"Egoísmo" e "solidão": elas não querem ser mães e contam absurdos que ouvem
Bem que poderia ser exceção, mas é regra: toda mulher sem filhos, mais cedo ou mais tarde, vai ouvir algum comentário inoportuno sobre o fato de não ser mãe. Pessoas próximas ou mesmo desconhecidas não economizam nos pitacos.
Independentemente das motivações que levam as mulheres a tomarem tal decisão, o fato é que, na vida, elas precisam estar preparadas para lidar com esse tipo de intromissão.
As situações chegam a ser constrangedoras, como mostram 15 mulheres que compartilharam algumas histórias com Universa. Quer um conselho? Apenas pare de repetir tais frases para parentes, colegas de trabalho, vizinhas e muito menos para gente que você nunca viu na vida.
"Quem vai cuidar de você quando ficar velha?"
A frase é uma das campeãs entre as mulheres que não são mães. "Já ouvi essas frases tantas vezes que fica difícil mensurar. Mas parentes e familiares próximos são os que mais falam, talvez por medo de sobrar para eles. Assumo que não tive, nem quero ter e que nunca me arrependi, pois é uma escolha de vida. Aliás, estou cada dia mais convencida de que fiz a coisa certa", diz Edna Mendes, 48 anos, jornalista.
"Se você tivesse filho, sua casa seria feliz"
Casada há 31 anos, a comerciante Patrícia Costa, 50, conta que desde cedo ela e o marido não viam filhos como prioridade. "Definimos que, se em algum momento quiséssemos, poderíamos ter. O tempo foi passando e a vontade nunca chegou", declara. A pressão da sociedade, porém, veio forte. "Sempre ouvi absurdos. Minha reação é responder às inúmeras alfinetadas com bom humor", fala. Perguntas do tipo: "Você tem algum problema?" e "Você é normal?" são frequentes. Mas o pior comentário foi quando associaram a felicidade da casa à presença de crianças. "Sou muito feliz com meu marido, não preciso de ninguém mais para ser feliz. Tenho ótimos amigos e minha família. Infelizmente, somos olhadas como pessoas frias", pontua.
"Mulher nasceu para ser mãe"
Não é sempre que a administradora de empresas Silvia Camargo, 55 anos, tem paciência quando ouve frases acerca da não-maternidade. "Minha reação é virar os olhos e dizer que não ser mãe não me faz mais mulher. Afinal, tantas mulheres que tiveram filhos não têm sequer paciência com eles ou não são nem um pouquinho femininas", exemplifica. Silvia já foi chamada de egoísta, ao dizer que só teria um filho com uma família estruturada. Ouviu que nunca seria uma mulher realizada. "Nunca coloquei a carreira na frente da decisão de ser mãe. Simplesmente coloquei a minha vida como um todo. E ter um filho, apenas pelo prazer de gerar uma criança, sem ter um pai presente, não era opção para mim", afirma.
"Você vai se arrepender"
Essa é uma frase clássica, disparada para muitas mulheres. A redatora Priscila Gomes, por exemplo, já cansou de ouvi-la nos 36 anos de vida. "Certa vez, em um evento de trabalho, surgiu o papo sobre filhos e um rapaz que eu não conhecia ficou incomodado por eu não ter vontade de ser mãe. Argumentei que a mulher pode ser mãe se ela quiser e de várias outras formas, sem ser, precisamente, gerando um filho", lembra-se ela, filha única que também ganhou o respeito da própria família depois de muitas discussões sobre o assunto. "Sempre trabalhei em projetos sociais e isso me faz bem. Acredito que a mulher pode ser mãe de pessoas, de projetos etc", defende.
"Você terá uma mesa de Natal vazia quando ficar velha"
Aos 46 anos, a profissional de eventos Janaina Bueno coleciona comentários desagradáveis, desde o famigerado "Você nunca saberá o que é amor verdadeiro" até o "Fala isso porque não é mãe". "O mais marcante foi a pergunta: 'Você não se preocupa de, quando for velha, ter uma mesa de Natal vazia?' Minha reação foi gargalhar, porque ter filhos não garante mesas cheias em nenhuma ocasião do ano. Normalmente, respondo com ironia, porque acho realmente irônico alguém me julgar sem sequer saber da minha vida. Se eu não julgo a escolha da pessoa de ter filhos, não acho justo me julgarem por não tê-los", frisa ela.
