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SP: Rapaz relata ataque sofrido em terminal e acusa ambulante de homofobia

O assessor de eventos Lucas Trindade, 24 anos, foi agredido na lateral do corpo por um homem armado com um bastão de madeira e pregos; segundo o rapaz, a motivação teria sido por homofobia - Acervo Pessoal
O assessor de eventos Lucas Trindade, 24 anos, foi agredido na lateral do corpo por um homem armado com um bastão de madeira e pregos; segundo o rapaz, a motivação teria sido por homofobia Imagem: Acervo Pessoal

Juliana Arreguy

De Universa, em São Paulo

13/01/2020 22h38Atualizada em 20/07/2022 20h51

Lucas Trindade, 24 anos, havia deixado uma festa na madrugada de ontem e aguardava seu ônibus no terminal do Capão Redondo, em São Paulo, com planos de ir para casa descansar quando um ataque mudou tudo: ele passou o restante da manhã em uma UPA (Unidade de Pronto Atendimento) com picos de febre e tomando vacina antitetânica. Ele e o namorado afirmam ter sido vítimas de homofobia e acusam de agressão um homem que portava uma madeira com pregos. Agora, o casal busca a resolução do caso na Justiça.

Procurada pelo UOL, a assessoria da EMTU (Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos de São Paulo), responsável pelo terminal onde ocorreu a agressão, afirmou que companhia repudia atitudes homofóbicas e que nenhum funcionário esteve envolvido na ocorrência. Ainda, acrescentou que acompanhará a apuração do incidente.

Por volta de 6h30, o assessor de eventos Lucas e seu namorado Caio Costa, 19, estavam em uma plataforma do terminal aguardando em fila para entrar no ônibus quando deram um selinho. Ao UOL, Lucas contou que eles foram surpreendidos por um vendedor ambulante de bebidas e doces que estava no local, sentado no banco do fiscal de ônibus.

"Isso é uma falta de respeito, vocês estão desrespeitando os outros da fila", teria dito o homem, de acordo com o boletim de ocorrência feito pelos rapazes.

Diante da acusação, o rapaz disse ter questionado se as outras pessoas da fila estariam incomodadas, recebendo "não" como resposta. "Sabe aquele selinho bem mixuruca?", contou ele, indignado. "Mal nos encostamos, não foi nada."

O homem, ainda segundo o boletim, levantou fazendo sinal de arma com as mãos e dizendo: "Vocês são veados e merecem morrer."

"Vocês estão desrespeitando a todos, eu moro no Tereza (bairro Jardim Santa Tereza, em São Paulo) e vou achar vocês", continuou, conforme registrado no documento.

"Discutimos com ele, que aquilo não ia impactar a vida dele. Ele só falava que aquilo era safadeza e começou a nos ameaçar", disse Lucas.

O vendedor, segundo o relato, deixou o local e seguiu em direção aos fiscais do terminal, chegando a conversar com eles. Pouco depois, retornou com um pedaço de madeira em mãos, com pregos espalhados pelas pontas. Quem o viu chegar foi Caio, já que o namorado estava de costas. O tempo de gritar, disse Lucas, rendeu a ele a chance de reagir.

"Lutei kung fu por quinze anos, então assim que ele me acertou eu consegui desarmar ele", relatou. A madeira alcançou a lateral do corpo, ferindo o abdômen de Lucas. "Não faço ideia de onde ele tirou a madeira, não tinha nada de madeira ali".

Caio teria corrido para apartar a briga entre os dois, que lutavam no chão. Os seguranças, de acordo com o assessor de eventos, apareceram só então. Teriam retirado o agressor dali e o colocado atrás dos funcionários, questionando se o ambulante passava bem.

"Não me perguntaram se eu precisava de nada, se eu precisava de uma ambulância. Eu, que fui agredido, que estava sangrando. O próprio terminal não deu respaldo algum, precisei ir ao hospital por conta própria", lamentou.

O caso foi registrado na Decradi (Delegacia de Polícia de Repressão aos Crimes Raciais e Delitos de Intolerância), ligada ao DHPP (Divisão de Proteção à Pessoa do Departamento Estadual de Homicídios e de Proteção à Pessoa), como lesão corporal e preconceito de raça ou de cor — atos homofóbicos podem ser enquadrados no mesmo código que o crime de racismo.

O advogado de Lucas, José Beraldo, busca a identificação do agressor para processá-lo por tentativa de homicídio com requintes de crueldade, além de homofobia.

Eles também devem entrar com ação judicial por danos materiais e morais contra o metrô e o Estado pela ausência de socorro; segundo as vítimas, o homem se encontrava em uma área restrita, por trás da catraca, para o qual é necessário pagar para entrar.

Em nota, a EMTU confirmou a agressão e disse que acompanhará os desdobramentos. A empresa nega envolvimento de funcionários na briga.

"A EMTU /SP repudia atitudes homofóbicas e tem realizado, juntamente com as empresas operadoras, campanhas para combater o preconceito. Segundo relato do Consórcio Intervias, responsável pela operação das linhas metropolitanas no Terminal Capão Redondo, na manhã deste domingo (12) um vendedor ambulante que trabalhava no Terminal de ônibus, ao lado do Terminal do Metrô, agrediu um casal homossexual e houve revide de um dos rapazes. Não houve funcionário da EMTU/SP envolvido na ocorrência citada. A empresa vai acompanhar a apuração do fato", diz o texto.

"Ele não esperava que a pessoa fosse reagir"

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O assessor de eventos, Lucas Trindade, 24 anos, foi vítima de agressão no terminal do Capão Redondo, em São Paulo. Ele alega se tratar um crime de homofobia
Imagem: Arquivo Pessoal

Dois anos após ter largado a luta, parando na faixa azul com ponta preta, Lucas disse que a luta o ajudou a sobreviver. Em desabafo feito em sua página no Facebook, ele afirmou: "Sempre vai ter um homofóbico esperando para te matar se você permitir que ele te mate."

"Ele não esperava que eu fosse reagir. Achava que eu ia apanhar até, mas não esperava que eu soubesse desarmar. Tanto ele quanto as pessoas ao redor, acho que se assustaram com aquilo", contou.

Os planos para o domingo, enquanto retornava de uma festa, incluíam ir para casa tomar um banho e descansar antes de seguir para o trabalho. Assessor de eventos, ele tinha uma festa de casamento para realizar.

Mas após ter ficado no hospital entre 8h e 10h30 da manhã, disse ter ficado inquieto o tempo todo. "Só pude fazer o boletim de ocorrência hoje, porque não deu tempo".

Passado um dia da agressão, Lucas não se conforma com o que pode ter motivado o ambulante a reagir: "E se ele tivesse acertado minha cabeça? Quantos mais vão passar por ali, sem segurança nem nada, correndo o risco de serem agredidos de graça?"

"Acho que as feridas no meu corpo vão se curar, mas o psicológico não vai ser o mesmo. Nunca mais vou andar na rua com meu namorado sem a sensação de que tem alguém olhando, pronto para vir nos agredir. É triste, mas temos de lutar", completou.