Rízia Cerqueira, ex-BBB: "Falta gente de corpo fora do padrão nesta edição"
A jornalista Rízia Cerqueira participou da última edição do Big Brother Brasil, o BBB 19, em que várias questões sociais borbulharam e fizeram o país debater sobre preconceitos e direitos de minorias.
Pessoas gordas, LGBTs, feministas, negras e de baixa renda provocaram discussões dentro e fora da casa; um caso de intolerância religiosa e racismo envolvendo a vencedora da edição, Paula Von Sperling, foi parar na Justiça (e posteriormente arquivado). Ela mesma era uma voz de representatividade: mulher, negra, gorda e nordestina, de São Miguel dos Campos (AL).
Por tantas problemáticas suscitadas dentro do reality, conta Rízia, a edição ficou conhecida como a mais "mimizenta" da história dos BBBs. É que parte dos participantes abordava assuntos que têm ganhado espaço em embates sociais.
"Recebo mensagens até hoje dizendo que estávamos nos vitimizando sobre nossas questões. Mas não era isso. Quanto mais a gente fala, mais pessoas escutam e mais as questões são desconstruídas", pontua, em entrevista para Universa.
Prestes a completar 26 anos, grávida de cinco meses do primeiro filho, Yaweh, Rízia trabalha como influenciadora digital: produz conteúdo publicitário nas redes sociais, especialmente no Instagram, onde tem 1,2 milhão de seguidores. E se tornou, em virtude da projeção que ganhou pós-reality, um exemplo de mulher que quer ressignificar o que é tido como padrão de beleza.
Aliás, critica as escolhas dos participantes do BBB que começa nesta terça-feira (21). "Vi o anúncio dos escolhidos nesta edição, e senti muita falta de pessoas com corpos fora do padrão. Só está lá o que a mídia quer vender, o que as pessoas querem consumir. Mas é aquilo, como chamaram a edição passada de 'mimizenta', eles [a produção] devem ter tentado contornar nesta, para o público aceitar mais imagem dos participantes".
Como foi seu processo de descoberta de autoestima?
Foi um processo bem longo e doloroso. O marco foi quando eu aceitei meu cabelo cacheado, quando parei de alisar, e eu era adulta. Acontece que, para chegar nisso, tive que passar por um processo interior. Até porque eu sofria com algumas intervenções da doutrina da Igreja em que cresci [Assembleia de Deus]. Naquela época, eu não conseguia me entender direito, só queria agradar as outras pessoas. E isso me machucava muito.
Houve vezes em que eu alisava o cabelo, ele caía. Até que um dia minha irmã resolveu fazer a transição capilar e eu disse: 'Vou fazer também'. Só que diziam que, por ela ser magra, tudo bem. Já eu ouvia que teria que emagrecer para assumir meu cabelo cacheado, porque não combinava com gente gorda, que eu teria que ter o rosto mais fino. Entrei nessa noia. Mas comecei a me autoavaliar: eu precisava mesmo emagrecer para ter meu cabelo natural?
Ser negra tornou esse processo mais difícil?
Eu cheguei a desistir de sair de casa com minhas amiguinhas da igreja, porque todo mundo tinha pele clara, o cabelo liso que, quando mexia, balançava, e o meu, mesmo liso, não tinha esse movimento.
Eu também não usava a roupa de que eu gostava; só a que a doutrina da igreja permitia, e nem sempre ficava muito legal em mim. Então, apesar de eu ser muito alegre, às vezes preferia nem sair de casa por isso. E outra coisa: como eu era o 'patinho feio' da turma, tentava mudar minha experiência sendo a engraçada do grupo.
O que mudou desde essa época?
Muita coisa. A moda é um bom exemplo. Quando a gente entende que pode usar o que quer, comprar roupa se torna mais leve, ainda que a indústria não tenha 'uma deixa' tão grande para quem usa GG ou XG. Ainda falta muito para atender a essas pessoas. Mas hoje eu sei que posso brincar com estilos. Um dia posso querer usar um vestido colado e usar salto, no outro, andar mais despojada com tênis.
Uso coisas que diziam que eu não podia, porque marcava meu corpo, minha gordura, minha celulite da bunda.
