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Passa pano para homem? As frases que dizemos para desculpar atitudes deles

Tem desculpas que damos que nem mesmo a gente acredita - Getty Images
Tem desculpas que damos que nem mesmo a gente acredita Imagem: Getty Images

Heloísa Noronha

Colaboração para Universa

27/01/2020 04h00

Na nossa sociedade, infelizmente, ainda persiste a cultura machista em que as pessoas, independentemente do gênero, ainda "passam pano" para certas atitudes masculinas. Ao tentar justificar alguns comportamentos, ninguém se dá conta de que continua a reforçar a infantilização dos homens e a culpabilização das mulheres, perpetuando um ciclo sem fim de sofrimento e repressão. Eis oito exemplos que ilustram bem a necessidade de virar a chave desses pensamentos:

"Ele nunca recebeu amor de verdade"

"E você, é a 'salvadora' que vai resgatá-lo? E das suas feridas quem cuida? Ou você acha que não tem problemas também, que passou incólume aos traumas de infância?", questiona Triana Portal, psicóloga clínica e terapeuta de casal, de São Paulo (SP). Esse é o tipo de desculpa que muitos homens usam para confundirem a cabeça das mulheres sobre suas reais intenções de um - se é que elas existem, né? Para Livia Marques, psicóloga do Rio de Janeiro (RJ), o fato de um sujeito não ter recebido amor não justifica não respeitar e ter empatia numa relação. "É importante a mulher não se colocar com a 'salvadora da afetividade' desse homem, pois ela também precisa respeitar a si e seus limites", pontua. Caso contrário, há o risco de assumir o papel de mãe do parceiro e amá-lo incondicionalmente, o que não é nem um pouco saudável para o relacionamento. Uma variação dessa frase é "Ele age assim porque tem trauma de relacionamentos" - a ex era uma víbora, a outra o traiu, a primeira era desequilibrada... Lembre-se: um relacionamento é vivido por duas pessoas e você estará ouvindo a versão apenas de uma delas.

"Ele é só um menino"

Não são poucas as pessoas que apelam para essa desculpinha esfarrapada para justificar a lambança de homens jovens - as garotas, em contrapartida, sempre são aquelas que "amadurecem mais rápido". "Como se algumas mulheres tivessem culpa de serem maduras e assertivas e precisassem cuidar desse 'menino' que, na maior parte das vezes, as faz com que se sintam mal" comenta Livia. Na opinião de Triana, tratar um parceiro ou um filho assim só contribui para a perpetuação da cultura dos "reizinhos", sujeitos mimados na infância e que precisam ser paparicados e servidos ao longo da vida.

"Ele trabalhou o dia todo, então tudo bem"

É a típica explicação machista para justificar o fato de o cara chegar em casa depois do trabalho e se esparramar no sofá, pouco se lixando para as tarefas domésticas, mesmo que a mulher também tenha dado um duro danado o dia inteiro. "Nessa fala a mulher esquece dela mesma. Há um abandono das próprias necessidades, sendo que o certo é que o serviço de casa seja realizado por todos que usufruam do ambiente. É uma responsabilidade geral", comenta a psicóloga Danielle Pinheiro, do Rio de Janeiro (RJ).

"Não queira carregar o mundo nas costas, pois isso não te faz mais admirada por ele. Não sinta culpa em dividir tarefas nem pense que ele é 'de ouro' ou que tem 'sorte' caso ajude. Isso tudo é resultado de crenças machistas que você incorporou", pontua Triana. Para a psicóloga Denise Figueiredo, sócia-diretora do Instituto do Casal, em São Paulo (SP), o importante em uma relação é ter os acordos bem claros, principalmente se a mulher for dona de casa, pois o que é combinado não sai caro. "Não são só trabalhos fora de casa que cansam! Cuidar dos filhos e afazeres domésticos também", lembra.

