Elas desenham e falam sobre sexo sem tabu no Instagram
Uma vulva retratada nos mínimos detalhes. Vibradores, frases sacanas, casais (ou trisais) se divertindo e até plug anal. Pode surpreender alguns, mas essas cenas, corpos e objetos se tornaram material de inspiração para que artistas levem cada vez mais seu talento no Instagram.
Páginas internacionais como as de Frida Castelli ou Natalie Krim, já fazem sucesso há um tempo nesse movimento. Aqui no Brasil, mulheres assumem a linha de frente de uma cena crescente e colocam sua arte na rede, quebrando tabus.
É o caso da paraense Tainá Maneschy, que viu num cenário que se pintava como cada vez mais conservador, como ela própria define, uma oportunidade de se dedicar a uma arte nada retrógrada. "De Queermuseu à campanha de abstinência sexual, começaram a surgir no dia a dia questões tão conservadoras que senti que precisava falar sobre isso", diz.
Tainá sempre foi fã do tema sexualidade. Ao deixar um trabalho que não a fazia feliz, começou a se dedicar mais e a estudar o assunto a fundo. Em 2017, seus olhos se voltaram com força para o erotismo, num trabalho que em 2018 rendeu sua primeira exposição individual, em Lisboa, onde mora agora.
Uma história de vida pessoal combinada com o momento "desafiador" na sociedade também foi motivação para Débora Pimentel, que, de Brasília, toca a página Cara de Fofa. "Comecei a ilustrar em 2017, tentando desenhar todos os dias. Naquele momento, eu ainda não tinha tido a minha primeira vez. Ela aconteceu com 25 anos e me inspirou a entrar nessa temática", diz.
Hoje ela tem 28 anos e seus desenhos, tão carismáticos quanto sacanas, já renderam uma página com mais de 62 mil seguidores até o momento.
Com tudo retratado de forma tão leve, as redes dessas ilustradoras, cartunistas e designers viram também um espaço seguro para que outras mulheres conversem sobre corpo e sexualidade sem medo.
Isso aparece, inclusive, como motivação para algumas delas. A carioca Jota Carneiro, dona de um perfil realmente endiabrado, é uma das que viram nisso razões para seguir. "Comecei esse trabalho há uns três anos, muito por um caminho pessoal. Sai de um relacionamento e iniciei um processo de descoberta pessoal, que se refletiu nos meus desenhos. A partir do momento que comecei a publicar essa arte no Instagram, outras mulheres vieram conversar. Criou-se um espaço de troca e conheci pessoas que precisam disso", diz.
O trabalho de Jota, assim como das outras artistas, é também "analógico". No caso dela, sua arte está em quadros, canecas, roupas e outros produtos que levam o erotismo para o cotidiano de quem é fã. Mas é no Instagram que se abre essa janela. "Converso muito com quem segue a página e uso bastante as ferramentas de interação, como as perguntas. Tenho esse hábito de me comunicar e, assim, já recebi muitos relatos profundos e íntimos. Isso é lindo!"
A artista visual Priscila Barbosa relata uma sensação parecida. Seu estilo é muito centrado no corpo feminino e nudez, mas nem sempre passa pelo erotismo. "É um incentivo para que mulheres pensem em como elas se relacionam com elas mesmas e com outras mulheres. O feminismo deve ser para a gente, e não para dizer como mulheres devem ser em relação aos homens", diz.
Incentivada por duas amigas que atuam em dança contemporânea, Priscila começou a notar, por ali, o quão diversos podem ser os corpos femininos. Com essa inspiração (e belo laboratório de pesquisa), ela consegue retratar diferentes mulheres em sua arte.
A nudez também está no centro do trabalho de Jessica Vieira. A artista e comunicadora, que usou a ilustração como parte de um processo de cura após uma crise de ansiedade, diz que o corpo também é o meio que usamos para a comunicação, pelo qual mandamos mensagens "sem dizer nada", e busca replicar isso em seu trabalho. "Acredito que é meu transbordar de dentro para uma imagem. Por meio do retrato do corpo nu, não realista, comunico minhas dores, minhas crenças e minhas esperanças", diz.
