Ela fotografa amputadas para aumentar autoestima e propor debate
"Aprendi que a beleza vai além de ter uma perna, um braço, ou uma mão." A declaração é da estudante Maria Eduarda Mota, de 15 anos. Quando tinha apenas 3, ela precisou amputar os dedos da mão direita, a mão esquerda, os dedos do pé esquerdo e o pé esquerdo acima do tornozelo por causa de uma infecção bacteriana que se espalhou, levou a uma trombose e à necrose dos membros.
Recentemente, Duda passou a compreender com mais tranquilidade e aceitação sua deficiência. Muito disso deve-se a sessões de fotos para o projeto InspirAção.
O projeto é uma iniciativa de Cacá Dominiquini, moradora de Campinas, no interior paulista. Fotógrafa profissional e professora de artes e fotografia, Cacá tem no portfólio trabalhos para exposições de arte, imprensa e eventos direcionados a causas sociais, como o Teleton. Em 2017, ela criou o InspirAção de forma voluntária como forma de levantar a autoestima de mulheres amputadas e propor à sociedade de forma geral mais empatia e soluções em inclusão e acessibilidade.
"Sempre quis tocar, em paralelo ao meu serviço, um projeto autoral em que pudesse criar fotos do meu jeito, sem corresponder a expectativas de clientes. Foi então que um dia, tomando café da manhã, me perguntei: por que não fotografar pessoas com deficiência, como mulheres amputadas? Nunca havia visto ninguém fazer algo assim aqui no Brasil", conta ela.
Depois de maturar a ideia, criar o nome e as redes sociais do projeto, Cacá divulgou sua proposta e material como fotógrafa em todos os grupos destinados a pessoas amputadas que encontrou no Facebook. Para conquistar a confiança das interessadas, esclareceu individualmente que não haveria custo nenhum pela realização dos ensaios. A única condição é que as fotografadas concedessem o uso das imagens para Cacá poder alavancar a divulgação do projeto.
Duda é a participante mais nova do InspirAção, que conta hoje com 40 mulheres. "Pensei que a Duda tiraria as fotos e ponto final, como se faz em uma agência, mas estava enganada", diz Juliana Burani Mota, sua mãe. "Além de grandes amizades, esse projeto ajudou minha pequena, que ama dançar e praticar atividades físicas, a se amar e a acreditar mais em si."
Repercussão e interesse internacional
Com a adesão de mulheres de origens, idades e profissões diferentes, Cacá criou um grupo de WhatsApp para reuni-las e para que interajam, se autofortaleçam e troquem informações. Fazem parte dele atletas, médicas, donas de casa, motoristas, estudantes, secretárias, mães, filhas e avós que, em comum, compartilham histórias de dificuldades, preconceitos, mas também de aprendizados, conquistas e superação.
"Pouco depois de estabelecermos contato, agendamos pelo grupo os primeiros ensaios fotográficos, que, desde então, não pararam mais de serem produzidos. Quando dá tempo, consigo fotografar várias mulheres num mesmo dia e depois separadamente", explica Cacá.
Com a repercussão das primeiras fotos divulgadas na internet e entre amigas e conhecidas, a procura de mulheres amputadas aumentou. Assim, ele ganhou visibilidade na TV, em exposições, palestras e feiras. As participantes são moradoras de Campinas e de municípios vizinhos, como São Paulo e Mogi Guaçu. Mas mulheres de várias outras localidades e até de outros países, como China, Uruguai e Polônia, demonstraram interesse em serem fotografadas também.
Convite para ser modelo
A motorista particular Rosana Ribeiro, uma das primeiras a ser fotografada, recorda a reação das pessoas quando a reconheciam na rua. "Depois que as fotos começaram a ser divulgadas, chegava nos lugares e as pessoas me abordavam e pediam para tirar selfie, porque me reconheciam", diz a mulher, que teve que amputar a perna direita depois de um acidente de moto. "Sai do anonimato e conheci muita gente que, inclusive, passou a me visitar em casa, convidar para almoçar e até me chamar para ser modelo em eventos."
O principal motivo para que as fotos façam tanto sucesso, segundo a autora, é que elas revelam força e determinação, em vez de sofrimento e incapacidade. Cacá tem o cuidado de que todas as locações dos ensaios atendam necessidades individuais: elas devem ser acessíveis para quem tem ou não próteses, usa ou não muletas, locomove-se de cadeira de rodas ou ainda deseja usar salto alto.
Fotos devem virar livro
Da criação do projeto até hoje, Cacá já fez mais de 20 ensaios fotográficos, que ela espera em breve reunir em um livro. Para isso, está atrás de patrocínio para fotografar mulheres amputadas também no exterior.
"Participo de palestras e mesas redondas em feiras e instituições de ensino e discuto que, na prática, são poucos que falam dessas questões", afirma a fotógrafa. "Dou como exemplo a falta de incentivo das empresas, já que muitas só contratam pessoas com deficiência por causa da lei. São muitas histórias e lições que aprendo com essas mulheres."
A veterinária Roberta Congentino, que perdeu as pernas em um atropelamento aos 15, também teve seu ensaio produzido. "Sou formada em medicina veterinária porque sempre lutei pelo que quis e mostrei que tinha capacidade. Do contrário, por ter perdido as duas pernas, se tivesse dado ouvido aos outros era para eu ter ficado sentada e parada a vida inteira", diz.
Para ela e Rosana, que são mães, o projeto de Cacá contribui não apenas para mostrar às mulheres amputadas e às pessoas em geral que elas podem ser desejadas, capazes e completas como mulheres, mas também às novas gerações o que é preciso ser compreendido desde cedo: "A importância de se amar e saber que é possível ir mais além do que se imagina", diz Roberta.
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