas que são como nós, mulheres gordas, no Instagram, mas às vezes as mulheres não seguem essas pessoas. Só seguem as "padrões" e não se encontram. Eu acho que o melhor é viver com quem é igual a gente, para sentir que existe esse 'clã'. E se olhar. Tem gente que passa o ano inteiro e não se olha no espelho.
Para quem é gorda, quais são os passos?
Um passo de cada vez. Um short curto hoje, amanhã, um body, depois de sunga ou top. Assim, a gente vai indo. Não dá só para dizer "use". Todo mundo tem seus processos, tristezas, histórias.
*A repórter viajou para Salvador a convite da Salon Line
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