"Criei um negócio único no mundo e sou a trans mais influente de Portugal"
A empresária transexual Alexandra Paulo Pais de Sousa, 54, conta como se descobriu uma mulher trans e se tornou uma referência em Portugal ao criar um modelo de negócio que reúne todas as orientações sexuais e identidades de gênero em um mesmo espaço.
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"Nasci Paulo, hoje sou Alexandra, mas as pessoas me conhecem apenas como Kiki. Único filho de uma família tradicional portuguesa, apesar de religiosa, meus pais não eram fervorosos, embora Portugal tenha uma forte tradição religiosa.
Na infância, tive conflitos comigo mesma, pois queria ter nascido menina, meus brinquedos eram bonecas. Eu não verbalizava meus sentimentos. Na verdade, eu nem mesmo sabia o que de fato estava acontecendo comigo.
Me assumi homossexual tarde, aos 18 anos, eu não sabia o que era transexualidade naquela época, mas já me sentia diferente, em um corpo diferente, que parecia não pertencer a mim. A imagem externa era masculina mas a identidade sempre foi feminina.
Meus pais não ficaram contentes com a notícia, não por discriminação mas porque sabiam que eu iria sofrer hostilidade da sociedade, pois naquela época a intolerância era grande.
O preconceito já me perseguia muito antes de eu "sair do armário", através do bullying na escola, quando os meninos faziam coisas horríveis. Por eu ser uma criança afeminada, eu sofria agressões físicas e principalmente verbais. Em casa, recebia o apoio e a aceitação da minha família, que sempre esteve do meu lado.
Tudo na minha vida foi acontecendo de forma lenta e gradativa. Recém-chegado à maioridade, a beleza física me abriu portas para o mundo da moda. Durante sete anos, trabalhei como manequim de passarela e modelo fotográfico na Europa, principalmente na França, Itália, Portugal e Espanha, trilhando uma carreira de sucesso. Mas meu corpo e minha mente estavam em constante conflito.
Os desfiles, editoriais de moda e a vivência no exterior me renderam além do glamour da profissão, uma quantia de dinheiro quando resolvi voltar para Portugal aos 25 anos.
Três anos depois, comecei a considerar a possibilidade de fazer a mudança de gênero. No entanto, as leis portuguesas na ocasião eram muito diferentes e complexas, então resolvi esperar até que elas mudassem, o que finalmente aconteceu em 2011.
A França foi o primeiro país a desconsiderar a transexualidade como um transtorno mental, atitude seguida também pela OMS (Organização Mundial de Saúde).
O dia 1° de março de 2011 é uma data muito importante para mim, e para Portugal, que deu um passo adiante em relação às questões relacionadas a transexualidade.
Era promulgada a lei de identidade de gênero, que regulava o procedimento de mudança de gênero no registro civil e alteração do nome de batismo para o nome social.
Um ano depois, aos 45, dei início à tão esperada mudança de gênero. Foram dois anos de tratamento hormonal, apoio psicológico e psiquiátrico, além do amparo da minha família. Em 2014, uma nova etapa estava a caminho - as mudanças corporais através de plásticas assim como procedimentos estéticos para que o meu rosto e corpo ganhassem formas e traços femininos.
Posso dizer que todo o processo começou em 2012, quando considerei que era a hora certa, com direitos estavam assegurados de acordo com a lei recente.
O tão esperado momento (a cirurgia de redesignação sexual) aconteceu em 2015, jamais vou me esquecer daquele momento, quando o "Paulo" deixou de existir e a Alexandra Pais de Sousa nasceu.
Tive muita coragem na época, fui uma das primeiras trans a falar sobre o assunto na TV, fui alvo de haters nas redes sociais, dei a minha cara a tapa e não tive medo do preconceito. Eu sabia que naquele momento o meu testemunho ajudaria outras pessoas na mesma situação.
Ao longo dos anos, tenho sido convidada para várias campanhas educativas e programas de televisão. Isso acabou me trazendo visibilidade, mesmo porque eu tenho um imenso orgulho da minha história, da minha identidade de gênero, de ser uma mulher trans.
Participei de uma série portuguesa LGBT chamada "Já Melhorou", com um depoimento sobre ser uma mulher transexual. O sucesso do episódio, repercutiu em vários países, inclusive no Brasil e Rússia. Emprestei meu rosto para uma campanha pública contra discriminação e recebo muitas mensagens e me tornei a trans mais influente do país.
Justamente pensando na palavra "inclusão", criei em 2011 um empreendimento inusitado na Europa, para não dizer único no mundo. Idealizei um modelo inclusivo de sauna spa mista LGBTI+ hetero friendly. O público é 60% portugueses e o restante, estrangeiros de diferentes nacionalidades, inclusive brasileiros.
São festas onde as pessoas podem usar pulseiras, cada cor corresponde à uma orientação sexual ou mesmo uma preferência, dessa forma, facilita-se a abordagem.
Em 2017, a revista Vogue de Portugal me convidou para fazer um ensaio fotográfico. Para mim, aquilo foi uma honra: uma publicação feita para as mulheres, como hoje eu sou.
Só tenho motivos para comemorar. Sou respeitada no meu país, promovo a inclusão de pessoas de todos os gêneros, e minha mãe de quase 90 anos me apoia em tudo. Aos 53 anos, me sinto plena, feliz e realizada, uma mulher completa, de corpo e alma."
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