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Tabata Amaral: "Já ouvi que era burra no microfone da Câmara dos Deputados"

A deputada federal Tabata Amaral - Divulgação
A deputada federal Tabata Amaral
Imagem: Divulgação

Camila Brandalise

De Universa

12/03/2020 04h00

A deputada federal Tabata Amaral (PDT-SP) começou seu mandato, em 2019, como a queridinha entre os nomes recém-eleitos para o Congresso Nacional. E com louvor: foi a segunda mulher mais votada para o cargo em todo o país. Era vista como um sopro de esperança em meio ao desalento político que tomava conta do Brasil, principalmente após peitar o então ministro da Educação, Ricardo Vélez, por falta de projetos e estratégias na área, em maio do ano passado.

Meses depois, porém, recebia pedrada de todo lado ao votar a favor da reforma da Previdência. Vieram críticas do próprio partido, da esquerda, de movimentos sociais envolvidos com pautas que ela defende e de uma infinidade de seguidores nas redes sociais.

Quanto a isso, ela diz não se abalar. "Segui tudo o que acredito e sei o quanto trabalhei para melhorar aquele texto", afirma. E critica a oposição: "Se a esquerda inteira tivesse entrado para a negociação, a gente teria um texto muito melhor. O problema é que tinha a direita trabalhando, alguns gatos pingados à esquerda e o resto de braços cruzados", afirma a deputada, que voltou à mídia nos últimos dias por ter apresentado um projeto que propõe distribuição gratuita de absorventes para mulheres que recebem até um salário mínimo domiciliar per capita.

A polêmica se instaurou com a divulgação de que o projeto custaria R$ 5,25 bi para os cofres públicos, o que, segundo Tabata, é um "cálculo ridículo", já que é o governo que vai estipular o orçamento. O custo para tentar acabar com a chamada pobreza menstrual seria de R$ 119 milhões, ou 44 vezes menos do que alardeou-se. "Dizem que sou comunista, que só quero que mulheres pobres tenham acesso a absorvente. Que é absurdo que todo mundo pague por uma coisa para parte da população, e que é um absurdo para o meio ambiente."

Depois de um ano de mandato, ela aprendeu como funciona o jogo político. O que a abala, ainda, são os diversos ataques que recebe por ser mulher: já foi chamada de burra no microfone do plenário e de incapaz de ser relatora de um projeto. Já saiu chorando do Congresso. E perdeu a conta de quantas vezes ouviu o clichê de que "não passa de um rostinho bonito".

Um dia antes de conceder esta entrevista a Universa, feita por telefone na quarta-feira (4), contou ter sido barrada três vezes na entrada da Câmara. Resultado da falta de representatividade feminina. É para mudar isso que ela, agora, pretende se empenhar: com o projeto Vamos Juntas, vai mentorar mulheres para que se enredem na política e comecem suas trajetórias já nas eleições de 2020.

Abaixo, ela fala das suas propostas para mulheres — que não deixam de abarcar o tema da educação, sua pauta desde sempre — e da relutância inicial em candidatar-se por falta de referências femininas. Faz críticas à esquerda que a repreende e pede mudanças no feminismo atual. "Uma parte das feministas quer 'tirar minha carteirinha'."

Até hoje seu nome é alvo de críticas por ter votado a favor da reforma da Previdência. Como avalia o episódio?
Segui exatamente o que acredito em relação ao combate à desigualdade. E tenho muita consciência do quanto trabalhei para melhorar aquele texto. Eu fui para reunião para falar da questão das mulheres, negociei com bancada para melhorar a situação para os professores. Sentei com o relator da reforma [Samuel Moreira (PSDB-SP], com o Marinho [Rogério Marinho, secretário especial de Previdência e Trabalho] para conseguir mudanças. Eu tive coragem de lutar pelo melhor possível. Muita gente achou mais fácil se posicionar nas redes sociais e ficar de braços cruzados sabendo que o resultado poderia ter sido muito melhor se eles trabalhassem. O que ficou para mim é que incomodei porque mostrei que havia um caminho diferente. Eu lutei pelo melhor texto possível e não pelo vídeo que iria viralizar mais. Se a esquerda inteira tivesse entrado para a negociação a gente teria um texto muito melhor. O problema é que tinha a direita trabalhando, alguns gatos pingados à esquerda e o resto de braços cruzados. Eles que são os responsáveis por esse texto não ser melhor. Na hora que você atua de forma diferente, escancara a hipocrisia das pessoas.

