Por que debate sobre gravidez na adolescência "esquece" de incluir garotos?
Você já deve ter visto campanhas sobre gravidez na adolescência com imagens de jovens grávidas. A cena é quase sempre assim: uma barriga em gestação avançada e um bicho de pelúcia. Pode até passar despercebido, mas quase sempre o foco das campanhas são elas, as mulheres.
Além de frequentemente arcarem sozinhas com as consequências de uma gestação, as jovens são cobradas muitas vezes pelos parceiros, que preferem correr riscos a fazer relação usando camisinha. Mas será que esse peso não deveria ser dividido entre os dois sexos?
O tema gravidez na adolescência voltou ao debate depois que o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos informou que pretende incluir em suas diretrizes o incentivo à iniciação sexual tardia como política de prevenção à gravidez juvenil. A medida é contestada por especialistas.
Segundo dados preliminares do Ministério da Saúde, em 2018, 21.154 bebês nasceram de mães de até 14 anos no Brasil. Entre jovens de 15 a 19 anos, foram 434.573 crianças. Somados, eles representam 15,4% do total de nascimentos do país.
"Quando se fala muito de gravidez, se fala muito em prevenção com as meninas. Mas esse é um trabalho que precisa sair dessa responsabilização exclusiva delas para um trabalho que inclua meninos", diz Mario Volpi, coordenador do Programa Cidadania dos Adolescentes do Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) no Brasil.
Para ele, a discussão sobre saúde e sexualidade precisa ser não só dividida entre gêneros, mas também correspondente à cada fase de desenvolvimento. "A sexualidade começa na infância, se desenvolve na adolescência e dura o resto da vida. Você precisa garantir que o processo seja progressivo e correspondente a cada fase do desenvolvimento. Importante ter uma visão que vai além do ato sexual, que é amadurecimento emocional, questões de gênero, integridade física", explica.
Consequências dela
Para Viviana Santiago, gerente de Gênero e Incidência Política da Plan International Brasil, é preciso parar de falar como se fosse um processo apenas das garotas. "Embora as meninas lidem com todas as consequências, essa gravidez só ocorre porque existe um menino ao lado dela. E a gente não fala sobre como homem participa nesse processo e qual a responsabilidade dele no processo dele", afirma.
No Brasil, pesquisas mostram como a gravidez na adolescência impacta a vida das mulheres. Uma delas, feita no ano passado pelo Ministério da Cidadania, aponta que entre as beneficiárias do Bolsa Família de 14 a 18 anos que engravidaram, 13% apresentaram registro de baixa frequência escolar em 2018 —10 vezes mais que a média. "A situação que pode levar a um posterior abandono da escola", diz o estudo.
Para Santiago, o problema é que a formação educacional está recheada de estereótipos machistas e sexistas. "Muitas vezes as meninas sabem que precisavam ter uma relação sexual protegida, mas não se impõem por todo o machismo que é reproduzido. Do tipo: se ela andar com camisinha na bolsa é vadia, não é séria. Se quiser transar com camisinha é porque está 'dando para outros'", conta.
"E esse menino cria esse poder de interditar as meninas, que por sua vez não conseguem ter poder nessa relação para dizer: 'olha, só faço se for protegida', e deixar de pensar que é prova de amor fazer sem camisinha", completa.
Viviana Santiago cobra também a produção de material de campanha que abra um canal de comunicação com adolescentes do sexo masculino. "É preciso falar sobre o exercício consciente de sua sexualidade e de seu papel na prevenção da gravidez", afirma.
Sexualidade passa por afetos e descobertas
A pedagoga e educadora sexual Caroline Arcari defende que é preciso falar de forma ampla —com garotas e garotos— sobre sexo. "A sexualidade é uma força viva do indivíduo, um meio de expressão dos afetos, uma maneira de cada um se descobrir, bem como descobrir os outros. Ela se apresenta de diferentes formas, transformando-se ao longo dos anos", afirma.
Ela lembra que as meninas são educadas para se significarem a partir de um relacionamento, o que começa a gerar perfis diferentes. "Assim, sua existência, sua auto-estima, seu valor estão conectados a uma relação romântico-afetiva. Desse modo, as vulnerabilidades aumentam, pois onde falta autonomia sobre as decisões a serem tomadas com o próprio corpo, sobra dependência emocional e, muitas vezes, financeira. Assim, o julgamento do parceiro, seja namorado, marido, crush, acaba tendo um peso enorme nas decisões das meninas", explica.
A educadora conta que, em uma sociedade de regramento machista, tanto meninas como mulheres são "bombardeadas de julgamentos contraditórios." "Se carrega camisinha na bolsa, é considerada promíscua. Se engravida, é promíscua também. Ao mesmo tempo, garotos são incentivados a ter uma vida sexual ativa e terem uma virilidade heterossexual predatória. A conta não fecha", diz.
Para Arcari, apesar de todos os desafios, é preciso seguir orientando as garotas, investindo no empoderamento delas, além de chamar os jovens. "É urgente incluirmos os meninos e garotos nessa responsabilidade: falar sobre consentimento, afeto, paternidade, além de tensionar os estereótipos de gênero para que eles parem de reproduzir uma masculinidade rígida que traz prejuízo para todo mundo", afirma.
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