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Como Patrícia Campos Mello, jornalistas relatam ataques machistas e sexuais

Ex-funcionário de empresa de disparos em massa, Hans Nascimento (à dir.) presta depoimento nesta terça (11) na CPMI das Fake News - Jane de Araújo/Agência Senado
Ex-funcionário de empresa de disparos em massa, Hans Nascimento (à dir.) presta depoimento nesta terça (11) na CPMI das Fake News Imagem: Jane de Araújo/Agência Senado

Marcos Candido

De Universa

12/02/2020 12h56

Mão na perna, tentativas de "beijo", convites invasivos, insinuações sexuais, telefonemas inesperados, mentiras de teor sexual e frases abertamente machistas são algumas das situações de assédio já enfrentadas por jornalistas brasileiras para produzir reportagens e entrevistas. Nesta terça (11), uma das melhores repórteres do Brasil e do mundo foi alvo de alguns desses insultos misóginos e mentiras enquanto exercia seu trabalho.

Patrícia Campos Mello, repórter da Folha de S. Paulo, foi atacada por Hans River, ex-funcionário que a ajudou a revelar o escândalo de envio de mensagens em massa no WhatsApp durante a campanha de Jair Bolsonaro.

A fala de River foi feita na CPMI que investiga o uso de Fake News nas últimas eleições, na Câmara dos Deputados, em Brasília, e diante de parlamentares. River mentiu que Patrícia se insinuou sexualmente para produzir a reportagem. A mentira em uma CPMI é considerada crime.

O que deveria causar repúdio entre deputados foi endossado pelo deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente Jair Bolsonaro. Durante a sessão e nas redes sociais, Eduardo afirmou que a jornalista "possa ter se insinuado sexualmente" em "troca de informações" para "prejudicar a campanha do presidente Jair Bolsonaro".

Uma nova reportagem da Folha apresentou áudios, troca de mensagens, datas e dados para mostrar que River que desmentem a fala.

Ataques de cunho sexual tornaram-se comuns contra jornalistas

O tipo de ataque de teor sexual contra jornalistas não é incomum, afirma a repórter Janaina Garcia, uma das criadoras do coletivo Jornalistas Contra o Assédio.

Em 2016, Garcia ajudou na criação do grupo para discutir assédio sexual durante reportagens. Na época, uma estagiária e uma editora do portal iG foram demitidas após noticiarem o assédio cometido por MC Biel em uma entrevista. As duas foram demitidas por revelar o caso. Segundo Garcia, a prática de assédio que originou o grupo apenas se aprimorou e é ainda mais violenta com as redes sociais.

Além de montagens de cunho sexual, as mensagens utilizam o "shaming". O termo em inglês é usado para explicar uma tática na qual a sexualidade da mulher é usada para constrangê-la.

"Durante a CPMI, Hans adotou uma postura já feita por milícias virtuais contra jornalistas, especialmente contra jornalistas mulheres. As milícias desqualificam o trabalho técnico e profissional com argumentos relacionados a gênero e caluniosos, sobretudo de natureza sexual. A idoneidade dela é questionada não pela capacidade profissional, mas pela capacidade moral", diz para Universa.

Nas redes sociais, a premiada jornalista Juliana Dal Piva, do jornal "O Globo" e da revista "Época", relatou ataque similar ao sofrido por Patrícia:

Mulheres jornalistas organizam um manifesto de apoio a Patrícia Campos Mello, após a repórter da Folha ter sido alvo de acusações e mentiras na CPMI (comissão parlamentar mista de inquérito) das fake news na terça (11). Para assinar o manifesto, é preciso enviar e-mail para defendaojornalismo@gmail.com.

Profissionais sofrem assédio antes mesmo de a reportagem ir ao ar

A jornalista Marina*, editora em grandes jornais e revista do país, fez uma entrevista com um representante de um banco para uma importante publicação de economia em 2005. O entrevistado a ofereceu uma carona até em casa. Ela recusou. Ao se despedir, o homem forçou um abraço e a segurou pela mão para que aceitasse a carona. "Com o tempo, precisei adotar uma postura bem seca [para evitar], falando da vida, até me tratarem como um cara", diz.

"Queria me dar carona"

Hoje repórter experiente, a jornalista Fernanda foi assediada sexualmente tantas vezes que diz ter apagado alguns casos da memória "para não chorar no banheiro". Em 2012, deixou recado na caixa postal para um músico. O homem disse que só daria a entrevista por ela ter aquela 'vozinha mansa'. "[Ele] começou a repetir o que eu tinha falado de um jeito miado, com o tom de voz que lembra o de filme pornô", relembra.

Já a editora Bianca*, em entrevista com um importante compositor, precisou ouvir. "Por que a gente não toma um banho juntos?", relembra. A repórter Cristina teve a entrevista interrompida por um cantor sertanejo que "elogiou" sua "boca linda". Em outra ocasião, um escritor premiado passou a mão na perna da repórter Carolina, que trabalhou nos maiores portais de notícias brasileiros.

Trabalhar com a cobertura de grandes eventos costuma ser um espetáculo de assédios sexuais contra repórteres.

A editora Bárbara Tavares, da revista "Marie Claire", tentava entrevistar um folião no carnaval de Salvador em 2014 quando um homem tentou beijá-la a força, pressionando o corpo contra o dela. Um famoso também a convidou para ir ao "camarote". Ele a agarrou pela cintura. Ela nunca se esqueceu daquele dia.

"A pior parte mesmo é quando te tocam, passam a mão, tentam beijar à força. É uma sensação horrível de invadirem seu espaço, uma violação. Durante conversa é chato, mas você aprende a levar. Mas no resto do tempo, isso te faz se sentir completamente impotente e indefesa", diz.

Provas contra Hans River

Em nota, a Folha afirma que "repudia as mentiras e os insultos direcionados à jornalista Patrícia Campos Mello na chamada CPMI das Fake News. O jornal reagirá publicando documentos que mais uma vez comprovam a correção das reportagens sobre o uso ilegal de disparos de redes sociais na campanha de 2018. Causam estupefação, ainda, o Congresso Nacional servir de palco ao baixo nível e as insinuações ultrajantes do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP)".

O coletivo Jornalistas Contra o Assédio diz em nota que Hans River usou argumento calunioso e machista para atacar a jornalista Patrícia Campos Mello, profissional conhecida por seu importante trabalho investigativo. "É uma cena que se repete no atual momento político do país. Patrícia, assim como tantas de nós, tem sido recorrentemente atacada triplamente: como jornalista, como mulher e como cidadã", acrescenta.

A Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) também se manifestou sobre o caso. "É assustador que um agente público use seu canal de comunicação para atacar jornalistas cujas reportagens trazem informações que o desagradam — sobretudo apelando ao machismo e à misoginia. Além disso, esta é mais uma ocasião em que integrantes da família Bolsonaro, em lugar de oferecer explicações à sociedade, tentam desacreditar o trabalho da imprensa".

A instituição acrescenta que Patrícia foi uma das vencedoras do International Press Freedom Award do Comitê de Proteção de Jornalistas (CPJ, sigla em inglês), ao lado de jornalistas da Índia, da Nicarágua e da Tanzânia que, assim como ela, sofreram ameaças e agressões em decorrência de seus trabalhos.

*Algumas entrevistas pediram para não serem identificadas