Quanto a incomoda ter perdido tantos apoiadores?
Muitas pessoas nunca foram meus apoiadores. Muita gente vem dizer: "Nunca mais vou votar em você", mas nem me conhecia na época da campanha. É a cultura do cancelamento. Fiz uma opção de longo prazo de ser guiada pelos meus princípios, não pelos likes. Se me preocupar com robô de rede social, que mandato vai ser esse? Em toda minha atuação, três pessoas nas ruas chegaram com abordagem violenta. Aconteceu uma vez de eu entrar num restaurante e tinha uma galera, no caso do meu partido, um pouco bêbada, um monte de homens, ficaram me xingando. Nesse momento fiquei com medo. Mas foram covardes, ninguém teria coragem de fazer aquilo sozinho.

Quais situações vividas na Câmara dos Deputados deixam evidente a falta de mulheres na política?
Até hoje sou barrada. Ontem mesmo eu passei pelos entrepostos entre a Câmara e o Senado três vezes. Nas três vezes fui barrada. Eu digo: "Sou de-pu-tada", mas parece que ouvem outra palavra. Falavam que era normal no começo porque ninguém me conhecia. Mas acontece todos os dias. É uma barreira. Também têm as situações de violência. Há poucos dias, as deputadas mulheres se posicionaram contra a fala absurda do presidente Bolsonaro sobre a jornalista Patrícia Campos Mello [o presidente disse em coletiva que Patrícia "só queria dar o furo"]. A gente pegou o microfone, e o Eduardo Bolsonaro [deputado pelo PSL-SP] começou a gritar dizendo que a gente deveria raspar o sovaco. E não foi interrompido. Eu já ouvi que eu era burra no microfone do plenário da Câmara. Assim, no microfone: "Você é burra". E já ouvi que "a Tabata é incapaz de ser relatora desse projeto" numa comissão. Com essa violência toda de todos os dias, não é de surpreender que mulheres não queiram entrar para a política.

Sua idade também já foi argumento para críticas, inclusive pelo próprio candidato à presidência do seu partido, Ciro Gomes, que disse que você ainda tinha "uma idade em que as pessoas podem errar" na época da reforma.
Acho que a idade se mistura com eu ser mulher. Muitas pessoas me dizem que "quando for mais velha" vou entender que elas estão certas. Ou então que sou nova, que não sei como as coisas funcionam, com o tempo vou aprender. Com homens jovens isso também acontece, mas num grau menor.

Tem horas que acha que não vai dar conta?
Sim. Tem dias que fico com medo por causa da forma que o governo ataca quem discorda de qualquer pauta, é muito violento. Já tive que cancelar evento meu, já fiquei em casa chorando. Já fui ameaçada de morte, mandam mensagens pornográficas. Teve vezes que saí da Câmara chorando. A melhor resposta para essa violência é falar cada vez mais alto e ajudar outras mulheres a entrarem na vida política.

Você criou o projeto Vamos Juntas para estimular candidaturas femininas. Como funciona exatamente?
A trajetória para as mulheres chegarem na política é mais difícil, tem mais barreira dentro dos partidos, elas recebem menos financiamento, têm que se provar todos os dias, é uma série de dificuldades. Agora que tive a oportunidade de ser eleita e estar nesse espaço que até pouco tempo atrás não era para mulheres, muito menos jovens e da periferia, a melhor contribuição é ampliar essa estrada para mulheres participarem também. No Vamos Juntas a gente está selecionando um grupo de candidatas. Vamos trabalhar primeiro com 50 mulheres, tinham 400 inscritas do Brasil todo que queriam participar da mentoria e fazer os cursos. Temos um time incrível, ex-coordenadores de campanhas, senadores, deputados, que querem mentorar as candidatas a vereadoras e prefeitas. Vamos fazer um barulhinho grande.

