"O estuprador é você": hino é adaptado para luta por aborto na Argentina
O verso "el violador eres tú", ou "o estuprador é você", em português, impactou muita gente no final do ano passado. Parte da música "Un violador en tu camino", do grupo chileno Las Tesis, a frase era pronunciada enquanto manifestantes chilenas apontavam para o público, com os olhos vendados, durante os protestos sociais no país.
Além das traduções para diversos idiomas desta espécie de hino feminista que denunciava a violência contra as mulheres e a cumplicidade do Estado, a música das chilenas ganhou uma adaptação para a campanha argentina pelo "direito ao aborto legal, seguro e gratuito".
A novidade foi cantada nesta quarta (19), em Buenos Aires, para uma multidão diante do Palácio do Congresso do país. Milhares de argentinas se reuniram para exigir a discussão legislativa e a aprovação da legalização da interrupção voluntária da gestação.
O atual presidente argentino, Alberto Fernández, já sinalizou que enviará ao Congresso um projeto para descriminalizar o aborto e "permitir atendimento de qualquer aborto em um centro público". O texto deve ser apresentado no início do ano legislativo, em março.
Coletivo chileno na manifestação argentina
Com o lenço verde — que simboliza a campanha — no pulso, as próprias chilenas do coletivo Las Tesis, acompanhadas pelas feministas argentinas, entoaram a variante da música, que mistura partes da letra original com referências ao aborto. Elas foram convidadas para o ato, mas esclarecem que a adaptação foi feita pelas próprias argentinas.
"Quando fizemos o chamado para que nossa música fosse replicada em todo o mundo, dissemos que adaptassem como quisessem", disse a Universa, depois da apresentação, Sibila Sotomayor, integrante do Las Tesis, explicando que o grupo aprendeu a letra adaptada pelas integrantes da campanha pelo aborto para participar do ato. "Achamos muito importante que cada território adapte e se aproprie desse material", completou.
Entre as modificações na versão argentina, está a alternância dos versos "o patriarcado é um juiz que nos julga por nascer", da música original, com "o patriarcado é um juiz que nos obriga a parir". Quando mencionam as violências sofridas, as argentinas trocam os versos "feminicídio, impunidade para o meu assassino, é a desaparição, é o estupro", por "é feminicídio, maternidade como destino, é estupro, é aborto clandestino".
Na versão argentina, o apontado como "estuprador" é "o congresso onde votam no aborto clandestino" — o "presidente" não é citado, como na música original. Depois da interpretação, as feministas argentinas cantaram para as visitantes "chilenas, chilenas, não baixem as bandeiras, porque aqui estamos dispostas a atravessar a cordilheira", indicando que não somente acreditam na legalização do aborto em seu país, como acreditam que podem ajudar neste processo para além das fronteiras.
Outro ponto central da mobilização foi um ato já característico da campanha: milhares de mulheres exibindo com as duas mãos, ao mesmo tempo, os lenços verdes. A ação foi feita paralelamente em diversas cidades do país.
Otimismo para 2020
Em 2018, as feministas argentinas conseguiram não só que o projeto que legaliza a interrupção voluntária da gestação até a 14ª semana fosse debatido, como que fosse aprovada pela Câmara dos Deputados. O texto acabou barrado pelo Senado, mas o debate se instalou na sociedade.
Embora o presidente Alberto Fernández tenha sinalizado apoio à causa, ele ainda não divulgou o projeto que vai enviar para o Congresso, o que gera receio entre as feministas.
No total, essa aliança de organizações já enviou oito vezes ao Congresso, ao longo de 15 anos, projetos para a legalização. A última vez foi em 2019. Agora, elas esperam que a "demonstração de força" da mobilização desta quarta sirva não só para pressionar o Legislativo pela aprovação, mas para que o Executivo leve em consideração o projeto já enviado por elas.
Apesar das dúvidas, as ativistas mostram otimismo com cenário para 2020. "Ao ter tanta intenção do Executivo de enviar [um projeto] e pelo nível de apoio social que encontramos na sociedade, acho que este vai ser o ano do aborto legal na Argentina", disse ao Universa Celeste Mac Dougall, professora e integrante da campanha.
Por outro lado, a Igreja Católica da Argentina reagiu às declarações de Fernández sobre o envio do projeto ao Congresso e convocou uma missa para 8 de março, Dia Internacional da Mulher. A cerimônia religiosa terá como lema "Sim às Mulheres, sim à vida" e, nela, a cúpula da Igreja vai pedir "pela proteção da vida humana desde a concepção até a morte natural".
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