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"Tá tudo ruim, mas o sexo salva o casamento": veja como se livrar disso

Se só o sexo é bom, tem algum problema aí... - miljko/Getty Images
Se só o sexo é bom, tem algum problema aí... Imagem: miljko/Getty Images

Heloísa Noronha

Colaboração com Universa

22/01/2020 04h00

Muitos casais se dão perfeitamente bem na cama, mas fora dela mal conseguem conversar. Brigas constantes, falta de diálogo e até abuso são alguns dos problemas que permeiam a convivência a dois. No entanto, por mais que as coisas não fluam nada bem, o relacionamento segue em frente aos tropeços. Por que isso acontece? A química sexual, em alguns casos, é a principal justificativa para continuar uma relação ruim e até mesmo tóxica.

"O sexo e o orgasmo liberam várias substâncias no organismo, como as endorfinas, responsáveis pelas sensações de bem-estar e prazer. Já a ocitocina, o chamado 'hormônio do amor', é responsável pela manutenção do vínculo e da intimidade. Quanto mais as pessoas transam, mais se sentem ligadas. Essa impressão de proximidade pode ajudar a relevar as coisas da relação que são ruins, pois o sexo acaba compensando e causando a impressão de que tudo vale a pena", explica a psicóloga Marina Vasconcellos, terapeuta familiar e de casal pela Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).

Além disso, no caso de relacionamentos abusivos, o abusador costuma convencer a vítima de que ela não pode viver sem o laço fantástico que têm na cama.

Para Carla Guth, psicóloga e psicopedagoga, de São Paulo (SP), a química sexual é importante para qualquer relacionamento e, justamente por isso, pode mascarar uma relação ruim ou abusiva. "Mas se não houver outras compatibilidades e interesses, a relação precisa ser revista e reorganizada. O sexo sozinho não segura uma relação que deve envolver vários componentes, como objetivos comuns e como as trocas acontecem", observa.

É provável que a relação sexual seja a única parte boa da vida do casal, que permanece junto por diversos motivos: medo da reação do outro em um possível término ou mesmo em uma conversa para falar sobre o que não gosta na relação ou na pessoa, medo da separação por causa dos filhos, medo da solidão, incerteza em relação a futuro... "As pessoas tendem a se apegar ao que é bom na relação e varrer para baixo do tapete o que não gostam ou que têm dificuldade de enxergar e mudar", pondera a psicóloga e terapeuta sexual Paula Napolitano.

Ainda segundo Marina, quem não consegue se livrar de uma relação nesses moldes, em geral, apresenta problemas emocionais que exigem atenção. "Quem está bem emocionalmente percebe no convívio o que está ruim e como o parceiro é, de fato. Assim, coloca na balança os pontos positivos e negativos e entende que o sexo não supre tudo, optando por romper. Quem permanece precisa buscar ajuda, porque, de algum jeito, está se permitindo ser abusada", pontua. Muitas pessoas, conforme a psiquiatra Denise Gobo, da Unifesp, sofrem de transtorno de personalidade dependente. "Por conta disso, têm maior tendência à submissão e interagem de uma forma em que o par tem grande influência sobre todas as suas escolhas. Acabam fazendo qualquer tipo de coisa para agradar o outro", comenta.

A dependência emocional é algo muito comum para fazer do sexo bom uma espécie de "tábua de salvação". "Apesar de o relacionamento ser ruim em outras esferas, se tem alguém ao lado. É inconsciente, não é algo que está estampado na cara. O mecanismo é retroalimentado, onde se mantém comportamentos tóxicos e abusivos, há medo e insegurança de sair do relacionamento. Soma-se a isso as atitudes 'boas' por parte de um parceiro abusivo na intenção de mostrar arrependimento e criar expectativa de que não vai mais acontecer, fica ainda mais difícil largar uma relação tóxica", diz Andreia Fiamoncini, psicóloga e terapeuta sexual da Plataforma Sexo sem Dúvida.

De acordo com a terapeuta de casais Ivana Cabral, a dependência emocional vem da falta. O indivíduo não se basta, ele busca no outro aquilo que não consegue produzir pra si. São pessoas totalmente inseguras, com falta de amor próprio, que agem como sanguessugas do par para sobreviverem. Colocam, ainda, suas expectativas de felicidade na mão do seu parceiro, vivendo uma vida de muita insatisfação. "Entretanto, a justificativa da permanência em um relacionamento tóxico por química sexual é uma desculpa para não tomar uma decisão, pois o ser humano tem o hábito de inventar desculpas para permanecer na zona de conforto", alerta Ivana.

Tomar ciência do problema é a chave da mudança

Permanecer numa relação péssima por comodismo ou receio, no entanto, não se trata de um processo consciente - por isso mesmo não é tão fácil mudar. O primeiro passo para romper esse padrão é reconhecer sua existência e tomar a consciência de que está num relacionamento tóxico. Essa é uma das etapas mais difíceis do processo, mas é obrigatória.

Em seguida, é importante investir num exercício sincero de autoconhecimento. "É preciso olhar para si, se perceber, questionar o que faz estar nesse relacionamento e, sobretudo, identificar a real causa disso, pois geralmente não é algo perceptível, nem sempre está escancarado", diz Andreia, que sugere fazer uma lista com todos os aspectos positivos e negativos e vantagens e desvantagens da relação, além de se imaginar no futuro estando nesse relacionamento e o que de pior poderia acontecer caso rompesse. "Vale a pena avaliar o quanto o parceiro está ajudando na conquista de seus objetivos e analisar como realmente se sente na presença e na ausência dele", fala a psicóloga.

Também é importante formar uma rede de apoio formada por amigos e familiares que possam fazer a pessoa a se sentir mais segura e fortalecida, além de ajudá-la a enxergar que o relacionamento é tóxico ou abusivo — quem vê de fora, muitas vezes, enxerga as coisas de maneira mais objetiva e realista. E, por último, é fundamental pensar na possibilidade — principalmente nos casos de dependência — de buscar ajuda profissional.

"Um psicólogo ou psicoterapeuta tem as ferramentas certas para ajudar a pessoa a se fortalecer, desenvolver habilidades sociais e possibilitar a construção de novos relacionamentos sadios. Geralmente, quem está sofrendo tem muitas distorções cognitivas associadas, problemas de autoestima e autoconfiança, insegurança e visão distorcida sobre si e sobre o outro. Com ajuda, é mais fácil identificar como funciona o padrão de comportamento, verificar as causas e trabalhar nelas para construir uma vida mais saudável", sentencia Andreia.