Dentro do BBB, você passou a usar biquínis menores. Por que?
Foi uma decisão. Antes de entrar no programa, eu prometi que levaria o menor biquíni que eu achasse. Porque a gente já sabia que veria corpos padrões dentro da atração, ainda mais sendo da Globo.
Eu sabia que não imaginariam que eu, com o corpo que tenho, iria chegar lá e colocar biquíni pequeno; possivelmente, pensaram que eu colocaria maiô e shorts para ficar me escondendo. Mas quis mostrar aquilo no dia a dia para encorajar outras mulheres a fazerem o mesmo e porque o que eu prego [sobre a mulher ter o corpo livre e a escolha de vestir o que quiser] não é só da boca para fora.
Que papel coube a você dentro do BBB 19?
Foi o de falar sobre a liberdade do corpo da mulher, sendo magro ou gordo, e a questão do poder da mulher negra, mostrar até onde ela pode chegar.
Também discutir com meus amigos lá dentro assuntos como a realidade das pessoas LGBTQI+, de quem é baixa renda, como eu era. Afinal, entrei lá porque estava desempregada e desesperada para arranjar um emprego.
Levantamos várias bandeiras que as pessoas viam como 'mimimi'.
Até hoje recebo mensagens falando que estávamos nos vitimizando. Mas não é isso. Quanto mais a gente fala, mais pessoas escutam e desconstroem essas questões.
Você ainda recebe ataques gordofóbicos nas redes sociais?
Todo dia eu recebo ataque gordofóbico em foto de biquíni minha. E mais: quando uma pessoa malhada aparece assim, a manchete na mídia é 'fulaninha exibe corpo saudável, corpo perfeito em praia de não sei onde'. E nas minhas, o julgamento é que eu tentei chamar atenção de fulano de tal ou que eu tentei sensualizar. Sendo que não é isso. Acho que essas manchetes ajudam a manter certo discurso de ódio em relação ao que eu e meninas que estão na mesma luta que eu fazemos.
Há um movimento de mulheres que discutem os padrões de beleza crescendo, mas os olhares e falas gordofóbicas ainda existem de forma absurda.
Dentro do BBB 19, você falou sobre questões de saúde mental [no dia de seu aniversário, em 2019, a sister dividiu com os outros participantes que, em outro momento da vida, já tinha tentado se matar]. Como tem lidado com isso?
Muita gente me manda mensagem dizendo que me viu contar minha história dentro do programa, e continua me acompanhando nas redes por isso. Digo que não foi nada fácil ter entrado no BBB com crise de ansiedade. Eu continuo tendo o problema, mas agora, consigo identificar as crises e procuro me cuidar.
Fato é que a vida é uma montanha-russa. A vida é essa agonia. Mas 'bora' para frente. Sem pensar em desistir.
O que você achou do perfil dos participantes desta nova edição do BBB?
Eu senti muita falta de pessoas mais desconstruídas, com corpos fora do padrão. Mas está lá o que a mídia quer vender, o que as pessoas querem consumir.
Você vai assistir a essa edição?
Com certeza, acompanho desde criança, participei do programa e vou comentar o que eu puder, no Twitter, no Instagram. E além de querer saber das coisas que vão acontecer, porque sou muito curiosa, também criei um ciúme da casa [onde acontece o reality], acredita? Quero ver como vai ser.
A gravidez tem sido um assunto de que você fala com leveza no Instagram. Como foi descobrir a gestação?
Descobrir que estava grávida foi um susto. Pensei: 'As coisas já não vêm fácil para mim. Se sendo negra, mulher e gorda, preciso ser dez vezes melhor, grávida, então...Eu vi como uma barreira. Mas depois percebi que meu filho veio na minha vida para me dar mais força.
Até pouco tempo, eu romantizava a gravidez, apesar de ter acompanhado a de amigas, que tiveram filho na adolescência. Agora eu entendo o que é ser mãe. Um amor absurdo que surge só de saber que tem um serzinho dentro de mim. E sou realista também. Estou sentindo ele chutando minha bexiga aqui? Tô. O parto vai doer? Vai. Mas é isso. Eu tê vivendo esse momento.
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