Quando foi a primeira vez que afirmou: vou ser deputada federal?
Só bati o martelo de que seria candidata em julho em 2018, o que é muito tarde [o prazo final de registro é agosto do ano eleitoral]. Não me via na política partidária porque cresci sem conhecer nenhum político, quem dirá política mulher, na periferia no máximo chegava um cabo eleitoral tentando dizer em quem você tem que votar. Me provocavam para ser, mas eu dizia: "Não tenho experiência, não tenho dinheiro". "Aquilo não era pra mim", eu pensava. Foi outra mulher, minha coordenadora de campanha, que saiu do emprego dela e falou que eu tinha que sair candidata e que coordenaria minha campanha. Outra mulher que teve que acreditar em mim. Eu só queria não passar vergonha e fui a segunda mulher mais votada do Brasil. Por isso, no Vamos Juntas, eu falo muito: "Sabe aquela mulher que é uma líder da ONG, da comunidade? Fala para ela se candidatar, e fala umas dez vezes". Tem que insistir.

Quais pautas para mulheres está defendendo na Câmara?
Destaco três. Uma delas estou trabalhando para ir para votação em plenário agora em março. É um mês que tem mais abertura para falar da pauta feminina, em outros momentos é mais difícil. Esse projeto é para criar a campanha nacional Namoro Sem Violência, junto com a deputada Aline Gurgel [Republicanos-AP] . É para falar de violência contra a mulher na escola. Claro que tem que falar de feminicídio e Lei Maria da Penha, mas não como se os adolescentes fossem adultos. Nessa fase, a questão tem mais a ver com relações abusivas. Conversei com diretoras e vi que eram os mesmos padrões se repetindo, as mesmas violências, mesmos abusos. Outro projeto que defendo é polêmico: reservar uma das duas cadeiras para senadores de cada estado para uma mulher. É a forma mais efetiva de aumentar a participação feminina. Esse movimento quem liderou foi a deputada Perpétua Almeida [PCdoB-AC]. Por último, a proposta que prevê distribuição gratuita de absorventes em escolas, presídios e postos de saúde. Em relação a esse, a reação foi muito virulenta. Fizeram um cálculo ridículo de que seria gasto R$ 5 bilhões, quando a gente deixa muito claro que é o governo que vai dizer o alcance do projeto, qual o orçamento. Dizem que sou comunista, que só quero que mulheres pobres tenham acesso a absorvente. Que é absurdo que todo mundo pague por uma coisa voltada só para uma parte da população. Que é um absurdo para o meio ambiente. Menstruação é uma coisa tão óbvia, tão presente na realidade de toda mulher. Mas é um problema invisível porque não afeta os homens.

Você se reconhece como feminista e defensora dos direitos das mulheres, mas afirmou em entrevista ao programa "Roda Viva", em outubro passado, ser contra a legalização do aborto, que tem a ver com direitos reprodutivos femininos. São posições contraditórias. Ainda as defende?
Minha visão não é um posicionamento contraditório. Acho que a sociedade está muito violenta, e aí, a partir do momento que eu discordo de uma pauta de parte das feministas, querem "tirar minha carteirinha". Essa é uma das razões pelas quais o feminismo é tão elitista no Brasil. Minha visão em relação ao aborto é a da maioria da população brasileira. Querer reduzir o meu posicionamento é intolerância. Acho um pouco absurdo que algumas mulheres que se consideram, sei lá, autoridades do feminismo, queiram calar quem pensa diferente quando deveriam estar abertas ao diálogo. Enquanto mulheres ricas intelectualizadas forem as únicas que discutem o feminismo, ele terá uma efetividade muito pequena.

Há um avanço de frentes parlamentares antiaborto que pretendem extinguir a interrupção legal de gravidez [garantida em caso de estupro, anencefalia e risco à mãe]. Em relação a isso, como se posiciona?
Defendo que a gente mantenha a legislação como está hoje. Não estou fechada a discutir uma ampliação da legislação em alguns casos. Mas não dá para ser em todos, é apontar para uma direção que seria uma grande violência em relação às convicções de grande parte da população brasileira. Acho que as pessoas têm que ser um pouco mais abertas a dialogar com quem pensa diferente. E essa visão [legalização em todos os casos] é péssima para a causa feminista como um todo porque exclui grande parte da população.