"Você ainda não encontrou a pessoa certa"
Sim, tem gente que opina sobre a decisão de alguém transferindo a responsabilidade para outra pessoa. A assessora Kelly Casarin, 43 anos, já ouviu isso, dito por uma mulher, o que a incomodou ainda mais. "Sororidade existe mesmo?", questiona. Sua opção também repercute na vida profissional, de forma que ela não gostaria que acontecesse. "Já fui escalada para trabalhar em evento à noite simplesmente porque eu não tinha filhos. E também foi uma mulher que fez isso", lembra-se ela, que já precisou operar duas vezes por conta de endometriose e não se sente motivada a construir uma família.
"Se você fosse mãe, entenderia..."
A coordenadora Karla Cristina*, 45 anos, já cansou de ouvir que não poderia comentar sobre algo por não ter abraçado a maternidade. "Não sou menos mulher, menos feliz ou menos capaz por não ser mãe. Maternidade não é pra todas as mulheres e não tem nada de errado nisso", ressalta. Ela revela detestar quando é questionada sobre a decisão de não querer ser mãe. "Seja quem for, não dou direito à ninguém de me cobrar sobre algo que só diz respeito à minha vida", continua. Para ela, todo mundo tem o direito de fazer a sua escolha de vida. "Fiz a minha e não me arrependo. Sou tia, babona, cautelosa, dedicada, amorosa. E prefiro dez mil vezes esse papel. É isso que me motiva. A decisão de não ter filhos é tão séria e responsável quanto a decisão de ter filhos. Quem não tem filhos se torna mãe de si mesma. Estou realizada!", garante.
"Não tem medo de ficar sozinha?
A autônoma Beatriz Giosa, 33 anos, é outra que costuma virar os olhos diante dos comentários que vêm de todos os lados, "alertando" sobre arrependimentos futuros. "Já ouvi de ex-sogra, de mãe, de amigas? Na última vez foi de alguém da família. Respondi que nasci sozinha e vou morrer sozinha", relata. Beatriz já foi casada, chegou a pensar em ser mãe, mas desistiu ao se dar conta que a decisão seria apenas "reflexo de um padrão da sociedade, que associa a maternidade e o casamento como realização suprema da mulher". "Me incomodava muito perceber como as mulheres ficavam sobrecarregadas com a maternidade, física, financeira e emocionalmente, como sempre tem uma cruz para pregar uma mãe, e como é solitária a vida de uma mulher que é mãe. Não conseguia me ver nesse papel", alega. Se um dia mudar de ideia, vai optar pela adoção uma criança grande.
"Não vai levar o nome da família adiante?"
A produtora Juliana Corvacho Reis, 40 anos, coleciona comentários inadequados: "Quem vai cuidar de você?", "Não vai se sentir sozinha?". Foi até colocada contra a parede sobre dar continuidade ao nome da família "Sempre fui pé no chão. Quando fui morar com meu namorido, as cobranças da família eram leves, mas da sociedade não. Perguntas e afirmações pelo tempo que estávamos juntos e a falta de uma família eram comuns. Meu casamento acabou e eu senti um alívio de não ter nenhuma criança envolvida nessa confusão. O fato de também não ter que manter contato foi um alívio absurdo", admite ela, que costuma ignorar os comentários que recebe.
"Você é egoísta por não querer ser mãe"
A professora Denise Rocha*, 35 anos, já viveu situações um tanto inconvenientes relacionadas ao fato de não querer ser mãe. "Ouço sempre que minha opinião vai mudar, mas também já fui acusada de egoísta, porque existe um número enorme de mulheres que querem ser mães e eu simplesmente me recuso. Já me falaram até que isso é pecado! Odeio esse tipo de comentário", retruca.