"Ela deu em cima ele"

Ainda hoje, décadas depois do movimento de liberação sexual dos anos 1960/1970, esse tipo de ladainha é adotada para justificar a traição masculina ou uma paquera não cortada pelo homem. "Uma mulher pode dar em cima de um cara o quanto quiser. Essa rivalidade feminina data de centenas de anos, quando as mulheres eram obrigadas a aceitar qualquer tipo de traição ou desrespeito e culpavam as outras por isso. Porém, isso acabou. É sempre bom lembrar nessas circunstâncias que quem tem compromisso é o homem e que, diante de uma cantada, é ele quem escolhe ceder ou não", afirma Ellen Moraes Senra, psicóloga especialista em terapia cognitivo-comportamental, do Rio de Janeiro (RJ). Já Triana salienta que encarar certos fatos implica em ter que tomar decisões e agir. "Assim fica mais fácil fingir que não vê ou culpar terceiros para evitar enfrentar a situação", diz.

"É tudo culpa dos amigos dele"

"Em um relacionamento, culpar os amigos por uma possível influência negativa tende a ser uma justificativa para não enxergar como o parceiro age diante de suas ações", observa Denise. Amigos até podem estimular a tomar atitudes erradas, mas não obrigar nem forçar. Se ele fez ou faz alguma coisa que não deve com os amigos, é porque ele quis, desejou. "Quando você culpa os amigos dele é para não ter que admitir que ele é um safado. Trata-se de negação, um mecanismo inconsciente de defesa do ego para não lidar com a realidade", explica Triana. Passar pano para isso resvala, mais uma vez, naquela velha desculpinha do "menino imaturo". "Para ter um relacionamento saudável, é necessário nos relacionarmos com adultos, ou seja, muitas vezes, as pessoas crescem biologicamente, mas não emocionalmente. Isso é decorrente da criação e do entorno em que vive. E para sermos adultos precisamos ser responsáveis por nossos atos, atitudes e arcar com os efeitos dos nossos comportamentos", conta Danielle.

"Ele foi criado desse jeito"

É a frase típica para explicar possíveis comportamentos preconceituosos, racistas e/ou machistas, como piadinhas. Porém, como destaca a psicóloga Ellen, todo ser humano é capaz de mudar. "Mesmo que os exemplos do seu parceiro tenham sido os piores possíveis, os valores e o caráter dele é que vão definir o que será ou não capaz de reproduzir", avisa. A criação determina, sim, padrões arraigados de comportamento, por vezes bastante nocivos e insuportáveis, mas que podem perfeitamente ser modelados para uma melhor versão caso a pessoa deseje.

"Uma vez adultos, podemos escolher nossos próprios caminhos. Se ele está numa zona de conforto em que sua conduta é aceita, vai continuar assim 'ad eternum'. Aceitar, de certa forma, é validar o comportamento", declara Triana. Já Danielle diz que passar por cima dos próprios valores e crenças por causa de um par é uma forma de a mulher se desrespeitar, ultrapassar seus limites e praticar o autoabuso. "Quando o jeito dois dois for muito diferente, a pergunta a ser feita é: por que quero estar tanto com essa pessoa? A resposta mais fácil e comum seria: 'porque o amo'. Mas não devemos nos contentar com essa resposta, devemos mergulhar no que o amor significa, de fato, e avaliar e pesar", sugere.

"Depois do casamento, ele muda"

Só se for para pior, né, amiga? Se na fase do namoro já está difícil, imagine com as responsabilidades e os desgastes comuns ao casamento. A pessoa só muda quando ela considera que tem algo que precisa ser mudado - ou seja, se e quando quer, não por demanda alheia, nem por ter se casado. "Aceitar o outro é fundamental para que haja um relacionamento saudável. Na convivência é comum que cada um ceda um pouco, afinal são pessoas que vieram de famílias, educação e visão de mundo diferentes. No entanto, entrar num relacionamento com expectativa que a pessoa mude é andar em direção da própria infelicidade", comenta Danielle.

"É assim mesmo, todo homem trai!"

"Se você pensa assim já deveria se colocar em posição de relacionamento aberto", dispara Ellen. "Afinal, se for para ser traída com toda certeza, não seria melhor permanecer em algo sem compromisso? A não ser que o status seja mais importante que a humilhação", completa. Para Denise, do Instituto do Casal, outra frase no mesmo estilo é "Sabe como é homem, né?". "Essa frase genérica reforça a ideia de machismo e de que o gênero determina comportamentos. Cada indivíduo é único, não importa se homem ou mulher", diz a psicóloga.