Quem são as quadrinistas que retratam realidades femininas em HQs
Com caneta e bloquinho de desenho nas mãos e muitas perguntas na cabeça, a jornalista e quadrinista Carol Ito, 27, entrou em um presídio no Espírito Santo para ouvir presos condenados pela Lei Maria da Penha. Sem fotos ou vídeos, ela transformou as entrevistas que fez durante uma tarde em uma reportagem em quadrinhos sobre violência contra mulheres segundo os agressores.
"A ideia da matéria era mostrar o que os presos pensavam sobre os crimes que cometeram e o que achavam das leis", conta Carol, uma das pioneiras a enveredar pelo gênero no país.
O formato ganhou fama na primeira metade da década de 1990, quando o jornalista Joe Sacco retratou em quadrinhos o cotidiano por trás dos conflitos no Oriente Médio. O formato fez sucesso e ganhou prêmios, mas até hoje a maior parte da produção mundial é assinada por homens.
No Brasil, uma geração de mulheres jovens apaixonadas por HQ's estão apostando na simplicidade da narrativa gráfica para tratar de assuntos como violência contra as mulheres, prostituição e aborto.
Se para o público a leitura pode ficar mais fácil, por outro lado, o formato exige esforço maior na produção.
O interesse de Carol pelo formato começou ainda na faculdade. Em seu trabalho de conclusão de curso, em 2015, ela usou a linguagem das HQ's para retratar a vida no Vale do Jequitinhonha, no nordeste de Minas Gerais. Ela conta ter passado 15 dias na região em que o cenário é pobreza e seca. O traço da HQ deu vida ao cenário.
Já Cecília Marins, 22, escolheu a prostituição para ser objeto de seus quadrinhos. A ideia nasceu na faculdade, em 2017. "Na época estava em debate a regulamentação da prostituição", explica a autora.
Daí nasceu o livro "Parque das Luzes", sobre a prostituição no Parque da Luz -o mais antigo da capital paulista- a narrativa em desenhos foi imprescindível. Entre os vários obstáculos para tratar do tema estava o fato de que nenhuma das personagens queria se expor ou dar entrevistas.
O livro foi possível com o apoio da ONG Mulheres da Luz, sediada dentro do parque. E com uma condição: nada de gravadores ou câmeras -o que abriu espaço para desenho, lápis e caneta.
"Queria entender como essas mulheres, objetificadas pela sociedade, depositórios de nossos estereótipos, se relacionam com a prostituição", conta. Durante quase um ano, Cecília ouviu diversas mulheres, mas teve que percorrer um longo caminho até conseguir as entrevistas. "Ficava na sede da ONG desenhando até que algumas se aproximavam para conversar."
Aborto, assédio, cinema pornô
Outra mulher tem se destacado com uma farta produção de reportagens em quadrinhos sobre temas espinhosos é Helô D'Angelo, 25. Ela conta que queria muito trabalhar com HQ e uniu o desejo ao jornalismo.
"Escolhi temas complicados porque rendem HQ's mais legais", diz Helô. A reportagem em quadrinhos "Quatro Marias" (quatromarias.com) foi seu primeiro trabalho e trata de diferentes realidades do aborto no Brasil.
Para ela, o uso da linguagem dos quadrinhos se justifica sobretudo quando o recurso de imagem é limitado. "Não dava para fotografar as personagens, então eu inventei um rosto para elas."
Já Gabriela Güllich, 21, usou os quadrinhos para retratar a realidade de mulheres trabalhadoras de assentamentos destinados à agricultura familiar.
No final de 2019, ela lançou seu segundo trabalho, o livro "São Francisco", que mistura jornalismo, HQ e fotografia, em parceria com o fotógrafo João Velozo. "A narrativa passa por três questões: a água, a seca e a transposição", explica a autora. O projeto, segundo ela, é resultado de viagens que a dupla fez por cidades nos estados de Pernambuco, Bahia e Paraíba.
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