"Está fugindo da sua responsabilidade social"
Clene Salles, 53 anos, escritora e terapeuta, não só ouviu as clássicas que toda mulher sem filhos é alvo, como se deparou com comentários bem estranhos. "Um deles é que era uma falta de responsabilidade da minha parte não ter filhos. A explicação, segundo a pessoa, é que é necessário ter filhos para dar manutenção à economia social, pois, os filhos constróem o futuro do país", relata. Não é só: também já lhe disseram que: "Deus abençoa de maneira especial a mulher que é mãe e interage de maneira fraca com as outras", que "é um absurdo não ter filhos, afinal, para quem ficaria seus conhecimentos?" e, também, que "é muito estranho não deixar fluir em outro ser humano a ancestralidade que temos". "Em função das minhas atividades, fico curiosa sobre o que leva a pessoa a dizer isso e me pergunto se estão falando sério ou só brincando", comenta.
Ninguém escapa
Mesmo a turma que ainda não tem uma posição definida sofre pressão para se decidir logo. Isso sem contar que até quem não pode ter filhos, apesar da vontade, ouve comentários desnecessários.
"Fica demorando, quando tiver, vai parecer a avó do seu filho"
É no núcleo familiar que Silmara Frizo Jakowatc, empresária de 36 anos, mais sente a cobrança para se tornar mãe. "Ainda não quero, nem meu marido, mas sempre batem na mesma tecla, dizendo que, se demorarmos muito, não vou nem parecer a mãe. Brinco dizendo que 'partiu ser avó'. Já pulo uma fase da vida", contra-argumenta. Silmara não tem uma decisão fechada, mas tanto ela quanto o marido não fazem nenhuma questão de filhos no momento, por não sentirem preparados psicologicamente. "Nunca digo nunca, mas sei que cada mulher tem seu tempo de fertilidade e que pode ser tarde demais se eu quiser um dia. Nesse caso, adotarei com maior prazer. Enquanto isso, os familiares que se conformem", brinca.
"Suas amigas estão te passando para trás"
Até quem gostaria, mas optou por questões de saúde, sofre julgamentos, caso caso da nutricionista Tânia Sellis, 38 anos. "Sempre quis, mas tive consequências da diabetes. Sofri por 18 anos, perdi visão, fiz transplante de pâncreas. Nada disso me impediria de ser mãe, mas tenho medo por conta de tudo o que já passei na minha vida. Não quero me arriscar ao ponto de acontecer algo comigo e deixar um filho sem mãe", esclarece. Mas os rótulos a incomodam. "Só porque é mulher, os outros acham que precisa ser mãe. E ninguém se preocupa em saber o que há por trás da decisão. Tenho que ficar explicando por que não quero, ouvindo cobranças e comparações. Me falam que fulana teve não sei quantos filhos e eu nenhum, que fui passada para trás, entre outras coisas. Essas cobranças às vezes me deixam incomodada", acrescenta.
"Ter filhos é a coisa mais maravilhosa da vida"
Clarissa Perillo, assessora de relações públicas, 36 anos, até evita comentar com desconhecidos que não tem filhos porque sabe que é "dar pano pra manga". Todo mundo quer dar pitaco. "Muitos amigos me dizem que ainda vou mudar de ideia, que a maternidade é a melhor coisa na vida de uma mulher, mas o fato é que tenho uma vida muito boa, um relacionamento ótimo", frisa ela casada há 10 anos. "Ainda conversamos sobre a possibilidade, mas não vemos uma real vontade. Acreditamos que, para isso, é preciso querer muito e estar preparado", argumenta.
"Ainda dá tempo de mudar de ideia"
A empresária Regiani Oliveira, 54 anos, teve uma gravidez ectópica (nas trompas) e, depois disso, não conseguiu engravidar. Chegou a fazer todos os exames para uma fertilização, mas desistiu da ideia antes de começar o tratamento. Escuta e vê olhares reprovadores o tempo todo. "Nesta semana mesmo, comprando presente, a dona da loja perguntou se era para meu filho. Falei que era para um amigo. Quando pedi outro maior, de novo: 'É para seu filho?' Falei que era para o sobrinho e por aí foi. Até que ela falou: 'Traga seu filho aqui!'. Não respondi e ela ainda disse: 'Você não tem filho??? Nossa!!!', como se eu fosse um ET. Sempre me falam que ainda dá tempo para eu mudar de ideia e aí respondo que não vai rolar porque nem útero tenho mais. Só assim eles param", narra.
* Nomes alterados a pedido das entrevistadas.
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