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O que é misoginia? Veja como pensam homens que odeiam mulheres

A misoginia é uma forma de violência - iStock
A misoginia é uma forma de violência Imagem: iStock

Heloísa Noronha

Colaboração para Universa

20/12/2019 04h00

A misoginia, de acordo com especialistas, é mais nefasta e perigosa do que o machismo. Enquanto os machistas acreditam que a mulher é inferior ao homem em aspectos físicos, culturais e intelectuais, por exemplo, os misóginos declaradamente odeiam a mulher — não só uma específica, fonte de origem de tanta raiva, como todas as demais. A palavra misoginia vem do idioma grego e significa, literalmente, repulsa e aversão à figura feminina.

E, embora seja tão limitante e repressora quanto o machismo, a misoginia sobe o tom quando o assunto é violência. Para descarregar tanto rancor e ressentimento, existem misóginos que investem em válvulas de escape criminosas, como o estupro — não é desejo sexual o que certos estupradores sentem por suas vítimas, mas desprezo.

Alguns, inclusive, violentam lésbicas como forma de "correção" — há estudiosos que acreditam que a misoginia, em certos sujeitos, só se aplica às mulheres que não correspondem a um ideal do que, para eles, significa ser mulher. Exemplos? Ser boa mãe ou ter um estilo de se vestir nitidamente feminino. "A misoginia é mais incisiva porque, além do preconceito, existe o ódio e o desprezo total em relação as mulheres, incluindo exclusão social, discriminação sexual, violência física e psicológica", observa a psicanalista Cristiane M. Maluf Martin, de São Paulo (SP).

É válido ressaltar que as redes sociais e seu suposto anonimato ajudou a proliferar a misoginia nos dias de hoje. O fato de se esconderem atrás de uma tela e um pseudônimo favorece o comportamento de maus tratos e ofensas às mulheres, que para os misóginos proporciona um grande prazer. "Ferir o sentimento das mulheres causa um tamanho bem-estar a ponto de o cérebro liberar dopamina, o neurotransmissor do prazer, levando à repetição desse comportamento", explica Cristiane.

Como a maioria das condutas que assumimos na vida, a misoginia pode começar a dar as caras logo na primeira infância, faixa etária que vai do nascimento até os seis primeiros anos de idade. "Homens misóginos aprenderam os comportamentos misóginos com a família de origem, a partir de uma percepção de que terão algum ganho sendo o que são e de que estão evitando alguma situação de medo ou sentindo que se defendem de algo, mesmo que não saibam de que se trata. Assim, passam a ter reações emocionais e irracionais. Isso não deve ser usado para desculpar esse comportamento, ao contrário, deve apontar a responsabilidade do adulto sobre o que aprendeu na infância", comenta o terapeuta sexual Oswaldo Martins Rodrigues Jr., diretor do Instituto Paulista de Sexualidade (Inpasex).

Geralmente o problema também é decorrente da fase de construção da identidade masculina e costuma ser um resquício da dificuldade de elaboração dos sentimentos ambíguos de amor e ódio em relação às figuras parentais. De acordo com Cristiane, a raiva inconsciente pode ser resultado de traumas psicológicos e/ou maus tratos na infância causados por mães, avós ou irmãs mais velhas muito violentas. "Esse sofrimento vai causando uma frustração pela idealização dessas figuras que deveriam ser protetoras e acolhedoras", conta. "Ser misógino é uma característica pessoal, que possui as suas bases no aparelho mental, na sua esfera inconsciente. Ela também pode ser provocada por uma desilusão significativa por alguma figura feminina que o homem, na infância, conhecesse e confiasse. Relações abusivas familiares tanto masculinas ou femininas e/ou envolvendo negligência também criam um caráter misógino", endossa Alexandre Bez, psicólogo especializado em relacionamentos, de São Paulo (SP).