O trabalho de Jessica tem seu corpo, sentimentos e vivências como inspiração. Ainda assim, ela conta que muitas mulheres entram em contato com ela, via mensagens diretas, para comentar ilustrações, textos e compartilhar histórias. "Isso, de certa forma me mostra que estou fazendo algo bom para além do meu umbigo".
Ela conta que, em fases depressivas, o trabalho refletiu isso, e essa vulnerabilidade fez com que ainda mais relatos e conversas se abrissem. "Essa troca é linda e preciosa. Me enriquece não só como artista, mas como mulher, viva, negra e aprendiz da vida", diz.
Assédio, família e censura
Ainda há quem ache que falar sobre sexo significa dar abertura para assédio. Não é verdade. E todas as mulheres que aparecem nessa matéria já passaram por essas por situações.
Além de seus desenhos, Priscila coloca em sua página imagens dela própria, muitas vezes, sem roupa. Ela percebe um padrão: homens que começam a seguir seu perfil e saem "curtindo" fotos muito antigas, em geral as de nudez, são os que vão partir para o assédio. "Não deixo que essas pessoas invalidem meu trabalho", diz ela.
O assédio vem da falta de naturalidade com que esses temas ainda são tratados pela maior parte da sociedade. É o que leva essas artistas a passarem, também, pelo "crivo" do próprio Instagram. "Já tive algumas imagens derrubadas. Percebo que isso é mais frequente quando uso hashtags relacionadas ao universo LGBTQ+", comenta Jota.
E a mudança de mentalidade, em muitos casos, começa em casa. Debora, do Cara de Fofa, recentemente mostrou seu trabalho para seu pai. Foi durante uma feira em que levaria produtos com sua arte, e ela contou tudo pelo Stories do Instagram, conforme acontecia. "A reação não foi das melhores. Ele se referiu ao meu trabalho como pornografia", diz.
Mas é justamente esse tipo de visão que, para elas, serve de combustível para continuar. "Meu trabalho já conquistou pessoas que pensam igual a mim. Sinto que o próximo desafio é esse: alcançar quem pensa diferente", diz Debora.
Conversa e responsabilidade
Com as redes, pessoas que não se conhecem na vida analógica trocam ideias sobre temas profundos e, às vezes, tabus. É com essa identificação entre artista e seguidora que acontece o diálogo. "As mulheres veem ali um espaço onde são respeitadas e conseguem conversar sobre temas que, não necessariamente, fazem sentido serem tratados num consultório médico", opina Luiza Cadioli, médica de família e diretora do Coletivo Feminista de Sexualidade e Saúde.
Mas tratar variedade de corpos, sexualidade, saúde e outros temas delicados de tão perto traz também uma dose de responsabilidade para essas artistas. Muitas
Juliana Bonetti Simão, psicóloga especialista em sexualidade, concorda que a abertura para falar sobre sexo e sexualidade na rede é positiva. Mas faz um alerta quando as discussões passam para assuntos mais técnicos. "As redes sociais são um ótimo ponto de partida para buscar informação. Mas nada substitui uma consulta em casos específicos", diz.
Em era de fake news, é fundamental entender que a internet não pode ditar regras, e que a informação especializada não pode ser substituída por uma conversa informal em alguns os casos.
As artistas sentem esse peso, cada uma a sua maneira. "Quem fala de sexo na internet precisa ter responsabilidade sobre a informação que divulga. Quando alguém me pergunta algo muito técnico, por exemplo, abro um espaço de interação para que as pessoas contem suas experiências sobre o tema no Stories, ou até indico páginas de especialistas, diz Debora, do Cara de Fofa.
Tainá, que tem em seu trabalho uma enorme riqueza de detalhes sobre a anatomia feminina, estuda bem o que vai desenhar. "Gosto muito de usar fotos como base de algumas imagens. Assim tenho ideia de proporção e de variedades de corpos", diz, ciente de que cada desenho é uma informação. Ainda assim, quando um assunto técnico surge, ela também adota a estratégia de indicar mulheres que tenham mais propriedade em temas específicos ou ginecologistas, conta.
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