"Perder o útero por aborto espontâneo, como na novela, é raro", diz médica
Na novela Amor de Mãe, a personagem Camila (Jéssica Ellen) está vivendo uma maré de azar: além de ter sido baleada durante uma ocupação na escola onde leciona, também engravidou sem planejamento, devido a uma armação da sogra, Thelma (Adriana Esteves), que furou os preservativos que ela usava com o companheiro.
Apesar de surpresa com a notícia, Camila acabou se acostumando com a ideia de que seria mãe em breve e até se animando com a chegada do bebê. No entanto, uma complicação fez com que a professora sentisse fortes dores e tivesse sangramento. Durante o atendimento médico, recebeu duas notícias devastadoras: a primeira de que havia sofrido um aborto espontâneo; a segunda de que os médicos não conseguiram conter seu sangramento e que, por isso, haviam retirado seu útero. Ou seja, ela não poderá mais engravidar.
Caso não é comum
De acordo com a ginecologista e obstetra Mariana Rosário, a situação da personagem na novela foi atípica. "Em geral abortos espontâneos acontecem por malformações do feto. O corpo identifica que ele tem poucas condições de sobrevivência e não dá prosseguimento à gestação", explica. Apesar de este ser o motivo mais comum, também é possível que este tipo de aborto aconteça por outras razões: trombofilia, alterações no funcionamento da tireoide, doenças reumatológicas e falta de progesterona no organismo são algumas das causas listadas pela profissional.
No entanto, diferentemente do que aconteceu na novela, o aborto espontâneo, que pode ocorrer até a 20 semana de gravidez, dificilmente resulta na retirada do útero. "Existem duas possibilidades: o corpo da paciente pode fazer o aborto completo através do sangramento ou é necessário um procedimento chamado curetagem para complementar o processo de desprendimento do feto e garantir a saúde da mulher. As complicações são raras, principalmente quando a técnica é realizada em um hospital, por profissionais capacitados. Uma das poucas razões que explicaria a retirada do útero seria uma perfuração", aponta.
Mariana acrescenta que, em organismos saudáveis, a única situação na qual uma mulher que perdeu um bebê teria dificuldades para engravidar novamente seria se ela estivesse próxima da menopausa. "Nesses casos, a reserva ovariana poderia estar se esgotando, o que dificultaria uma nova gestação", esclarece.
Consequências psicológicas do aborto
Apesar de não ser uma situação fisiológica comum, a dor pela qual Camila está passando em Amor de Mãe é recorrente para as mulheres que vivenciaram um aborto espontâneo. "O processo pode causar um sentimento de invalidez, incapacidade, baixa autoestima. Muitas mulheres ficam com a sensação de que não foram capazes de 'segurar' a gestação", explica a psicóloga e especialista em terapia cognitivo comportamental Ellen Moraes Senra.
Na visão da profissional, mesmo quando a gravidez ainda está no início, a novidade gera muitas expectativas. "Pai e mãe podem sofrer, mas para a mulher os sentimentos costumam ser mais intensos porque as modificações estavam ocorrendo no seu corpo. Muitas já imaginam a criança, desejam pegá-la nos braços. Por isso a perda é um processo de luto, como qualquer outro".
Ellen ressalta que quanto maior a rede de apoio feminina, melhor tende a ser a recuperação da mulher. "Se alguém próximo tenta minimizar a dor, o processo fica muito mais difícil. Por isso, quando acontece com alguém próximo, o melhor é respeitar: se a mulher quiser falar, escute. Quando quiser ficar reclusa, respeite seu momento", orienta. Ela acrescenta que procurar ajuda profissional, tal como a psicológica, ajuda a lidar com a dor. "Conversar com pessoas que passaram pela mesma experiência também", assegura.
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