Ela faz tatuagem gratuita sobre cicatrizes de mulheres vítimas de violência
As cicatrizes representam, muitas vezes, lembranças de momentos difíceis vividos por quem as carrega e, por isso, podem ser motivo de vergonha. São marcas na pele que, em muitos casos, lembram a dor da violência sofrida na própria casa.
A tatuadora Fabiana da Silva Rosetti, 42 anos, de Mogi das Cruzes (SP), transforma essas feridas em desenhos delicados que representam um recomeço na vida dessas mulheres. Há cinco anos ela criou um projeto que tem o objetivo de cobrir com tatuagens cicatrizes de mulheres que foram vítimas de violência doméstica. Os desenhos são feitos gratuitamente.
"Percebi que muitas mulheres procuravam meu estúdio para perguntar sobre tatuagens para cobrir cicatrizes e, na maioria das vezes, essas pessoas eram carentes e não tinham como pagar pelo procedimento", ela conta. "Vi então que tinha uma tatuadora de outra região do país que fazia esse trabalho de cobri-las gratuitamente e resolvi trazer o projeto para meu estúdio e, assim, também poder ajudar."
Desde que começou com a ação, cerca de 100 mulheres já foram tatuadas. No início, ela fazia uma tatuagem por mês. Hoje, atende até quatro mulheres mensalmente. Atitude que vem contribuindo para o resgate da autoestima e superação das vítimas.
"Além de mulheres vítimas de violência doméstica o projeto também atende àquelas que possuem alguma cicatriz devido a cirurgias que deram errado, acidente doméstico ou algum tratamento de saúde que acabou deixando marcas no corpo, como câncer. No começo eu era sozinha, mas agora ensinei meu namorado, assim conseguimos atender mais mulheres", acrescenta a tatuadora.
Segundo a tatuadora, mulheres que foram vítimas de violência doméstica são a maioria das pessoas que a procura para essa iniciativa, representando 60% das tatuagens feitas pelo projeto, que atende exclusivamente mulheres.
A história de cada cicatriz
Cada nova tatuagem feita por Fabiana vem acompanhada de uma história dolorosa. Mas ela gosta de pensar que as mulheres saem de lá prontas para, com com os traços da tatuagem, deixarem para trás relatos de sofrimento e dor, já que no estúdio elas também encontram acolhimento.
"Elas chegam envergonhadas, mas depois acabam relatando os momentos difíceis que viveram. Já recebi mulheres que eram agredidas, que o marido jogou óleo quente, uma que levou facada do companheiro e até uma que chegou a ser baleada. Por isso procuro ouvi-las sem questionar e tento ajudar como posso, com empatia", relata a tatuadora.
A vendedora Juliana (nome fictício), de 26 anos, foi uma das mulheres atendidas pela tatuadora. Durante anos, ela viveu em um relacionamento abusivo e era agredida pelo companheiro.
"No começo do nosso namoro ele começou a me bater, mas logo engravidei e achei que as agressões parariam", conta ela. "Foi o contrário: ele me agredia mais ainda. Chegou a me bater com um pau e um dia jogou um vidro da estante em mim e acertou a minha perna. Fiquei com uma cicatriz. Todas as vezes que eu olhava aquela marca lembrava tudo o que havia passado e isso me machucava muito", recorda Juliana.
Mas a situação mudou. A jovem conseguiu um emprego e saiu da casa onde morava. Após terminar o relacionamento, a vendedora conheceu o projeto da Fabiana e uma flor nasceu no lugar onde só havia dor. "Minha tatuagem ficou linda. Hoje eu consigo olhar para minha perna sem lembrar do passado e isso me ajudou muito", conta a vendedora.
Automutilação para passar dor de abuso
Não são somente as histórias de agressão doméstica que marcam as pessoas que procuram o projeto, como é o caso da Mariana (nome fictício), de 21 anos.
A garota foi molestada pelo pai quando criança. Segundo a jovem, os abusos aconteceram depois que a mãe morreu, quando ela tinha apenas 3 anos, e ela teve que ir morar com o pai. Na nova casa, Mariana viveu seus piores dias. Casado novamente, o pai costumava beber e, quando chegava em casa embriagado, era proibido pela atual esposa de dormir no quarto do casal.
Nesses dias ele ia dormir com a filha — e abusava dela. Aos 14 anos, Mariana fugiu de casa e foi morar nas ruas. Chegou a passar dias em um lixão até ser encontrada por familiares e voltar a ter um lar.
"Eu me mutilava para passar aquela dor que sentia dentro de mim. Era a forma que tinha de escapar de tudo o que vivia", lembra.
Mas as marcas trouxeram dificuldades para a vida da garota. Ao procurar emprego todos perguntavam o que eram aquelas cicatrizes e ela sempre perdia a vaga. "As pessoas julgavam muito. Agora que fiz flores que cobrem aquelas marcas, consegui emprego e estou muito feliz, vivendo uma vida normal."
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