Bar construído e liderado por mulheres quer ser espaço de resistência em BH
Um bar que se propõe a ser mais que um bar mas também um espaço cultural de resistência feminista e LGBT.
Essa é a proposta do Yanã Bar, aberto por duas mulheres no bairro Santa Efigênia, em Belo Horizonte, há seis meses, e cujo ativismo parece perpassar todas as etapas de desenvolvimento do espaço: além das sócias, também foram mulheres que construíram o local e são elas que o conduzem no dia a dia de uma cidade notadamente focada na cultura botequeira.
Com as duas sócias do local, a reportagem de Universa conversou sobre os desafios enfrentados não apenas para colocar o boteco em pé como para mantê-lo com uma proposta que não é exatamente uma unanimidade no Brasil de 2020.
Eleição como combustível
Lésbicas e ativistas da causa feminista, as duas sócias, Ana dos Anjos Camarano, 28, e Ana Carolina Pacheco, 30, já haviam trabalhado juntas em outro bar da capital mineira. Camarano conta que o clima polarizado das eleições de 2018 e os discursos de ódio contra LGBTs e mulheres impulsionaram o desejo de criar um espaço de acolhida -sem perder as características de um bar focado em aperitivos e drinques.
"Eu e Ana sentimos a necessidade de ter um espaço em que também pudéssemos respirar e dizer o óbvio: 'A gente existe e tem direitos'. Com essa inquietação, saímos do bar em que atuávamos e começamos a montar o Yanã."
O recorte do boteco não foi algo que emergiu de imediato. As duas levaram em conta que esse o mercado de bares ainda muito precário quando se fala de equidade de gêneros e de oportunidades e pensaram em como seria possível dar mais espaço para mulheres nessa área. "Nada melhor, pensamos, que um bar de mulheres, construído e conduzido, em todas as etapas de funcionamento, por mulheres", diz Camarano.
Pedreira, eletricista, mestre de obras. Todas mulheres
A decisão, no entanto, não seria fácil de executar: foi preciso recorrer a muitos grupos de mulheres no WhatsApp para encontrar, por exemplo, uma mestre de obras. "Por ali, as amigas foram me indicando eletricista, pedreira, cortadora, mixologista [especialista em coquetéis]... Mesmo as cervejas que vendemos vêm de uma microcervejaria tocada por uma mulher", explica a sócia.
A decisão por empregar também lésbicas e uma transexual no grupo de cinco funcionárias reforçaria a proposta do bar, completada com uma mistura de gêneros musicais que fazem do Yanã também um espaço cultural.
"Optamos, por exemplo, por uma variada gama de estilos musicais no espaço. Por que lésbica tem que gostar necessariamente de MPB, e gay, de pop? O rótulo é importante porque precisamos nos aglomerar em guetos para ter nossos direitos reconhecidos, mas também temos que nos sentir livres para expressar afetos da forma como quisermos -em meio a samba, forró, rock, MPB", diz. "E com bandas ou exposições artísticas preferencialmente lideradas por mulheres."
Homofobia em show do Queen
Apesar da temática, o bar, garantem as sócias, é frequentado também por homens. "Todos são bem-vindos porque a proposta não é dividir, mas unir. E nunca tivemos nenhum contratempo por isso", diz Ana Camarano.
Indagada se já passou por um episódio de homofobia, Ana conta uma história inusitada. "Eu estava em um show cover do Queen, anos atrás, e dei um beijo na minha namorada. Nesse momento, jogaram uma taça em mim. Me senti péssima, de mãos atadas, impotente mesmo. Será que quem fez isso pensou sobre quem foi o [vocalista da banda Queen] Freddie Mercury?", indaga.
Sobre a rotina do bar, Ana Carolina conta que o desafio é a atenção constante a todos os detalhes. "Temos que estar atentas ao público. Já fui questionada, por exemplo, se o bar tinha preconceito com homem por ser um espaço todo comandado por mulheres."
As sócias esperam que o bar sirva de inspiração para outros empreendimentos. "Que essa pequena mudança possa inspirar outros lugares a contratar mais mulheres, sejam elas héteros, lésbicas, cis, trans, e que haja força para resistir a despeito de toda adversidade", diz Ana Carolina.
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