"Amar pessoa com deficiência não é caridade: é sobre ter prazer também"
O universitário Felipe Chianezi, de 24 anos, se apaixonou pela namorada à primeira vista, em uma festa da faculdade em Campo Grande, em 2018. Sem saber sequer o nome dela, chegou em casa e olhou mais de 2 mil perfis nas redes sociais até encontrá-la.
A moça era Sarah Santos, jornalista de 22 anos. A mãe e o pai de Sarah são vítimas da talidomida, medicação proibida no Brasil para gestantes desde 1964. Ambas as avós da jovem tomaram a substância antes da proibição. A jornalista acredita que, por isso, também tenha as sequelas.
"Bati o olho e ela me chamou atenção no meio de todas as outras", conta Felipe sobre o dia em que viu Sarah pela primeira vez. "Cheguei em casa e comecei a procurá-la no Facebook. Olhei de 2 mil a 3 mil perfis antes de achar o dela. Mandei a solicitação de amizade. Ela aceitou e começamos a conversar", relembra.
O casal, que está junto há um ano e meio, atrai curtidas e fãs nas redes sociais, mas também propõe militância a respeito da inclusão. Em uma de suas postagens mais recentes no Instagram, Sarah faz uma provocação aos seus mais de 10 mil seguidores: "Você tem coragem para namorar uma pessoa com deficiência?".
A intenção era mostrar que, para o amor, qualquer deficiência física e preconceito é possível ser superado. "As pessoas acham que ele está fazendo caridade ou estranham e fazem perguntas muito inconvenientes", afirma ela sobre o namorado.
"É possível ter um relacionamento muito prazeroso com uma pessoa com deficiência, assim como essa pessoa com deficiência pode tornar o companheiro feliz."
Duas recusas até aceitar pedido de namoro
Os dois celebram a data de 11 de agosto de 2018 como a inicial da relação: foi quando aconteceu o primeiro beijo, em uma sorveteria de Campo Grande. Da primeira troca de afeto até Sarah aceitar namorar Felipe, o jovem universitário recebeu dois nãos.
As recusas não desanimaram o universitário. Em sua defesa, Sarah justifica que precisava de mais tempo. "Não tinha medo, mas precisava conhecer o Felipe melhor", argumenta.
Sarah, que teve outros quatro namorados antes de Felipe, diz que vive agora o melhor relacionamento de sua vida. "Ele é o mais maduro e mais tranqüilo. Com o Felipe é tudo muito fácil, não tem drama. Claro que não somos perfeitos, mas sentimos que somos bem amigos para que, caso algo incomode, a gente fale um para o outro. É simples e fácil", afirma.
Valorizar coisas que passavam despercebidas
O casal diz que aprende a casa dia. Felipe conta que o namoro o fez dar valor a coisas que antes ele tratava sem muita atenção, como mexer no cabelo da namorada ou até mesmo usar as duas mãos para se alimentar.
"Ela me ensina a ver valor nas pequenas coisas, como abrir uma porta, por exemplo, porque é algo complicado para ela se a maçaneta for redonda. E eu nunca havia me ligado nisso até então", diz. "Nunca havia amarrado um cabelo na minha vida, e com o tempo fui melhorando. Foi o mesmo processo quando comecei a pintar a unha dela. Hoje faço com certa facilidade e sou muito grato por isso", comemora o jovem.
"O que mais aprendo com ele é a humildade e paciência. Não é um favor nem uma caridade namorar comigo, mas, mesmo assim, ele tem muita paciência para aprender, me respeita muito e procura conhecer sobre a temática. Essa abertura dele é algo que admiro muito", complementa Sarah.
Preconceito? Só na cabeça dos outros
Felipe garante que, desde quando viu Sarah pela primeira vez na festa da faculdade, o preconceito nunca rondou a sua cabeça.
No início, no entanto, quando andavam de mãos dadas em público, o olhar de espanto das pessoas machucava o jovem. Agora, ele deixa de lado e diz seguir a vida normalmente, sem que isso atrapalhe o relacionamento dos dois.
"Quando saímos na rua, muita gente olha. As crianças a gente releva, mas tem adultos que passam e dão risada ou ficam encarando", conta. "No começo ficava muito bravo, mas hoje trato com naturalidade, porque o que importa é o que acontece entre a gente."
Felipe diz que foi observando Sarah que ele passou a agir assim. Como nasceu com a deficiência, ela enfrenta isso a vida toda. A jovem lembra que perdeu a insegurança quanto à deficiência logo após a adolescência.
"Insegurança sobre a deficiência é algo que não tenho mais. Isso me atingia quando era adolescente. Pensava se algum cara iria gostar de mim. Minha mãe é uma pessoa muito forte e me empoderou enquanto mulher. Ela sempre aconselhou para que não aceitasse qualquer situação. Isso ajudou muito antes do nosso relacionamento", diz ela.
Missão é inspirar os outros
Sarah espera que o companheirismo, a amizade, a paixão e o amor criado entre os dois possam auxiliar que outras pessoas percam eventuais conceitos pré-formados sobre a vida amorosa de quem tem deficiência física.
"Se você ama de verdade, se desnuda de preconceitos e vê apenas a essência do ser humano", ela diz. "Assim como nós, que construímos um relacionamento forte e saudável, dando chance um para outro."
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