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Drag queens relatam homofobia de motoristas de app: "Já me deixaram na rua"

Palloma Maremoto viu motorista acelerar após vê-la - Arquivo Pessoal
Palloma Maremoto viu motorista acelerar após vê-la Imagem: Arquivo Pessoal

Natália Eiras

De Universa

17/12/2019 04h00Atualizada em 17/12/2019 10h44

Nos cinco anos em que se apresenta como drag queen, Palloma Maremoto, 36, do Rio de Janeiro, já teve que lidar com muitos comentários passivos-agressivos e olhares julgadores quando, já montada para o show, pegava carros por aplicativos como o Uber e 99. Na semana passada, porém, ela foi abandonada na rua.

"O motorista se recusou a me pegar montada junto do meu marido. Quando nos viu chegando no carro, ele arrancou, mesmo eu correndo com a mão presa na porta", contou ela em um post em seu Facebook. Infelizmente, Palloma não é a única a passar por esse tipo de situação. Artistas drag queen, que usam maquiagem e peruca para simular uma figura ultrafeminina em performances, dizem que é comum motoristas de aplicativo não pararem ou cancelarem corridas ao vê-los montados.

Rowenna Sly, 22, de Fortaleza, já se viu abandonada pelo prestador de serviço pelo menos nove vezes desde que começou a se apresentar, em 2016. "Eu e minhas amigas já tivemos que correr de saltos altíssimos de uma esquina até outra atrás de um uber", diz.

De acordo com as performers, os motoristas costumam argumentar que a maquiagem usada por elas poderiam sujar o carro. "Uma vez, um deles disse que, caso eu sujasse o carro de glitter, eu ia ter que pagar uma taxa. Mas eu estava usando glitter apenas nos olhos naquele dia." Moradora do Rio, ela nunca passou por isso durante o Carnaval, quando a purpurina rola solta na cidade. "É só quando estou montada."

Rowenna lembra que maquiagem de drag é feita para durar a noite toda. "Não vamos esfregar o rosto no banco do carro", complementa.

Mas ser abandonada não foi a situação mais grave que a performer de Fortaleza já passou: ela já ouviu perguntas inadequadas de motoristas. "Eles acham que somos garotas de programa e fazem brincadeiras indecentes. Além de um deles ter passado a mão 'acidentalmente' na minha perna", diz.

Rowenna Sly, 22, já ouviu perguntas indecentes enquanto fazia corrida até show - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Rowenna Sly, 22, já ouviu perguntas indecentes enquanto fazia corrida até show
Imagem: Arquivo Pessoal

Homofobia?

Para as performers, a reação dos motoristas se enquadra em crime de homofobia e transfobia. "Não tem outra explicação. Por mais que eu seja uma mulher cisgênera, quando estou montada ele não sabe se eu sou homem, mulher ou uma trans", diz Palloma. "Eles normalmente não sabem o que é uma drag queen. Acham que somos transgêneros ou travestis e, como são acostumados a sempre diminuir essas pessoas, repetem o mesmo conosco", afirma Rowenna.

Para evitar situações constrangedoras ou ameaçadoras, as artistas tomam alguns cuidados antes de chamar um carro, como avisar que estão montadas. "Eu medito e tento sempre que possível não trocar conversa. Eu me sinto mais segura de drag quando tem uma mulher dirigindo e sempre ando com as minhas amigas. Nunca pego um carro sozinha", fala Rowenna. Palloma, por sua vez, está tentando outras alternativas. "Tenho pego mais táxi, mas o comportamento de muitos deles também é problemático."

O que as empresas dizem

Tanto Rowenna como Palloma disseram que reportaram para os aplicativos de transporte as corridas canceladas. "Mas a resposta é sempre um robô padrão. É desanimador", fala a carioca. No caso do assédio, Rowenna teve uma resposta mais satisfatória. "Eles pediram desculpas e me deram créditos dentro da plataforma." A performer considerou a medida muito branda.

Universa entrou em contato com a assessoria de imprensa da 99 e da Uber. Em nota oficial, a primeira empresa diz que "repudia veementemente qualquer tipo de discriminação na plataforma". A 99 afirma ainda que, em seus termos de uso, "ressalta que motoristas não podem discriminar ou selecionar passageiros por quaisquer motivos", além de promover cursos online e presenciais aos motoristas com foco em diversidade e cidadania. A empresa declara, ainda, que "em relação à sujeira, a 99 informa que motoristas que tenham vivenciado esse tipo de situação entrem em contato com a central de atendimento. A equipe fará uma análise e informará os procedimentos para reembolso da limpeza."

A Uber disse, em nota, que "o preconceito deve ser combatido" e que "definitivamente esta não é a experiência que a Uber deseja oferecer a seus usuários". Para evitar este tipo de comportamento, a empresa diz fornecer "diversos materiais informativos a motoristas parceiros sobre como tratar cada usuário com cordialidade e respeito", além de "frequentemente realizar campanhas em favor da diversidade e do respeito como forma de conscientizar usuários, motoristas parceiros e a sociedade em geral". Caso um usuário sentir que o tratamento dado pelo parceiro não foi respeitoso, a empresa orienta que a pessoa reporte o incidente à Uber para que as medidas necessárias sejam tomadas.