"Atrizes temiam pela carreira", diz repórter que expôs assédio em Hollywood
Trazer à luz o que está na sombra: no ponto de vista de Jodi Kantor, repórter do jornal americano The New York Times, é esse o principal papel do jornalismo investigativo. E foi graças à clareza da missão que ela e a colega Megan Twohey conseguiram escancarar em uma reportagem casos de abuso sexual em uma das indústrias mais cheias de segredos do mundo: Hollywood.
A história por trás da reportagem, que denunciou os casos de assédio de Harvey Weinstein, um dos principais executivos do cinema americano e rendeu às jornalistas o Pulitzer, principal prêmio do jornalismo mundial, está no livro "Ela Disse - Os Bastidores da Reportagem que Impulsionou o #MeToo", que acaba de ser lançado no Brasil, pela Companhia das Letras.
Como resultado do trabalho, além da derrocada de Weinstein, as jornalistas assistiram à explosão do #MeToo, movimento de denúncia de casos de assédio sexual e abuso sexual em diversos setores que tomou proporções mundiais. Mas convencer estrelas do cinema a contarem oficialmente suas histórias não foi fácil. Enfrentar magnatas do mercado também não.
A reportagem que deu o pontapé inicial para uma série de outras sobre abusos praticados por homens poderosos, publicada em outubro de 2017, tratava do produtor Harvey Weinstein. Nela, diferentes mulheres, como a atriz Ashley Judd e Emily Nestor (sua antiga funcionária), acusavam o responsável por filmes consagrados, como "Shakespeare Apaixonado" e "Pulp Fiction", de se aproveitar do seu poder na indústria para assediar e abusar sexualmente de atrizes. Ele também tinha a seu favor uma rede antiga e eficiente de advogados que comprava o silêncio das vítimas em troca de pagamentos. Apesar de o comportamento de Weinstein ser conhecido nos bastidores da indústria do cinema, reunir material suficiente para comprovar as denúncias levou tempo.
No livro, as jornalistas dão detalhes de como nasceu a ideia da reportagem e as barreiras que enfrentaram antes de tornarem públicas as denúncias. "Relatar essa história era algo empoderador. Desde o início ficou claro que esta era a coisa a certa a fazer", diz Jodi em entrevista para Universa.
No livro, as profissionais contam que não foram as primeiras a tentar denunciar Weinstein por abusos e que chegaram a ser espionadas por uma empresa que tinha como missão atrapalhar e até impedir a divulgação das informações. Apesar disso, Jodi garante que não sentiu medo: "Estávamos mais preocupadas com as supostas vítimas do que conosco. Somos repórteres investigativas, escolhemos fazer isso. Confrontar os poderosos é o que nos faz levantar de manhã", diz.
Quando questionada sobre as particularidades de Hollywood, a jornalista afirma que não foi fácil chegar até as atrizes que trabalharam com Weinstein. Conforme relatado no livro, a maior parte delas só costuma ser abordada por intermédio de empresários ou assessores de imprensa —que sempre filtram o que pode ou não ser divulgado a respeito delas. Mas, para conseguirem os relatos que estavam buscando, as jornalistas não podiam tomar o rumo convencional.
"No começo, não fazíamos ideia de como alcançar as estrelas de cinema. Como conseguiríamos, por exemplo, o telefone pessoal de Salma Hayek?", lembra Jodi ao citar a atriz e produtora mexicana indicada ao Oscar pelo filme "Frida", que também denunciou publicamente o produtor.
Apesar disso, na opinião de Jodi, o mesmo fator que impedia as atrizes famosas de falarem sobre os traumas do passado é o que dificulta que mulheres do mundo todo denunciem casos de abusos, ainda que elas não sejam figuras públicas: o medo. "Especificamente o medo de perderem a carreira. As pessoas pensam que essas histórias são sobre sexo, mas geralmente são sobre trabalho", diz a jornalista.
Ela acredita que as denúncias tomaram grandes proporções por chegarem ao cerne dos abusos sexuais: "Quem está protegendo os poderosos e quem está protegendo os mais vulneráveis?". Mas não esconde a surpresa que teve ao perceber o tamanho que o movimento #MeToo atingiu. "É impressionante. Eu e Megan ainda não conseguimos acompanhar as histórias de mulheres de todo o mundo. Até saber que o livro foi publicado no Brasil, por exemplo, nos surpreende. Estamos felizes de podermos finalmente contar o que aconteceu nos bastidores".
De todo o processo, o que mais traz orgulho à jornalista é ter mostrado que as mulheres podem ser protegidas com a ajuda do jornalismo e da exposição dos fatos. "Não podemos resolver um problema se ele estiver oculto. Nossa missão como jornalistas é ajudar todos a enxergarem questões deste tipo."
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