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A Lurdes da vida real: com cinco filhos, ela diz que ser mãe é dar exemplo

Com filhos e nora, numa das reuniões dos escoteiros: sempre juntos - Arquivo pessoal
Com filhos e nora, numa das reuniões dos escoteiros: sempre juntos Imagem: Arquivo pessoal

Christiane Ferreira

Colaboração para Universa

16/12/2019 04h00

A trajetória da faxineira Ana Paula de Almeida, 50 anos, tem muitas semelhanças com a vida da personagem Lurdes, vivida pela atriz Regina Casé na trama Amor de Mãe, criada e escrita por Manuela Dias e com direção artística de José Luiz Villamarim. Na trama, Lurdes saiu do Rio Grande do Norte e é mãe de cinco filhos — um deles desaparecido após ser vendido pelo pai e outra adotiva.

Ao longo da novela, ela luta para defender seus filhos e tem como meta de vida encontrar o que está desaparecido. Todos os filhos de Lurdes a admiram. Todos os filhos de Paula também a admiram. Ela é mãe de Matheus, 28 anos; Leonardo, 25 anos; Enzo, 16 anos; Paula, 15 anos; e Chiara, 9 anos. São tão unidos que os seis fazem parte do movimento escoteiro na Baixada Santista, litoral de São Paulo.

Como diversas mulheres brasileiras, Paula contou com pouco ou quase nenhum apoio emocional dos pais das crianças. Em alguns momentos, faltou ajuda financeira. Conheceu a maternidade aos 21 anos e conta que teve de aprender a ser mãe. E assim o faz até hoje, demonstrando por meio do exemplo que é possível sim criar cidadãos de bem em meio às adversidades da vida. A seguir, leia o depoimento dela para Universa.

"Quando engravidei do Matheus, eu e o pai dele éramos namorados, novos e imaturos. Durante a gravidez, ele ficou ao meu lado, mas depois que o bebê nasceu perguntei o que iríamos fazer, já que cada um morava na casa dos seus respectivos pais. Ele respondeu que ia pensar. Com um bebê de quatro meses minha vida precisava caminhar e contei com o apoio dos meus pais e da minha tia.

Decidi ficar com a minha família e fui trabalhar na parte administrativa de um sindicato. Enquanto eu estava no trabalho meus pais ficavam com o Matheus, até ele crescer um pouco mais e ir à escola. Entrei na Justiça para requerer a pensão.

Três anos depois, encontrei o pai do Leonardo. Namoramos, casamos. Ele gostava muito do Matheus e engravidei. No entanto, ele se tornou muito violento. Me agrediu a primeira vez, a segunda. Na época, Leonardo tinha 2 anos. Não houve a terceira agressão porque eu pedi o divórcio e terminei efetivamente. Ele chegou a segurar as duas crianças nos braços, mas eu disse que os filhos eram meus e que sairia dali com os dois. Depois desse dia, nunca mais o vi.

Voltei para a casa dos meus pais novamente. Foi um período bem complicado: levava à escola, médico, chegava do trabalho e fazia lição. Leonardo não conseguia se expressar e teve acompanhamento com fonoaudióloga. Além disso, tinha infecções de garganta recorrentes. O pai dele sempre pagou a pensão. Nessa época, eu trabalhava como recepcionista em uma imobiliária.

A logística da vida era bem atribulada, não tinha muitos recursos e o dinheiro era contado. Apesar da ajuda que meus pais me davam, a cobrança maior é sempre em cima da mãe. Não importa se o pai é ausente ou presente, se der alguma coisa errada, a culpa é nossa. Escutei isso muitas vezes. A mãe que bota para frente, quando eles choram é a mãe que ampara. Nunca me esquivei de nada, sempre estive lá ao lado deles.

Dez anos depois, conheci o pai do Enzo, da Paula e da Chiara. Estávamos separados e nos envolvemos. Ele tinha feito vasectomia, mas depois de um tempo descobri que estava grávida.

Enzo nasceu em junho de 2003 e Paula, em 2004. Até hoje eles são muito ligados. Fiquei com o pai deles por dez anos. Ele me deu toda a condição para eu parar de trabalhar e ficar em casa cuidando das crianças. E assim estreitei meus laços com meus filhos. Como tinha carro, os levava para cima e para baixo. Nessa época eles já eram escoteiros e minha casa estava sempre cheia de molecada, era o point de todos os amigos.

O ritmo era bem intenso com a rotina de fazer comida, cuidar da casa, levá-los para a escola. Em 2009 decidimos nos mudar para São Paulo; os dois mais velhos ficaram em Santos com meus pais. Foram seis meses difíceis e logo depois fiquei grávida da Chiara. Descobri uma traição um tempo depois e um dia decidi voltar para Santos e ficar com a minha família.

Paula, como quatro dos cinco filhos - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Com os filhos, muito unidos
Imagem: Arquivo Pessoal

Nesse período, a coisa ficou punk. A gente ficou vivendo de migalhas até que as coisas se acertassem na Justiça. Fiz pré-natal pelo SUS, consegui enxoval por meio do Fundo Social de Solidariedade e contava com a ajuda da família e dos amigos para nosso sustento.

Com 33 semanas de gestação da Chiara, fui ao médico e falei: "essa menina precisa nascer hoje, pois precisava voltar a trabalhar". Esperei uma semana e ela nasceu. Arrumei emprego três meses depois e fiquei morando na casa dos meus pais por dois anos e meio. Nessa época, o Leonardo ficou em segundo lugar em um concurso na cidade e ganhou uma viagem para a Espanha. Corri atrás de tudo sozinha: passaporte, euro, o pai dele deu apenas a autorização para a viagem.

Passei em um concurso público e me tornei inspetora de alunos. Com mais estabilidade financeira, aluguei um apartamento. Hoje meus dois filhos mais velhos já são independentes. Apesar da minha pouca maturidade e experiência, consegui criá-los fazendo com que não repetissem os mesmos erros que eu. Sempre os incentivei a estudar e a focar em seus objetivos. Apesar de tudo, consegui que se tornassem pessoas de bem e que não se aventurassem por outros caminhos. Ser mãe é um trabalho árduo, incansável. Mesmo Matheus e Leonardo não morando mais comigo, vou me preocupar para sempre.

Tive literalmente de aprender a ser mãe. Hoje eles são meus companheiros. É uma mistura de sentimentos. Sustento a minha família fazendo faxina, pois exonerei do Estado — não estava bem mentalmente por conta da violência.

Há seis anos o movimento escoteiro, que foi fundamental para os meus filhos, também me acolheu. Hoje tento retribuir um pouco do que recebi sendo chefe da Alcateia. O escotismo transmitiu bons valores, mas de nada adianta se não dermos o exemplo em casa. Ser mãe é isso."