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Representatividade é negócio: elas empreenderam de olho na clientela negra

Fabiana Batista/UOL
Imagem: Fabiana Batista/UOL

Fabiana Batista

Colaboração para Universa

04/12/2019 04h00Atualizada em 04/12/2019 10h18

Bióloga, mestre em saúde pública e idealizadora da Rede Makeda, Giovane Oliveira, 45, afirma que ser afroempreendedora é mais do que apenas empreender. "Não é apenas vender, é entender que seu produto tem que mostrar alguma coisa sobre quem você é e sobre o coletivo que você representa", conta ela.

Durante 13 anos, ela trabalhou como professora de biologia em uma universidade particular e em escolas do ensino básico do Rio. Foi demitida da universidade e, no mesmo período, se demitiu das escolas para se dedicar ao doutorado. "Sou mestre em saúde pública e depois que saí de todos os trabalho comecei a fazer coisas que não tinha tempo pra fazer. Fui para a academia, fiz mochilão, estudei. Estava terminando o semestre e aconteceu um problema com o meu esôfago", conta.

A descoberta da doença em 2017 fez com que ela interrompesse o doutorado para se cuidar. Nesse intervalo, Giovane reconheceu que a doença tinha a ver com o estresse acumulado por anos de trabalho intenso e rotina pouco organizada. A alimentação sempre foi balanceada, mas ela ficou quatro anos apenas comendo o que dava. "Essa carga toda me trouxe sangramento no esofago que acarretou em uma cirurgia delicada."

Partiu então para cursos, palestras e viu que era isso que queria para a sua vida. Daí surgiu a ideia dos fitocosméticos naturais voltado para o público negro, mas não só.

Hoje, ela trabalha a partir do entendimento do autocuidado entre pessoas da comunidade negra, e por isso os fitocosméticos que produz na Rede Makeda têm a ver com o que vivenciou e aprendeu na infância. "Sou filha da Baixada Fluminense, de quintal. Cresci com plantas e por isso é muito afetivo fazer o que eu faço", diz.

Como bióloga, trabalha em todo o processo de produção e na escolha da embalagem. "A Rede Makeda começou com um incômodo meu em relação ao autocuidado e o quanto nós, mulheres negras, ficamos sós na hora de cuidar da gente."

Ela viu aí uma oportunidade. "Comecei a observar que a gente não se cuida, não temos essa prática de olhar para gente. A gente olha para o outro, mas não reflete na gente a ação."

Universa conversou com Giovane durante a Feira Crespa, evento anual que reúne empreendedores negros no Rio, no dia da Consciência Negra. A barrada dela era uma das mais cheirosas, por conta dos aromas de maracujá, pimenta e alecrim dos cremes hidratantes para o corpo, das máscaras faciais, do tônico capilar.

Feira Crespa - Fabiana Batista/UOL - Fabiana Batista/UOL
A trancista Jully Souz mostra seu trabalho
Imagem: Fabiana Batista/UOL

Também presente na feira, no centro do Rio, Jully Souz, 30, é trancista e afroempreendedora do salão de beleza Zene Afro Stile.

A barraca de Jully Souz era a primeira da fileira de dez lojinhas, uma ao lado da outra. Durante a conversa com a Universa, que durou cerca de meia hora, a trancista não deixou de atender e trançou uma mulher negra que demonstrou, durante todo o trabalho, entusiasmo e ansiedade com o resultado.

Jully é trancista há quatro anos. "Eu já fui modelo, depois fui vendedora, mas eu sempre gostei de trabalhar para mim. Assim que surgiu essa oportunidade eu fui com medo, porque eu nunca tive nada meu, mas hoje eu acho que fui muito feliz nas minhas escolhas."

Nascida em Cabo Frio (RJ), Jully está na capital há 10 anos. Ela mora sozinha, mas tem dois filhos que moram com o ex-companheiro. "Quando as pessoas perguntam qual meu objetivo de vida eu respondo que eu quero reaver a guarda. A meta é família, a gente não trabalha para ter dinheiro, a gente trabalha para ter uma família". Tanto o salão quanto os espaços que utiliza nas feiras são considerados por ela como ambientes de autocuidado e fortalecimento da população negra. Quando algumas de suas clientes chegam "para baixo", saem transformadas.

Ela conta também que estava descontente por acreditar que, diferente das pessoas ao seu redor, não tinha nenhum dom. "Comecei [a graduação em] História e larguei, comecei Design e larguei. Mas hoje quando eu vejo minhas clientes elogiando eu penso que me encontrei."

Jully é dona de um salão de beleza negra na região central do Rio chamado Zene Afro Stile, junto de um amigo barbeiro. Aprendeu a fazer tranças com duas amigas que moravam na mesma casa que ela, e a partir do momento que sentiu segurança, abriu um salão. "Eu digo que o meu trabalho me salvou de um jeito que eu vivo 24 horas por dia a minha marca. Quando não estou trabalhando eu estou pesquisando um jeito de inovar."

Sentada em um banco ao lado da barraca, as raízes soltas do cabelo da cliente se transformavam em tranças pelas mãos dela.

O recorte racial e periférico da Feira Crespa foi fundamental para o seu trabalho. Os afroempreendedores interagem entre si nas barracas. Se conhecem, conversam, fazem amizade e trocam serviços e produtos. "Entre a gente rola um escambo também, rola amizade, grupo de estudos", diz Jully.