Insegurança em relação à própria masculinidade

Para alguns homens, a misoginia costuma funcionar como um escudo (nem sempre consciente) que os ajuda a esconder dúvidas ou problemas em relação à própria masculinidade. Nesses casos, segundo Osvaldo, a raiva e as agressões físicas ou verbais funcionam como uma demonstração de poder ou de aparência de um papel masculino que esses sujeitos aprenderam que deveriam impor socialmente. "Ser masculino, em nossa cultura, exige ações quase desesperadas para impor o reconhecimento social. Os homens cobram uns dos outros atitudes agressivas como forma de representação da identidade masculina", observa o sexólogo.

É importante dizer que a violência misógina se mostra de várias maneiras. O tipo menos visível é a imposição de subordinação econômica, quando o homem, por ganhar mais ou ser o único provedor financeiro da casa, dita as regras para a mulher e até para os filhos, que têm medo de se manifestarem contra seus mandos e desmandos.

Há misóginos muito difíceis de reconhecimento, já que muitos se escondem sob a casca de "pai de família" ou "cidadão de bem". "Muitos são dissimulados, do tipo que agem com extrema sedução no início de um relacionamento amoroso. Porém, aos poucos, vão criando normas, desqualificando a parceira, manipulando, exige que ela se afaste dos amigos e familiares..,", descreve Cristiane, que destaca que as mulheres mais frágeis e inseguras, com baixa autoestima, costumam ser os alvos mais fáceis. As assertivas dificultam a agressão misógina.

Segundo Alexandre, outras "bandeiras" da misoginia são a competição com as mulheres, quando o homem sempre quer levar a melhor e ainda humilhar e rebaixar a "oponente", e a clara verbalização da preferência à classe masculina em detrimento da feminina. "Dessa maneira, projetam nelas todas as frustrações pessoais e sexuais. A hostilidade pode se estender a todas as mulheres, em geral, mas isso depende do nível do 'frenesi' psicológico do misógino. Entretanto, sempre há uma estreita ligação com aquela mulher que, na infância, despertou toda a sua ira. Através de um processo de associação inconsciente ele irá descarregar todo o seu ódio nessa que é o seu principal protótipo", informa o especialista.

Feminismo trouxe assunto à tona

Na opinião de Oswaldo, a quarta onda do feminismo ajudou a descrever o comportamento misógino e o aplicou a situações cotidianas, antes desconsideradas pela sociedade. "Assim, houve um crescimento de reconhecimento de padrões masculinos misóginos, quando antes eram naturalizados, como ainda o são nos âmbitos sociais machistas", observa. Na ótica de Alexandre, todavia, movimentos de empoderamento feminino pessoal só elevam ainda mais o ódio desses agressores de mulheres, mesmo os passivos - que não agem, concretamente, mas pensam e sentem.

O ser humano sempre pode modificar atitudes e comportamentos, o que nos leva a acreditar que a misoginia pode, sim, ser combatida e até excluída. Porém, as pessoas envolvidas precisam desejar mudar. Oswaldo Rodrigues argumenta que ao detectarmos um homem misógino devemos olhar as pessoas ao redor que também o mantêm misógino - ou seja, todo o círculo requer mudanças. O processo, em alguns casos, é familiar e exige muitos meses de intervenção psicoterápica. Conforme o nível de misoginia, no entanto, não há mudança efetiva. "O caráter já foi adquirido nas etapas de formação psicológica. E devemos lembrar que muitos psicopatas são misóginos", pontua Alexandre.

Para Ana Maria Fonseca Zampieri, mestre em Psicologia Clínica pela PUC‑SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo) e autora de "Erotismo, Sexualidade, Casamento e Infidelidade" (Editora Ágora), "a misoginia é uma enfermidade sócio-histórica adquirida transgeracionalmente dentro da 'placenta social' que é a família. "E, infelizmente, é aumentada nos vários âmbitos de nossa sociedade. Em alguns casos mais extremos, é sinônimo de uma 'licença cultural' para maltratar e até matar mulheres", declara. Conforme o ponto de vista de Ana Maria, a misoginia pode ser tratada, sim, na revisão de crenças limitantes e reducionistas dos seres humanos em suas complexidades e dentro especialmente das famílias e das escolas através de políticas públicas de educação e até de saúde.