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Ela questionou nariz afinado em maquiagem e gerou comoção: "Mantém racismo"

Jessica escreveu sobre autoestima e questionou hábito na maquiagem de pessoas negras - Arquivo Pessoal
Jessica escreveu sobre autoestima e questionou hábito na maquiagem de pessoas negras Imagem: Arquivo Pessoal

Nathália Geraldo

De Universa

01/02/2020 04h00

Um post no Instagram da beauty artist Jessica de Almeida Linhares, do Rio de Janeiro (RJ), fez muitas mulheres negras se identificarem com um hábito de beleza bastante problemático: por que, ao usarmos maquiagens, afinamos o nariz para que ele fique com "traços mais finos"?

Denunciando o racismo e como ele pode ultrapassar barreiras a ponto de definir o que é bonito e o que não é, Jessica suscitou um debate sobre beleza negra. "Várias meninas afinam o nariz com contorno sem perceber, para se sentirem bonitas ou se encaixando no padrão", explica. "Acho que isso acontece porque elas porque não veem na industria da beleza alguém dizendo: está vendo essa modelo? Ela é bonita igual você, com o tom de pele, a boca, o nariz igual ao seu".

Afinar o nariz com maquiagem: história de beauty artist

Na publicação, Jessica conta que o nariz, com traços negroides, já foi uma questão que diminuiu sua autoestima, ainda na infância.

"Eu me lembro bem onde começou meu desejo por traços mais finos, foi na infância, quando uma prima me disse que o meu nariz era feio por ser largo. Depois daquele dia eu passei a colocar um pregador no nariz, numa tentativa inútil de afiná-lo. Isso é cruel demais e deixam marcas bem profundas em nossa autoestima", escreveu.

De fato, esse é um dos métodos de tentativas de embranquecimento vividas por pessoas negras— a edição de fotos para que a pele fique mais branca, por exemplo, é mais uma delas.

O contorno, geralmente, é feito com paletas de maquiagem própria para esse tipo de maquiagem; algumas mulheres também usam sombras no tom mais escuro que a pele na lateral do nariz. O efeito, assim, é ter essa parte do rosto mais afinada.

Maquiagem negra - LookAod/Getty Images/iStockphoto - LookAod/Getty Images/iStockphoto
Na maquiagem, fazer o contorno no rosto é bastante comum; beauty artist levantou debate sobre o nariz afinado, no entanto, e padrões de beleza
Imagem: LookAod/Getty Images/iStockphoto

Para Jessica, essa é uma forma sutil de se perpetuar o racismo e, por outro lado, reforçar a necessidade de o "padrão de beleza" ser mais aproximado do modelo de rosto eurocêntrico.

"Eu acredito, sim, que é uma forma de perpetuar o racismo. É só fazer um movimento rápido de olhar as campanhas de moda ou na TV. Quantas modelos têm traços negroides?", questiona.

"Cada vez que a gente usa esse artifício, a gente está perpetuando no nosso corpo um padrão de beleza que é irreal".

Comentário teve apoio e questionamento de mulheres negras

Na publicação, Jessica recebeu comentários de apoio e de mulheres que acham o nariz afinado "mais elegante" e que não veem esse tipo de atitude como uma reprodução do racismo. "Isso é muito triste, você olhar no espelho e pensar que seu rosto não é bonito ou elegante", diz a beauty artist.

Outras aplaudiram a reflexão, considerando-a "necessária", "utilidade pública". Uma delas comentou que "sempre peço para não mexerem no meu quando me maquiam". Jessica destacou, nas interações, que a mensagem é sobre o contorno que tem o objetivo de disfarçar traços negros.

"Eu não afino o nariz das clientes, porque acho que causa uma deformação no rosto. E meu foco do é que elas se olhem no espelho e se sintam bem como elas são. Muita gente faz maquiagem e, no final, diz: 'nem parece eu'. Eu não quero que isso aconteça, quero que se sintam bonitas como são.
Com os traços que elas têm".

Veja o post completo:

É importante perceber como o racismo nos faz, por diversas vezes, eternizar em nossos corpos um padrão de beleza eurocêntrico. Ainda vivemos essa falta gigantesca de rostos pretos com traços negroides aparecendo em campanhas, desfiles e comercias de TV como referência real de beleza. Estamos no tempo em que as pessoas se sentem livres para chamar Blue Ivy de feia por se parecer com seu pai negro, na era em que maquiagem para pela negra segue sendo negligenciada por grandes marcas que insistem em produzir suas bases e produtos visando apenas mulheres brancas. Eu me lembro bem onde começou meu desejo por traços mais finos, foi na infância, quando uma prima me disse que o meu nariz era feio por ser largo. Depois daquele dia eu passei a colocar um pregador no nariz, numa tentativa inútil de afiná-lo. Isso é cruel demais e deixam marcas bem profundas em nossa autoestima. Sei que grande parte das minhas amigas vivenciou algo parecido na tentativa de se embranquecer. E o contorno na maquiagem pode parecer algo muito inocente, bobo até. Mas pense comigo: quem foi que colocou na sua cabeça essa imagem de nariz fino e empinado como padrão de bonito? Cada vez que usamos esse artifício estamos perpetuando uma imagem, ainda que inconscientemente, de que a beleza só mora nesse padrão europeu. Isso é muito sério! Não é só um contorno, é uma forma de seguir buscando se encaixar nesses moldes de estética que sempre nos fizeram praticar o auto-ódio. Você pode falar pra mim: mas Jéssica eu odeio o meu nariz! Isso não tem relação com eu ser negra. Eu vou te responder com um trecho do discurso "Quem te ensinou a se odiar?" Feito por Malcom X em 1962: "Quem te ensinou a odiar a textura do seu cabelo? Quem te ensinou a odiar a cor da sua pele, a ponto de você se clarear para parecer como um homem branco? Quem te ensinou a odiar o formato de seu nariz e seus lábios? Quem te ensinou a se odiar da cabeça às solas de seus pés? Quem te ensinou a odiar pessoas como você? Quem te ensinou a odiar a raça a qual pertence , a ponto de vocês não quererem estar próximos uns dos outros? (...)" . Vamos juntas repensar os padrões! . #belezanegra

Uma publicação compartilhada por Jessica Linhares (@jesslinharesmakeup) em